*Nelson Valente
Mas não tenho a menor afeição por José Luiz Datena e nem motivação de ser, a ele, leal. Mas é um excelente profissional do rádio/jornalismo.
“Ao falso, prefiro o genuíno, ainda que áspero.
Ao polido, o exato.
Ao fosco, a crua luz do Sol.”
(*) Jânio da Silva Quadros
Datena não apresenta os fatos como os jornalistas fazem: ele manda que o público veja exatamente o que ele vê. Em famoso pensamento de Peirce, temos o entendimento de que o pensamento não está em nós, nós é que estamos em pensamento. Não reagimos mecanicamente às situações, de forma sempre igual. Estamos sempre em movimento, criando novos signos, aprendendo.
Durante a apresentação do programa, em vários momentos Datena se altera e grita com colegas da produção e auxiliares que não aparecem na tela, manifestando a sua indignação. Mistura o seu mau humor com cobranças aos governantes e políticos e os xingamentos aos “bandidos”. Pede para falar mais baixo, reclama da exigência com relação ao seu posicionamento diante das câmeras (ao se deslocar de um lado para o outro no estúdio ele deve parar sob um ponto de luz), reclama da aparência estética exigida, dos auxiliares que o telespectador não vê etc. Contudo, o programa deixa transparecer também, uma outra realidade: a falta de uma justiça mais equitativa.
As diferenças de tratamento que os “privilegiados” e os “pobres” recebem, por parte da polícia, na aplicação da lei e a falência do Poder Judiciário.
A mídia sensacionalista expõe a desgraça alheia, onde programas e jornais divulgam a violência, revelam bandidos e o erro dos outros em troca de audiência.
O gênero, no seu estilo e forma, tende a explorar o extraordinário, o anormal, o fait divers, utilizando-se da linguagem do espetáculo e imagens chocantes que prendem a atenção do público. Esta procura veicular assuntos que abordam violência, miséria, acidentes trágicos, assassinatos. Além de falar mal dos acusados, usando expressões como “vagabundo”, “safado”, “sem-vergonha” “bandido”, etc., dentro das matérias abordadas faz-se uso da linguagem sensacionalista, com intenção de obter a total atenção dos telespectadores e consequentemente ampliar a audiência.
As principais regras do modo sensacionalista são o exagero; a valorização da emoção em detrimento da informação; exploração do extraordinário ou vulgar; destaque de elementos insignificantes; produção discursiva trágica, erótica, violenta, ridícula, grotesca ou fantástica, entre outras. A narrativa sensacionalista transporta o leitor; é como se ele estivesse junto ao assassino, ao sequestrador, sentindo as mesmas emoções.
No telejornal sensacionalista a forma de ancoragem é diferente do formato padrão. Ao invés de ficar sentado, o apresentador fica em pé no estúdio, tendo atrás de si o cenário formado por monitores de TV por onde ele acompanha a exibição de imagens. Ali ele é uma espécie de ‘mestre de cerimônia’ que dá ordens, gesticula com as mãos, abusa das expressões faciais, movimenta-se com liberdade pelo estúdio, pode aproximar-se, afastar-se ou dar as costas para as câmeras, produzindo efeitos diferenciados e principalmente fazendo seus julgamentos.
Se a imprensa brasileira quisesse ser sensacionalista seria a melhor imprensa sensacionalista do mundo – classe política quase dizimada por José Luiz Datena – programa ‘Manhã Bandeirantes’ – Rádio Bandeirantes/SP.
Embora o discurso jornalístico pretenda descrever o real, não existe neutralidade na informação, que passa pela óptica do relator. O ponto de partida é compreender que, na mídia, o fato relatado é uma versão do fato observado e também um recorte da frágil e distorcida realidade.
Por outro lado, a fragilidade da notícia pode ocorrer também por determinação da linha editorial da empresa jornalística ou por deficiência na formação do jornalista, que não consegue articular o processo de produção da notícia e suas implicações no cenário político nacional ou internacional. A fragmentação da informação termina, então, por comprometer a notícia, dificultando a compreensão e a percepção crítica dos leitores, ou melhor, da opinião pública.
Quando Datena deixa de seguir as formalidades do programa ele poderia estar dizendo que toda a seriedade mostrada no formato e nos apresentadores do telejornal de qualidade, não passa de uma farsa. É a ironização do próprio jornalismo que pretende ser objetivo, informativo, sério, quando na verdade não passa de pura aparência.
Sherlock Holmes será comparado ao jornalista Datena na relação que há entre o método de investigação do detetive. Para Sherlock Holmes, fenômeno é o crime. Com a aparição do fenômeno ou do crime, dar-se-á início a aplicação da lógica investigativa. Para Holmes, é um erro teorizar antes de ter todos os indícios; esta ação prejudicaria o raciocínio.
Para a lógica que preside a invenção de hipóteses imaginativas Peirce deu o nome de abdução.
Peirce fala em três tipos de raciocínio: a dedução, a indução e a abdução. O raciocínio dedutivo “prova, que algo DEVE SER, a indução mostra que alguma coisa É realmente operativa; a abdução sugere simplesmente que alguma coisa PODE SER.” A abdução busca gerar uma regra, uma hipótese explicativa, por isso mesmo, envolve sempre um ato de interpretação.
O próprio Peirce pode ser lembrado como exemplo de abdução. Quando jovem, abduziu que havia algo em comum nos fenômenos todos que estudava nas mais diferentes áreas. A hipótese que levantou foi comprovada após décadas de estudos.
Enquanto apresentava o “Brasil Urgente”, José Luiz Datena, detonou os críticos que no passado o chamaram de sensacionalista.
“Quando eu comecei a fazer programa de polícia, muito a contragosto, lá na Record, eu disse: ‘Primeiro, os caras vão tomar conta das ruas e depois vão entrar na sua casa e te matar’. Na época, os caras me chamaram de sensacionalista. Eu queria perguntar a esses babacas que diziam que eu era sensacionalista qual é a situação que vivemos hoje?”, questionou.
“Porque eu posso não ser o cara mais inteligente do mundo, mas burro totalmente, eu não sou. Só de observar eu sabia o que ia acontecer”, argumentou. A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de “idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos!
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. “Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação”.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
Agora, no entanto, parece que há uma crise na ciência do comportamento nas escolas brasileiras – chegam notícias de uma violência inaudita contra professores em sala de aula ou fora dela, sobretudo as de ensino médio.
O detetive ficcional é o personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes, e tem o objetivo inicial de identificar a lógica de um detetive que faz leitura dos signos para desvendar mistérios.
Conan Doyle não contempla o leitor com os mesmos dados que o detetive possui. Estes são revelados apenas no final e como se fossem apenas trivialidades quando, na verdade são determinantes para a resolução do caso.
Datena costuma repreender produtores, editores e técnicos por qualquer erro surgido no jornal. Faz isso ao vivo, em cadeia nacional, reforçando o axioma de que as informações e imagens materializam-se no instante mágico em que um apresentador põe o rosto na tela. Com um grito e um gesto firmes ele supostamente conserta qualquer erro. Essas intervenções ganham um reforço mais espetacular com o uso de uma música dramática acompanhando todas as entradas do apresentador.
O caso é único na história: a criatura Holmes engoliu o criador Doyle. Enfim: José Luiz Datena – O Luis XIV tropical – Sherlock Holmes tomou posse do jornalismo brasileiro.
*Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor