O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) acredita que o choque de preços dos alimentos é temporário, mas avisou que a orientação da taxa básica de juros (Selic) pode mudar, em consequência dos riscos fiscais, mesmo se o teto de gastos for mantido. Segundo o Comitê, alterações de política fiscal podem provocar a retirada do forward guidance — a prescrição de que a Selic não vai subir no curto prazo.
A definição do que mantém o forward guidance de pé, mesmo diante das incertezas sobre o rumo das contas públicas brasileiras e da recente alta da inflação, foi apresentada nesta terça-feira (03/11) por meio da ata da última reunião do Copom. Na semana passada, o Comitê decidiu por unanimidade manter a Selic na mínima histórica de 2% ao ano e também o forward guidance, alegando que as condições dessa prescrição futura seguem satisfeitas.
Segundo o Copom, o forward guidance foi mantido porque as projeções de inflação seguem abaixo da meta no horizonte relevante para a política monetária, porque as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas e porque o regime fiscal não foi alterado. Na ata desta reunião, contudo, o Comitê alertou que a manutenção desse regime fiscal não significa apenas a manutenção do teto de gastos.
“O Comitê discutiu a interpretação da cláusula fiscal de seu forward guidance, que condiciona a não elevação dos juros à manutenção do atual regime fiscal. O Comitê refletiu que alterações de política fiscal que afetem a trajetória da dívida pública ou comprometam a âncora fiscal motivariam uma reavaliação, mesmo que o teto dos gastos ainda esteja nominalmente mantido. Essa reavaliação seguiria o receituário do regime de metas para a inflação, sendo baseada na avaliação da inflação prospectiva e de seu balanço de riscos”, alertou a ata.
O Copom explicou que “o prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco”. Por isso, representa um risco altista para as projeções de inflação.
O Comitê reforçou, então, que “perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia”. “O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, concluiu a ata.
Inflação
Já sobre a recente alta da inflação, o Copom admitiu que a pressão inflacionária foi “mais forte que a esperada”, tanto que elevou de 2,1% para 3,1% a projeção para a inflação deste ano. Porém, manteve o diagnóstico de que “esse choque é temporário” e garantiu que “monitora sua evolução com atenção”.
O Comitê argumentou que a revisão da projeção de inflação é reflexo da “continuidade da alta nos preços dos alimentos e de bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda”. Porém, disse que espera uma “reversão na elevação extraordinária dos preços de alguns produtos, afetados por redução provisória na oferta em conjunção com um aumento ocasional na demanda”.
Por outro lado, o Copom acredita que “a normalização parcial dos preços ainda deprimidos deve continuar, em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade”. Isso porque o Comitê reconhece que a recuperação da economia brasileira vem ocorrendo de forma desigual, especialmente no setor de serviços, que tem demorado mais a reagir já que depende do contato social. O Comitê frisou, contudo, que essa recuperação pode continuar de forma lenta, o que manteria a inflação sob controle.
“O Comitê considera que a pandemia deve continuar a ter efeitos heterogêneos sobre os setores econômicos. Dada a natureza do choque, o setor de serviços deve continuar a apresentar maior ociosidade do que os demais. O Comitê concluiu que a natureza da crise provavelmente implica que pressões desinflacionárias provenientes da redução de demanda podem ter duração maior do que em recessões anteriores”, informou a ata.
Segundo o documento, contribuem para essa incerteza quanto ao ritmo da recuperação econômica tanto as incertezas domésticas, sobretudo a partir do fim do ano, quando devem chegar ao fim programas emergenciais que têm ajudado a economia na pandemia, quanto as incertezas externas, já que a ameaça de uma segunda onda de covid-19 pode comprometer a recuperação das economias e da demanda do resto do mundo.
Piso da Selic
A Selic está na mínima histórica de 2% ao ano desde agosto. Boa parte do mercado esperava, então, que o Copom fechasse a porta para um novo corte de juros na reunião da semana passada, devido à alta da inflação e às incertezas fiscais. O comunicado do Copom, contudo, manteve a frase de que “o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”. Por isso, agora, o Comitê explicou “que essa sinalização está ligada às restrições de caráter prudencial para movimentos de redução da taxa básica de juros e, portanto, precisa ser mantida na comunicação”.
O Comitê argumentou que, apesar de o cenário econômico “prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado”, há questões prudenciais e de estabilidade financeira que criam “um potencial limite efetivo mínimo para a taxa básica de juros brasileira”. “Considerando o longo histórico da economia brasileira operando com a taxa básica de juros em nível muito elevado, os juros baixos sem precedentes podem comprometer o desempenho de alguns mercados e setores econômicos, com potencial impacto sobre a intermediação financeira. Para a maioria de seus membros, já estaríamos próximos do nível a partir do qual reduções adicionais na taxa de juros poderiam ser acompanhadas de instabilidade nos preços de ativos”, disse a ata.