Maria José Rocha Lima[1]
O Adro do Senhor do Bonfim ficou menos rico: João Medina partiu para sempre. Joãozinho, o amigo da minha infância, no Adro do Senhor do Bonfim, que conservo vivíssimo na memória, pelo exemplo de simplicidade e humildade. Como pode uma criança lembrar-se de outra criança pelo exemplo de simplicidade, humildade? Acredito que ele marcou tão profundamente porque abundavam nele as virtudes e as suas práticas de justiça, de imparcialidade, de humildade, de generosidade, amor e gratidão.
Joãozinho tratava a todos com perfeita imparcialidade e benevolência. Os seus pais, Seu João e Dona Helena, eram pessoas muito boas, mas como pode ele internalizar tanta generosidade?
Ele deixará um vazio incontornável na loja de artigos religiosos que o seu pai fundara há muitos anos. A loja que, nas noites quentes de verão, iluminava a calçada onde brincávamos em frente à loja de santos. Depois que o seu pai se aposentou e faleceu, Joãozinho assumiu a loja de Santos, como nós, crianças, chamávamos a loja de artigos religiosos.
Ele não gostava de viajar. Depois de muitos anos que não nos víamos, o recebi na nossa casa, aliás, ele preferiu ficar na chácara, e se confirmavam as suas francas virtudes e singeleza. Trouxe-me de presente artigos religiosos que guardo comigo: rolos das fitas milagrosas do Senhor do Bonfim, coisas com que eu sonhara possivelmente na infância.
Numa visita que lhe fizemos, eu e minha mãe, lá no Bonfim, em junho 2022, ele, que já se hospedara em grandes hotéis, disse-me:
– Maria, a melhor hospedagem que já tive foi na sua casa. Aqueles dias, na sua casa, foram os melhores da minha vida!
E não pensem que era para agradar, não. É que o que João mais prezava eram as amizades.
Durante a visita, lembrei-me de um episódio, na infância, no qual ele gritara Gol do Bahia!!! Estava sentado à mesa, com um radinho de pilha, durante uma refeição que era precedida do terço. E o seu pai o repreendera com firmeza. Então ele contara a mim e a mainha que o Sr. João Medina, seu pai, lhe dissera, quando tinha 6 anos, que Joãozinho seria padre e ele respondeu:
– Meu pai, eu vou ser Bahia!
Há alguns anos, jantávamos num restaurante de Salvador e eu presenciei o pleito dele junto à sua irmã Teresinha Medina:
– Teresa, eu vou levar Badu para passar o Natal com a gente! E diante de alguma resistência ele advogou: -Badu é nosso irmão.
Só para termos uma ideia: Badu é um morador de rua.que ele protegia e com mais gosto ainda, porque, além de irmão em Cristo, o rapaz era torcedor do Bahia.
Assim era João Medina, nosso Joaõzinho. A gente até esquecia que era um economista, gerente da loja de artigos religiosos, de família abastada, porque o que saltava nele era a sua autenticidade, simplicidade, humildade, generosidade e a pureza de um coração de criança.
Para entrar no Reino dos Céus precisamos resgatar a simplicidade, a humildade e a pureza e viver esses valores encontrados nas crianças e no meu amado e inesquecível João Medina.
[1]Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia e doutora em Psicanálise. Foi Deputada de 1991 a 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise-ABEPP-. Soroptimist International SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança- Bahia.
Um belo texto. Falar de um amigo que terminou sua missão e partiu em retorno às esferas espirituais. Falar de um amigo, no momento da perda e no momento em que povoa as mais ternas lembranças. Um misto de satisfação das lembranças e tristeza pela saudade que certamente há de vir.
Parabéns Zezé pela homenagem, meus sentimentos pela perda.
A simplicidade e humildade são méritos que só só puros de coração possuem e a amizade valores atribuído a poucos que tem. Grande figura e merecedor desta grande amizade atraves desse grande relato. Parabéns por está amizade grandiosa.