Maria José Rocha Lima*
Esses dias, fui procurada pelo amigo Vital Didonet para conseguir mais uma vez a concessão de imagem de uma das obras de Portinari, junto ao seu filho João Cândido Portinari, para ilustrar a capa do Segundo Plano Nacional pela Primeira Infância. E Candinho respondeu:
– Cara Zezé, a sinergia entre Portinari e as crianças é muito maior do que geralmente se pensa, sobretudo quando vêm a mente obras dramáticas como Os Retirantes etc. Mas a vertente lírica de sua obra, particularmente a infância, é tão pervasiva e poderosa quanto o drama. Subestima-se também a aptidão que as crianças têm naturalmente para compreendê-lo e amá-lo. Veja este filmezinho que demonstra isto: (vídeo que acompanha o texto).
João Cândido Portinari é o filho único do pintor Cândido Portinari, um dos maiores nomes do modernismo brasileiro, que o deixou como herdeiro dos seus direitos autorais. É uma vasta obra, que chega perto de cinco mil trabalhos, entre desenhos, pinturas e murais. Além disso, João Candido recebeu do pai uma coleção especialmente selecionada para ele. Quanto acertada foi a decisão de Portinari, ofertando carinhosamente ao seu filho essa coleção especial!
Embora João Cândido seja matemático com doutorado em engenharia de telecomunicações, mais parece um poeta ao se comunicar. Ele é lírico, uma pessoa de extrema gentileza, disponibilidade e franqueza, sem nenhuma afetação pela fama internacional de Portinari, dirigindo há 41 anos o projeto que leva o nome do pintor.
Em 1979, nasceu o Projeto Portinari. Seu diretor, João Candido, dirigindo-se ao pai em carta póstuma, declara: “[…] é como brasileiro que me sinto no dever de trabalhar para que todos possamos nos reencontrar com tua obra e, através dela, com nós mesmos”.
João Cândido tem uma compreensão tão profunda e terna sobre a arte do seu pai para a educação que é sempre importante e emocionante conversar com ele. O Projeto Portinari é responsável pela localização e disponibilização desse patrimônio artístico para o público. Em 2003, Candinho disse, numa entrevista publicada pela Revista Isto É, que quando jovem “achava chatíssimo. Como lamentei mais tarde não ter aproveitado aquilo”. E revelou que somente aos 40 anos, em visita ao Museu Van Gogh, na Holanda, teve a ideia de criar o Projeto Portinari, cujo objetivo é divulgar a obra do pintor, e percorreu mais de 20 países catalogando as obras do pai.
Em 2001, conheci João Cândido e fiquei encantada com o seu lirismo e compreensão sobre o papel da arte e da obra do seu pai para a educação. Na época, ele doou à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados –CECD – uma coleção de obras, que foi exposta em salas de aula no Projeto de Alfabetização Volta aos Estudos, para Alfabetização de Funcionários das Empresas Terceirizadas, que atuavam na Câmara dos Deputados.
Para comemorar o Centenário de Portinari, eu, como assessora na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, elaborei projeto de resolução que tornava obrigatória a publicação de suas obras, na capa das pastas distribuídas aos deputados, contendo as matérias em pauta. E cada deputado da comissão recebeu uma coleção, com reproduções em papel couché, de pinturas que retratavam crianças ou temas infantis, além de outras reproduções. A ex-deputada e atual vereadora de Sorocaba Iara Bernardi recentemente me contou que emoldurou todas as obras que recebeu e compôs um painel na parede de sua casa.
Em 2006, ele doou uma imagem para ilustrar a primeira publicação sobre o Fundeb, realizada pelo INEP/MEC, da minha autoria em parceria com Vital Didonet.
Nesse período, viajei a Angola para elaborar o Programa de Alfabetização Angola Bem Alfabetizada e me deparei com muitas pinturas de Portinari, retratando crianças e trabalhadores, e resolvi apresentar a sua obra aos 200 professores alfabetizadores, sendo tão apreciada que resolvi realizar uma exposição no saguão do Ministério de Educação de Angola, com a assessoria do jornalista Adênio Carvalho. Em face das dificuldades do país, ele improvisou molduras com sacos de papel pardo e impressionou as autoridades angolanas, destacadamente o ministro da Educação.
Em 2015, outra vez recorri a João Cândido para solicitar concessão de uma imagem para ilustrar o I Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Distrito Federal – PDASE, do qual fui Coordenadora Executiva, e ele gentilmente o cedeu. Eu escolhi a obra Menino Pulando Carniça, e João Cândido revelou que via naquela obra o desejo ardente do seu pai de um salto para um mundo no qual todas as crianças possam brincar e aprender.
Candinho não podia ser diferente, tendo um pai como Portinari, “severo e exigente, mas de uma ternura muito grande. Me lembro da mão dele na minha testa quando eu ficava doente. É uma lembrança muito forte, muito nítida. Eu não sabia ainda o tamanho daquela mão”, revelou.
Implantar o Projeto Portinari em escolas públicas pelo Brasil afora, mais que uma ambição, deveria ser um dever para com as crianças e jovens, promovendo a compreensão da identidade nacional e as estimulando na busca das suas singularizações e alcance da dignidade humana.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada estadual da Bahia de 1991 a 1999. É psicanalista filiada à Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise.