Ele foi aprovado de ‘primeira’ pelo PAS; mãe enfermeira foi uma ‘inspiração’. Estudante de 18 anos fez curso para alunos carentes, mantido por doações.
Um estudante de 18 anos do Distrito Federal foi aprovado em medicina na Universidade de Brasília (UnB), logo na primeira tentativa, após rejeitar uma bolsa integral de estudos em um colégio particular por “preferir o ensino público”. David da Silva Nunes, que acabou de concluir o ensino médio, conquistou a vaga pelo Processo de Avaliação Seriada (PAS). O resultado foi divulgado na última sexta-feira (8).
Instituído pelo ex-reitor da UnB e atual senador Cristovam Buarque (PDT), o PAS é um processo de avaliação composto de três provas, aplicadas ao fim de cada ano do Ensino Médio. As notas são somadas, e os candidatos com melhor classificação garantem vagas na UnB sem precisar do vestibular tradicional. Segundo dados divulgados nesta segunda (12) pelo Ministério da Educação, o curso de medicina da UnB tem a quarta maior nota de corte do país na edição mais recente do Sisu.
O jovem diz que seguia uma rotina extensa e cansativa. Acordava todo os dias às 5h30, pegava o ônibus lotado às 6h e ia para o colégio. As aulas eram de 7h às 12h. Depois, o estudante ia para o curso de francês e inglês, onde permanecia até às 16h40. De 18h15 às 22h, o jovem participava do GALT.
“Chegava em casa por volta de 23h15. Depois ia jantar, fazia deveres e trabalhos da escola e dormir, para recomeçar a rotina no dia seguinte. Foi cansativo. Porém, valeu a pena estudar mais de cinco horas por dia e até na madrugada. Deixei de cursar alemão, sair para festas e fazer ginástica. Minha vida social era bem privada, só ia para a igreja”, conta.
A paixão pela medicina surgiu desde pequeno, diz Nunes. Para o menino, a profissão poderá ajudar pessoas que não têm condições financeiras de pagar uma saúde de qualidade. “Como médico, eu posso fazer a diferença e deixar minha marca no mundo, sendo um profissional que atenda às necessidades da sociedade. Minha mãe, que é técnica de enfermagem, foi quem me inspirou.”
Ensino público
David também conta que chegou a rejeitar uma bolsa integral de estudos em um colégio particular de Taguatinga. Segundo ele, caso aceitasse a vaga, as aulas de inglês e francês poderiam ser perdidas, já que são cedidas pelo Centro Interescolar de Línguas (CIL), disponível apenas para estudantes de rede pública.
“A educação pública do país precisa ser reestruturada. Temos ótimos professores que realmente fazem a diferença, mas temos aqueles que estão cansados e desestimulados. As estruturas das escolas também deixam a desejar. Esses problemas desencorajam muitos alunos que poderiam dar excelentes frutos.”
Nunes também conta que a greve de professores da rede pública no fim do ano passado, que durou 29 dias, atrapalhou drasticamente a rotina dos estudos. “A greve atrapalhou muito e ficamos com falta de alguns conteúdos. Mas o cursinho Galt continuou ativo durante a greve e supriu minha carência dessas aulas. Os professores precisam ser valorizados e respeitados, e a educação tratada com seriedade, pois é o único meio efetivo de mudança para o nosso país.”
Fundador do GALT e “padrinho” de Nunes, Rubenilson Cerqueira, de 26 anos, ressalta o futuro médico foi um grande exemplo de força de vontade e superação. O estudante, segundo Cerqueira, enfrentou os problemas ocasionados da greve nas escolas públicas e se dedicou ao triplo para poder alcançar a vaga em medicina.
“Ele estudou no Galt durante todo o ano de 2015. Eu o acompanhei e dei algumas orientações neste processo, além de montar grade horária pra ele estudar em casa. No Galt temos uma proximidade muito grande dos alunos para que eles não desistam e continuem seguindo com seus sonhos”, diz.
Aprovação
O estudante, que pretende se especializar no tratamento de câncer infantil, diz que seu maior sonho é atingir a excelência na medicina. Aprovado “de primeira” no curso, Nunes não acreditou quando leu seu nome na lista dos aprovados da UnB. Segundo ele, a sensação foi “surreal” e de “alívio”.
“Fiquei surpreso, conferi letra por letra e voltei no painel várias vezes pra confirmar se era eu mesmo. Foi tudo muito surreal e é um alívio conseguir ser aprovado, e ver seus amigos que lutaram junto contigo sendo aprovados também. Foi um sentimento de dever cumprido. Não vi minha colocação ainda, mas foi por cotas”, explica.
Para a técnica em enfermagem Soraya Gomes da Silva, de 41 anos, Nunes sempre foi um filho e aluno exemplar. Ela diz que não ficou surpresa com a aprovação. “Eu já sabia. Mesmo assim, fiquei muito feliz, ria e chorava ao mesmo tempo. Minha preocupação foi por ele ter estado sobrecarregado com tantas obrigações, e por isso tive um friozinho na barriga, mas Deus cuidou dele, sou uma mãe agradecida.”
A conquista, segundo Nunes, é atribuida pelo esforço e foco que teve durante o ensino médio. O estudante também acredita que para ser aprovado em um curso de universidade federal, o aluno precisa ter persistência e coragem.
“Muitas vezes você se vê esgotado e com vontade de desistir de tudo, mas sendo persistente você chega lá. É muito gratificante, entende? Mas além de tudo isso, ter apoio é essencial. Da família, amigos e dos professores. Isso me ajudou muito.”