quarta-feira, 25/06/25
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Juiz nega pedido para Hospital São Camilo deixar de negar aplicação de DIU: ‘Ninguém é obrigado a procurar instituição católica’

Otavio Tokuda, da 10ª Vara da Fazenda Pública, disse que, ainda que o hospital receba recursos públicos, ‘seu estatuto social deixa claro que se trata de uma associação civil de direito privado, de caráter confessional católico’. MP-SP abriu inquérito contra o hospital e deu 15 dias para se manifestar sobre investigação.

Montagem com a fachada do hospital São Camilo, em São Paulo, e uma imagem ilustrativa de um DIU. — Foto: Google Street View e Reprodução

Montagem com a fachada do hospital São Camilo, em São Paulo, e uma imagem ilustrativa de um DIU. — Foto: Google Street View e Reprodução

A Justiça de São Paulo negou um pedido liminar da Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal para que o Hospital São Camilo parasse de negar a aplicação do método contraceptivo DIU sob justificativas religiosas. 

“O direito que se busca ver tutelado é, antes de tudo, o acesso universal a saúde preconizada na Carta Magna. Uma vez sendo a saúde um direito fundamental, e a prestação de seu serviço ser atividade essencial no sentido jurídico do termo, a tutela jurisdicional deve ser a mais célere possível”, escreveu o advogado do PSOL.

O juiz Otavio Tioiti Tokuda, da 10ª Vara da Fazenda Pública, disse que, ainda que o hospital receba recursos públicos para o atendimento gratuito à população, “seu estatuto social deixa claro que se trata de uma associação civil de direito privado, de caráter confessional católico”. 

“A recusa em fornecer método contraceptivo (DIU), nessas circunstâncias, é legítima, na medida em que ninguém é obrigado a procurar justamente uma instituição de orientação católica para adoção de método contraceptivo”, afirmou o magistrado.

Segundo o juiz: 

  • Há outras instituições de saúde que podem realizar o serviço almejado, não havendo, portanto, privação de direito pelo Estado, mas imposição de um direito secular de um indivíduo a uma instituição de orientação católica, o que é inadmissível”;
  • “Obrigar uma entidade católica a prestar serviço de instalação de método contraceptivo violaria o direito constitucional de liberdade de consciência e de crença“.
  • “A vida é direito inviolável para o católico, inclusive na defesa do nascituro, e a busca por métodos anticoncepcionais impede o direito à vida, por mera busca de prazer sexual, situação que afronta a moralidade cristã“.


MP-SP abriu investigação contra hospital

Montagem com a fachada do Hospital São Camilo, em São Paulo, e uma imagem ilustrativa de um DIU. — Foto: Google Street View e Reprodução

Montagem com a fachada do Hospital São Camilo, em São Paulo, e uma imagem ilustrativa de um DIU. — Foto: Google Street View e Reprodução 

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu um inquérito contra o Hospital São Camilo pela rede se recusar a realizar procedimentos contraceptivos em homens e mulheres por seguir “diretrizes de uma instituição católica”. 

O inquérito foi aberto a partir de um pedido da deputada estadual Andréa Werner (PSB). Conforme o g1 publicou na semana passada, uma unidade do São Camilo se recusou a colocar um dispositivo intrauterino (DIU) em uma paciente por seguir diretrizes “de uma instituição católica”. 

“Como deputada estadual e como mulher, recebo com alento a abertura desse inquérito por parte da Promotoria a partir do nosso ofício. Sobretudo porque, quando um hospital particular e um plano de saúde recusam atendimento, na prática, o que eles fazem é mandar aquele(a) paciente para o SUS – o que sobrecarrega o sistema público enquanto o sistema privado tem autonomia para negar procedimentos mesmo quando previstos claramente pela ANS”, afirma a deputada Andréa Werner (PSB).

O caso aconteceu no dia 23 de janeiro com a produtora de conteúdo Leonor Macedo, de 41 anos. 

Ela procurou a unidade da Pompeia do hospital, na Zona Oeste da capital, para implantar um DIU, quando foi informada pela médica que eles não fazem o procedimento por se tratar de uma instituição religiosa. “Fiquei em choque, imagina, nunca tinha passado pela minha cabeça que em 2024 isso poderia acontecer e que as coisas ainda eram tão atrasadas assim”, afirmou. 

Em nota a rede São Camilo informou que “em todas as unidades a diretriz é não realizar procedimentos contraceptivos em homens ou mulheres, exceto em casos de risco à saúde, em alinhamento ao que é preconizado às instituições confessionais católicas”. 

Recusa do hospital 

A paciente Leonor informou que foi novamente procurada pelo hospital, que disse que não colocam DIU nem fazem vasectomia. Também teriam dito que o DIU, é “quase um aborto de um ser vivo”, e que o procedimento só é feito em casos graves, mas não como método contraceptivo. 

De acordo com o MPSP, “a prática noticiada pode afrontar dispositivos constitucionais e legais e, por isso, é necessária a investigação dos fatos pelo Ministério Público. Nos termos do art. 226, § 7º, da Constituição Federal, o planejamento familiar decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, e o Estado deve proporcionar os recursos educacionais e científicos para o exercício do direito ao planejamento familiar, sem qualquer forma de coerção”. 

O órgão argumenta também que a negativa de realização de procedimentos contraceptivos “pode representar ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e pode acentuar indevidas exclusões sociais, na medida em que não assegura o direito à saúde e ao planejamento familiar”.

Dentre os pedidos, o MPSP deu 15 dias para a Sociedade Beneficente São Camilo se manifestar sobre a investigação. A órgão pediu que a rede esclareça se a recusa a procedimentos contraceptivos é também aos pacientes que buscam a rede pelo SUS e aos clientes do plano de saúde São Camilo. 

O dispositivo intrauterino (DIU) é um dos métodos contraceptivos disponíveis de graça no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com eficácia superior a 99%.

O Hospital São Camilo foi inaugurado em 1960 por religiosos camilianos que haviam criado, em 1935, a Policlínica São Camilo. 

O Brasil é um país laico e, desde janeiro de 1890, é proibida por lei a intervenção da autoridade federal e dos estados em matéria religiosa, consagrando a plena liberdade de cultos. 

Mas afinal, uma rede hospitalar pode recusar esse tipo de atendimento por viés religioso? 

De acordo com a advogada Juliana Valente, especialista em violência de gênero, segundo o artigo 199 da Constituição Federal, a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, e essas instituições funcionam de forma complementar ao SUS. 

Ou seja, as instituições privadas são uma extensão do atendimento público aos pacientes. 

Segundo a Lei Orgânica de Saúde, quando existir uma insuficiência dos serviços públicos, ele pode ser disponibilizado pela iniciativa privada. 

“Em verdade, entendendo que o estado é laico e a instituição privada de saúde deverá ser complementar ao SUS, seguindo a Constituição, essa determinação é um absurdo”, afirma a advogada. 

Ainda de acordo com a lei, os serviços públicos e privados de saúde, sejam ele contratados ou conveniados, dentre seus princípios, devem: 

  • Obedecer à universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
  • e oferecer igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.

Pelo entendimento de Valente, ao se recusar a oferecer um serviço, a instituição pode estar ferindo a lei. 

“Se eles são obrigados a complementar o SUS, e o Estado é laico, eles não podem recusar com fundamentação religiosa”, completa. 

Mas as interpretações do caso não são unânimes. Conforme o entendimento do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), os hospitais particulares não têm a obrigatoriedade de realizar procedimentos contraceptivos como a implantação de DIU. 

“A realização deste procedimento depende do protocolo de cada instituição. Além disso, este é um procedimento que pode ser realizado em consultório médico, de modo que nem todos os planos de saúde cobrem sua inserção e internação em hospitais.” 

Juliana Hasse, presidente da Comissão de Direito Médico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), também entende que o hospital pode se recusar a fazer o procedimento. 

“Essa prática é comumente baseada em princípios éticos e morais associados à religião da instituição. É importante notar que, mesmo em locais onde hospitais religiosos podem se recusar a realizar procedimentos contraceptivos, geralmente existem outras opções de saúde disponíveis onde esses serviços podem ser obtidos.” 

“Ainda sobre tal tema, em situações que não envolvem risco imediato à vida da paciente, como em emergências, um hospital privado tem a liberdade de aderir a princípios religiosos. Assim, no contexto de tais crenças, a contracepção pode ser vista como contrária à preservação da vida”, completa.

Do ponto de vista do direito do consumidor, o Procon informou que, “sob o aspecto do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor não é obrigado a prestar todo tipo de serviço, a menos que ele integre um plano que ofereça este atendimento para seus conveniados. E isto precisa estar claramente explicado no contrato entre a operadora e o usuário”. 

A Bancada Feminista do Psol entrou com uma representação no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra o hospital. 

“O mandato coletivo argumenta que a negativa do Hospital é ilegal, pois infringe a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde, as quais estabelecem que serviços públicos ou privados de saúde devem obedecer à universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, bem como oferecer igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”. 

O que diz a ANS

Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que “a legislação não permite à ANS a regulação dos hospitais”, mas esclarece que as operadoras de planos de saúde são “obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, respeitando-se os casos de Diretrizes de Utilização (DUT), carências e Cobertura Parcial Temporária (CPT), quando houver, de acordo com a segmentação assistencial, área geográfica de abrangência e área de atuação do produto, dentro dos prazos definidos pela ANS”.


Especificamente sobre planejamento familiar, a ANS diz que esses procedimentos têm “cobertura obrigatória pelos planos de saúde, conforme art. 35-c, III da Lei 9656/98 e sua regulamentação encontra-se prevista na Lei 9263/96. Dessa forma, destacamos que estão contemplados no Rol, por exemplo, procedimentos como: 

  • – Cirurgia de esterilização masculina (vasectomia) (conforme regras estabelecidas na DUT nº 12 – anexo II da RN nº 465/2021) 
  • – Cirurgia de esterilização feminina (laqueadura tubária/ laqueadura tubária laparoscópica) (conforme regras estabelecidas na DUT nº 11 – anexo II da RN nº 465/2021) 
  • – Implante de dispositivo/sistema intrauterino (DIU/SIU) hormonal – inclui o dispositivo 
  • – Implante de dispositivo intra-uterino (DIU) não hormonal – inclui o dispositivo 

Para garantir a assistência oferecida nos planos contratados, as operadoras devem formar uma rede de prestadores, seja própria ou contratada, compatível com a demanda e com a área de abrangência do plano. Dessa forma, a rede prestadora deve ser capaz de atender à demanda dos beneficiários nos prazos regulamentares, respeitando o que foi contratado, sendo imputada à operadora a responsabilidade por falhas na formação desta rede. 

Eventual prática em desacordo por parte da operadora pode ser considerada negativa de atendimento, levando à abertura de processo administrativo sancionador contra a operadora, que poderá, conforme a legislação vigente, resultar na possibilidade de aplicação de multa.

A operadora também poderá ter a comercialização de planos suspensa temporariamente em decorrência de reclamações registradas nos canais de atendimento da Agência sobre a falta ou demora de cobertura”.

Com informações do g1

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