Ela é acusada de forjar documentação para apurar denúncias sobre caso de serial killer, que matou 6 jovens em Luziânia (GO). Delegada ficou conhecida pelas falhas na investigação do ‘crime da 113 Sul’.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou a delegada Martha Vargas, que ficou conhecida por ter iniciado as investigações do “crime da 113 Sul” (veja mais sobre o caso abaixo), a 2 anos e 4 meses de prisão por uso de documento falso enquanto chefiava a 1ª Delegacia de Polícia, na Asa Sul. Ela também terá que pagar uma multa no valor de R$ 586,50.
O advogado de Martha, Marcelo Barbosa, disse que a “sentença é nula e não tem qualquer fundamento de prova para galgar sentença condenatória. Ela vai ser atacada pelo recurso próprio e com certeza, reformada perante a segunda instância do Tribunal de Justiça”.
De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público, a delegada forjou, em janeiro de 2010, um pedido para viajar e deslocar uma equipe com sete integrantes até Presidente Juscelino, em Minas Gerais, sob a justificativa de deter um homem, que teria um pedido de mandado de prisão em aberto.
Segundo as investigações, a delegada criou essa história para poder apurar denúncias que recebeu sobre o caso de um serial killer – acusado de ter matado seis jovens em Luziânia (GO). Na sentença, consta que o suposto mandado foi expedido pelo Tribunal do Júri e Delitos de Trânsito da Circunscrição Judiciária de Brasília – órgão que não existe.
A Justiça também apontou que não há especificações sobre o cumprimento da ordem, como número do mandado ou o nome da pessoa que estaria foragida, no documento apresentado pela delegada.
Responsável pela sentença, a juíza Maria Augusta de Albuquerque Diniz afirmou que, embora o memorando apresentado por Martha tivesse a cidade de Presidente Juscelino como destino, as notas fiscais referentes à compra de combustível “deixam claro que a delegada e sua equipe visitaram diversas cidades como Correntina (BA), Santa Maria da Vitória (BA), Bom Jesus da Lapa (BA), Matias Cardoso (MG), Manga (MG), Janaúba (MG) e João Pinehiro (MG)”.
A acusada também pediu ao comando da Polícia Civil do DF concessão de diárias para cobrir despesas com hospedagem e alimentação em Presidente Prudente. As investigações indicaram que a delegada teria levado outras duas pessoas que não são servidores públicos na viagem. Segundo a sentença, são eles João Toqueto de Oliveira e Rosa Maria Jaques – a vidente que ajudou Martha Vargas no caso da 113 Sul.
À Justiça, a delegada disse que essas duas pessoas foram incluídas na viagem porque teriam poderes mediúnicos e, por esse motivo, poderiam ajudar nas investigações.
Ao ser interrogada, ela afirmou que durante o deslocamento “foi feito um trabalho árduo, pois trafegaram pelas estradas esburacadas brasileiras, a fim de cumprir um trabalho determinado pela Justiça e autorizado pela direção geral”. Além disso, ela disse que “nos EUA, país de primeiro mundo, a parapsicologia é considerada ciência”.
Uma das testemunhas ouvidas, Rosa Maria Jaques, contou que conheceu Martha na época do homicídio do ex-ministro do TSE José Guilherme Villela, caso que foi investigado pela delegada.
Em um dos trechos da sentença consta, em resumo, o depoimento da vidente: “Uma amiga mostrou-lhe o jornal sobre o assassinato, perguntando-lhe se ela não tinha interesse em solucionar, uma vez que ela vê espíritos; que, quando viu a fotografia, o morto piscou para ela”.
“(…) Que os mortos do caso do Villela foram dizendo-lhe como morreram, o que foi repassado para a delegada; que a delegada admirou-se pois o caso estava em sigilo; (…) que já ajudou a solucionar algumas mortes; que foram até o lugar do crime; que passou, para a ré, o caminho que os assassinos teriam seguido”.
Com a ajuda de Rosa Maria Jaques, a delegada plantou provas, torturou suspeitos e falsificou documentos durante as investigações do “crime da 113 Sul”.
Crime da 113 Sul
Em 2016, Martha Vargas também foi condenada, em primeira instância, a 16 anos de prisão por falsidade ideológica, fraude processual e tortura enquanto conduzia as investigações de um triplo homicídio em 2009. O caso ficou conhecido como “crime da 113 Sul”, em referência ao endereço em que o ex-ministro do TSE José Guilherme Villela morava. A delegada foi a primeira a investigar os assassinatos.
As vítimas do crime foram o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, a mulher dele, Maria Carvalho Mendes Villela, e a empregada da família, Francisca Nascimento da Silva. Os corpos foram encontrados com mais de 70 facadas no total.
Também no ano passado, Martha Vargas foi condenada por improbidade administrativa, na área cível. O Ministério Público e a delegada recorreram das duas decisões. O julgamento dos recursos não tem data prevista.
De acordo com a denúncia, ela manipulou dados – “plantando” uma chave do apartamento na casa de pessoas que não tinham ligação com o assassinato da 113 Sul e usando uma vidente nas investigações –, torturou suspeitos, promoveu denunciação caluniosa e fraude processual. A policial foi exonerada do cargo na época. Ela nega irregularidades.
O caso
Os corpos do ex-ministro, da esposa e da empregada doméstica foram achados, já em estado de decomposição, no dia 31 de agosto de 2009. No início das investigações, a polícia chegou a afirmar que o suspeito do crime era “conhecido e ligado à família”.
Os corpos foram descobertos por uma neta do casal, que afirmou à polícia que os avós não tinham aparecido no escritório de advocacia que Villela mantinha em Brasília. Ela abriu o apartamento com a ajuda de um chaveiro. Os corpos do ex-ministro e de Francisca foram encontrados na área de serviço do apartamento, enquanto o corpo de Maria estava em um corredor do imóvel.
Quase um ano após o crime, a arquiteta Adriana Villela, filha do casal, e o ex-porteiro Leonardo Campos Alves foram presos apontados como mandantes do triplo assassinato. Adriana sempre negou envolvimento e responde em liberdade depois de conseguir habeas corpus.
Na época da prisão, de acordo com a Polícia Civil, o ex-porteiro assumiu o crime e alegou que agiu por ter sido “destratado” pelo ex-ministro ao pedir emprego a ele. Alves também teria dito que teve a ajuda de um sobrinho. Mas, em audiência na Justiça em 2012, o ex-porteiro e o sobrinho, além de um homem apontado como comparsa (Francisco Mairlon Aguiar), afirmaram só ter confessado depois de serem torturados por mais de 24 horas.
As investigações, porém, continuaram apontando que eles tinham a ver com o assassinato. Em 2013, o ex-porteiro foi condenado a 60 anos de prisão. Em 2016, o sobrinho dele, Paulo Cardoso Santana foi condenado a 62 anos e um mês. Francisco Aguiar também foi julgado e condenado em 2013, a pena foi de 55 anos de prisão.
O julgamento de Adriana Villela foi adiado; para a polícia, atritos entre Adriana e a mãe teriam motivado o crime. Dólares e joias foram levados do apartamento. A perícia informou que foram localizados no imóvel caixas de uísques sem as bebidas e com anotações sobre valores e bens guardados no local.
A perícia também indicou que o ex-ministro levou golpes pelas costas e também pela frente e foi o último a morrer. Maria levou 12 facadas e Francisca, 23. Também foi constatado que Francisca teve as mãos amarradas atrás do corpo antes de ser assassinada. Segundo os investigadores, um lacre de cargas foi usado como uma espécie de algema flexível para atar as mãos da empregada.