– Você sabia que o marido pode adotar ou misturar o sobrenome da esposa?
Maria José Rocha Lima
Durante a celebração do casamento civil de Lucas Vicente Rocha Lima de Lucena com Mônica Alves Vieira, os amigos reunidos tiveram uma enorme surpresa. Lucas, ao casar-se com Mônica, incorporou o sobrenome Vieira ao seu nome, uma prática que até bem pouco tempo era obrigatória às mulheres.
Qual foi a nossa surpresa quando outra família de amigos, Agnaldo e Renir Vital, nos informaram que também o seu genro Felipe incorporou o sobrenome da família Vital, da sua noiva Jamila Vital. Assim, as duas famílias dos casais Lucas e Mônica e Felipe e Jamila foram homenageadas igualmente. Ao misturar os sobrenomes, você tem um pouco dos dois. É também como uma fusão de almas e de vidas, fruto da união, do casamento. Assim vimos que a fortíssima amizade de infância de Lucas Vicente e Lucas Vital não aconteceu por acaso, porque vem de famílias que lutam pela preservação dos valores da família, valorizam um certo código relativo à amorosidade, ao desejo de união e igualdade entre os cônjuges e entre as famílias.
A adoção do sobrenome é considerada um ato romântico, a transmissão do nome guarda em seu seio desejos, sonhos, pretenso sucesso, prosperidade, como profetizou Agnaldo Vital.
Um pioneiro do ”meshing”, muito antes da tendência ganhar fama mundial, foi o cantor e compositor John Lennon. Ao se casar com Yoko Ono, ele passou a assinar John Ono Lennon.
Essa prática vem se tornando moda entre celebridades, nos últimos anos. Mais recentemente a apresentadora de TV Dawn Porter se tornou Dawn O’Porter ao se casar com o humorista Chris O’Dowd, entre outros.
A historiadora Tessa Dunlop encara a nova tendência como sendo um ”reequilíbrio tardio”. Para ela, o homem deixa de impor seu sobrenome sobre o da mulher. “Um homem assumir o sobrenome de sua mulher é ainda mais raro do que fundir os sobrenomes. A tendência de ”meshing” teria começado nos Estados Unidos, há seis anos, e já conta até com famosos adeptos. O ator Aaron Johnson se tornou Aaron Taylor Johnson ao se casar com a artista visual Sam Taylor Wood, que agora é Sam Taylor Johnson.
Embora incorporar o sobrenome do marido seja coisa do passado, a nova prática não vem sendo valorizada pelos movimentos feministas. Segundo alguns estudos, as mulheres não vêm a opção da mudança ou não do nome, para incluir o sobrenome do marido, como um dos direitos mais importantes conquistados pelas mulheres.
Uma pesquisa realizada em países de língua inglesa mostra que a origem e significado dessa tradição é a apresentação de noiva (ou noivo) à sociedade como parte da família que leva aquele sobrenome, é uma filiação da mulher à nova família. A tradição cultural é muito poderosa na maioria dos países de língua inglesa, embora o conceito de “possuir” esposas tenha sido abandonado há mais de um século na Grã-Bretanha. A inclusão do sobrenome do marido parece prevalecer. Nos EUA, a maioria das mulheres adota o sobrenome do marido ao casar — cerca de 70%, de acordo com uma das maiores pesquisas recentes. Para as mulheres britânicas, o número é de quase 90%, de acordo com uma pesquisa de 2016, com cerca de 85% das mulheres entre 18 e 30 anos adotando a prática. Apesar de as definições de feminismo variarem, 68% das mulheres com menos de 30 anos se descrevem como feministas nos Estados Unidos e cerca de 60% no Reino Unido.
“É surpreendente [tantas mulheres adotarem o nome de homem], já que isso vem da história patriarcal, da ideia de que uma mulher, com o casamento, passou a ser um bem do homem”, observa Simon Duncan, professor da Universidade de Bradford, Reino Unido, que vem pesquisando especificamente a adoção de sobrenomes dos homens.
Também no Brasil, surpreende que a prática cultural de somente a mulher adotar o sobrenome do marido permaneça. Durante a vigência do Código Civil de 1916, o acréscimo de um sobrenome do cônjuge era obrigatório para as esposas, e tão somente para elas. Com a criação da Lei 4.121/62, que dispunha sobre a situação jurídica da mulher casada, tornou-se facultativo, mas essa informação foi pouquíssimo difundida.
Em 1988, a Constituição Federal equiparou homens e mulheres em direitos e deveres, dando nova interpretação ao disposto no Código Civil de 1916, no que tange à adoção do sobrenome, passando a ser permitido a ambos os nubentes adotar os nomes de família um do outro. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foi estabelecida a equiparação constitucional, passando a prever que homens e mulheres assumam, mutuamente, a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família, prevendo, ainda, que qualquer um dos nubentes, se assim o desejar, poderá acrescer o sobrenome do outro.
Viva os jovens vanguardistas brasileiros Lucas Vicente Vieira e Felipe Vital, igualdade na união e no sobrenome!
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 – 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Filiada ao Club Soroptimist International SI Brasília Sudoeste.