(*) Nelson Valente
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 1896. Diplomou-se em
ciências naturais aos 21 anos, doutorando-se no ano seguinte. Interessou-se
pela psicologia, realizando estudos em Zurique e em Paris. Foi professor dessa
matéria nas Universidades de Neuchâtel, Lausanne e Genebra e de psicologia
genética na Sorbonne, de 1952 a 1963. Presidente da Comissão Suíça na
UNESCO, foi enviado em missão a Beirute, Paris, Florença e Rio de Janeiro. A
UNESCO confiou-lhe a elaboração da obra O direito à educação. Piaget
tornou-se membro do Conselho Executivo da instituição.
Piaget abordou o desenvolvimento da inteligência através do processo de
maturação biológica. Para ele, há duas formas de aprendizagem. A primeira,
mais ampla, equivale ao próprio desenvolvimento da inteligência. Este
desenvolvimento é um processo espontâneo e contínuo que inclui maturação,
experiência, transmissão social e desenvolvimento do equilíbrio. A segunda
forma de aprendizagem é limitada à aquisição de novas respostas a situações
específicas ou à aquisição de novas estruturas para algumas operações
mentais específicas.
O processo de aprendizagem envolve a assimilação e a acomodação. Na
medida em que participamos ativamente dos acontecimentos, assimilamos
mentalmente as informações sobre o ambiente físico e social e transformamos
o conhecimento adquirido em formas de agir sobre o meio. O conhecimento
assimilado para a constituir a bagagem de experiências que nos permite
enfrentar as novas situações, assimilar outras experiências e formular novas
ideias e conceitos.
As novas aprendizagens baseiam-se nas anteriores assim, a inteligência
humana desenvolve-se: aprendizagens simples servem de base a outras
aprendizagens mais complexas.
Quando transformamos o conhecimento assimilado em uma nova forma de
ação, realizamos uma acomodação entre o nosso organismo nos aspectos
físico e mental e o ambiente no qual vivemos.
Através de assimilações e acomodações constantes e contínuas, cada
indivíduo organiza sua noção da realidade, seu próprio conhecimento.
No processo de desenvolvimento, tal como é visto por Piaget, cada criança se
desenvolve através de estágios. O autor distingue três estágios fundamentais:
SENSORIMOTOR
Sensorimotor – que vai do nascimento aos 2 anos de idade. Neste estágio a
criança evolui de uma situação puramente reflexa até a diferenciação do
mundo exterior em relação a si própria.
OPERAÇÕES CONCRETAS
Operações concretas – estende-se dos 2 aos 11 anos de idade e subdivide-se
em pensamento pré-operacional (de 2 a 7 anos) e pensamento operacional
concreto. Consiste na preparação e na realização das operações concretas em
classes, relações e números.
OPERAÇÕES FORMAIS
Operações formais – de 11/12 até 14/15 anos. Período no qual o adolescente
ajusta-se à realidade completa de sua atualidade, mas também é capaz de
lidar com o mundo das possibilidades.
Os períodos ou estágios preconizados por Piaget não constituem divisões
arbitrárias do processo evolutivo. Cada um deles se reveste de características
mínimas que o define.
A teoria de aprendizagem de Jean Piaget alertou os educadores para o
respeito ao estágio de desenvolvimento do pensamento infantil, adequando as
atividades escolares às características evolutivas das crianças.
Piaget e a educação
O objetivo, aqui, é também apresentar ao leitor um Piaget bem mais
desconhecido, mas cujas contribuições não podem ser de maneira alguma
negligenciadas, num texto que se propõe a apontar a sua teoria como de
importância significativa para a compreensão do mundo moderno. Que essas
últimas linhas descrevam um pouco do Piaget educador.
Estágio sensório-motor (pré-verbal): dura, aproximadamente, os 18 primeiros
meses de vida. É neste estágio que o conhecimento prático é desenvolvido,
constituindo-se a subestrutura do conhecimento representativo ulterior. Por
exemplo, para um bebê, um objeto não tem permanência, ao desaparecer de
seu campo visual, não mais existe. A construção do objeto permanente vira
quando o bebê tentar achá-lo e encontrá-lo por sua localização espacial. Logo,
a construção do objeto permanente vem acompanhada da construção do
espaço prático ou sensório-motor, além da construção da sucessão temporal e
da causalidade sensório-motora elementar. Ou seja, será construída uma série
de estruturas que serão indispensáveis para o pensamento representativo do
próximo estágio.
– Estágio da representação pré-operacional (início da linguagem e da função
simbólica): desenvolve-se a capacidade de substituir o objeto pela sua
representação simbólica. Mas, as ações sensório-motoras não são
imediatamente transformadas em operações.
Estágio das operações concretas: ocorrem operações sobre os objetos
concretos e não sobre hipóteses expressadas verbalmente. ”Por exemplo, há
as operações de classificação, ordenamento, a construção da ideia de número,
operações espaciais e temporais e todas as operações fundamentais da lógica
elementar de classes e relações, da matemática elementar, da geometria
elementar e até da Didática elementar”.
Estágio das operações formais ou hipotético-dedutivas: cria-se a possibilidade
de raciocinar com hipóteses e não só com objetos. A criança tem a capacidade
de construir operações de lógica proposicional, e não simplesmente as
operações de classes, relações e números.
Para Piaget, a criança, ao se relacionar com outras crianças e com os adultos,
constrói o conhecimento das regras que organizam a convivência com o outro
e consigo mesma. O autor explica que a educação moral é fruto das relações
que os adultos estabelecem com as crianças, uma vez que os pequenos
nascem sem qualquer conhecimento sobre o certo e o errado. Todo ser
humano, até os seus 2 ou 3 anos, desconhece as regras morais e, por isso, o
autor chamou essa fase do desenvolvimento infantil, em relação ao
desenvolvimento moral, de anomia. Entretanto, ele explica que o processo da
gênese da moral se inicia com o sentimento de obrigação que a criança
desenvolve em relação aos mais velhos, especialmente aos seus pais e
professores, pois as crianças pequenas nutrem pelos mais velhos, pais e
professores, uma mistura de sentimentos: afeto e temor, a que o autor chama
de respeito e que para ele é o sentimento de ingresso da criança no mundo da
moralidade.
Portanto, a partir do sentimento de respeito (amor e temor) que a criança
pequena sente pelo adulto, ela inicia um processo de imitação das regras
recebidas dos outros e utilização individual desses exemplos recebidos, sendo
que a fase da anomia é substituída pela moral, que o autor denominou
heterônoma, porque dependente das regras e dos modelos dos mais velhos
que convivem com a criança. Esse momento se constitui na gênese da moral
na criança e pode ser também denominado de moral da obediência. O respeito
que a criança sente em relação ao adulto é exatamente o sentimento de
obrigação que a leva a obedecer às regras propostas pelos mais velhos, devido
à relação assimétrica que estabelece com eles, por isso, esse respeito é
chamado unilateral.
É preciso lembrar que o conteúdo básico da teoria psicogenética de Piaget é a
ação do sujeito que interage com os objetos, construindo, a partir dessas
ações, formas e/ou estruturas de inteligência que lhe permitem, cada vez mais,
adaptar-se ao mundo em que vive; o objeto do conhecimento, no que diz
respeito à educação e ao desenvolvimento moral, são as regras ou limites.
Mas, por se tratar de um conhecimento social, ou seja, aprendido a partir dos
exemplos e da orientação recebida dos mais velhos, pressupõe, então, o
trabalho educativo.
A questão é que esse trabalho nem sempre é bem realizado pelos adultos. Por
um lado, porque a maioria dos adultos nada conhece a respeito do
desenvolvimento moral infantil e, por outro lado, porque a maioria dos adultos
também é considerada heterônoma, ou seja, embora adultos, ainda
dependentes de estereótipos ou outros tipos de motivações externas para agir
de forma adequada. O sujeito obediente não é livre para pensar por si mesmo.
Não é autônomo.
Dessa forma, a grande novidade que a teoria piagetiana apresenta para os
estudos de educação moral diz respeito à moral autônoma. Para o autor, os
adultos, reconhecendo o seu papel na formação de personalidades autônomas,
deveriam preocupar-se em estabelecer com as crianças relações de respeito
mútuo, ou seja, um tipo de relação social que denominou cooperação, que, em
substituição às relações de coação, poderia conduzir à superação da
heteronomia (moral da obediência).
O Piaget desconhecido pela maioria das pessoas é, portanto, esse homem que
se interessou pela educação a partir de sua preocupação com os valores
éticos, o que o conduziu a pensar em uma educação da pessoa na sua
totalidade, considerando a educação da inteligência e da moral como objetivos
indissolúveis e que teriam por função a formação para a autonomia e para a
cidadania. O autor pensava que através das relações de cooperação, poder-se-
ia educar os povos para viverem em harmonia, compreendendo-se
mutuamente e resolvendo seus conflitos através da negação do absolutismo.
Em suas palavras:
A ideia que defendemos é bem mais concreta: trata-se apenas de criar em
cada pessoa um método de compreensão e de reciprocidade. Que cada um,
sem abandonar seu ponto de vista, e sem procurar suprimir suas crenças e
seus sentimentos, que fazem dele um homem de carne e osso, vinculado a
uma porção bem delimitada e bem viva do universo, aprenda a se situar no
conjunto dos outros homens. (Piaget, 1934, em “É possível uma educação para
a paz?”
Essas são as palavras do próprio autor, escolhidas para finalizar este texto.
Porque a ideia é que, se a expectativa de que este texto cumpra o seu papel de
apresentar a importância da Teoria Epistemológica Genética para a
compreensão do homem moderno não for atingida, ao menos, que as palavras
de Piaget provoquem a perplexidade. Que o convite do autor para a defesa de
uma educação que priorize compreensão e reciprocidade, fatores alcançáveis
levando-se em consideração a condição necessária, mas não suficiente do
raciocínio desperto, portanto, do desenvolvimento da inteligência, faça o leitor
querer conhecer mais sobre a Teoria da Epistemologia Genética de Jean
Piaget.
Estágio sensório-motor (pré-verbal): dura, aproximadamente, os 18 primeiros
meses de vida. É neste estágio que o conhecimento prático é desenvolvido,
constituindo-se a subestrutura do conhecimento representativo ulterior. Por
exemplo, para um bebê, um objeto não tem permanência, ao desaparecer de
seu campo visual, não mais existe. A construção do objeto permanente vira
quando o bebê tentar achá-lo e encontrá-lo por sua localização espacial. Logo,
a construção do objeto permanente vem acompanhada da construção do
espaço prático ou sensório-motor, além da construção da sucessão temporal e
da causalidade sensório-motora elementar. Ou seja, será construída uma série
de estruturas que serão indispensáveis para o pensamento representativo do
próximo estágio.
– Estágio da representação pré-operacional (início da linguagem e da função
simbólica): desenvolve-se a capacidade de substituir o objeto pela sua
representação simbólica. Mas, as ações sensório-motoras não são
imediatamente transformadas em operações.
Estágio das operações concretas: ocorrem operações sobre os objetos
concretos e não sobre hipóteses expressadas verbalmente. ”Por exemplo, há
as operações de classificação, ordenamento, a construção da ideia de número,
operações espaciais e temporais e todas as operações fundamentais da lógica
elementar de classes e relações, da matemática elementar, da geometria
elementar e até da Didática elementar”.
Estágio das operações formais ou hipotético-dedutivas: cria-se a possibilidade
de raciocinar com hipóteses e não só com objetos. A criança tem a capacidade
de construir operações de lógica proposicional, e não simplesmente as
operações de classes, relações e números.
Piaget explica agora como estes estágios são formados e quais são os fatores
que explicam o desenvolvimento de um conjunto de estruturas para outra. Ele
inicia citando quatro fatores principais: a maturação biológica, o papel da
experiência, a transmissão social e a equilibração ou autorregulação. O
primeiro alerta é achar que estes estágios são simplesmente reflexos de uma
maturação interna do sistema nervoso.
Um argumento utilizado pelo autor para fazer entender que a maturação, por si
só, não explica o desenvolvimento cognitivo, e o fato de crianças de mesma
idade, em sociedades diferentes, apresentarem o mesmo nível de maturação,
mas estarem em estágio diferentes. Ou, apresentarem níveis de maturação
diferentes, mas estarem no mesmo estágio. O que se observa é que, embora a
ordem dos quatro grandes estágios seja constante, em todas as sociedades
estudadas, a idade cronológica desses estágios varia bastante. Outro erro é
pensar ser a experiência a única responsável pelo desenvolvimento das
estruturas cognitivas. Piaget apresenta duas razões contrárias a esta
afirmativa. “A primeira razão é a de que alguns conceitos que aparecem no
início do estágio das operações concretas são tais que não posso ver como
poderiam ser formados a partir da experiência”. Para exemplificar, o autor cita a
conservação de substância em contraste com a não conservação do peso e do
volume.
Experimentos feitos demonstraram que crianças, até a faixa etária de oito anos,
ao manipularem uma bola de massa de modelar transformando-a e um formato
de salsicha, respondem afirmativamente, ao serem questionadas, que há
mesma quantidade de substância, mas não o mesmo peso ou volume. A
resposta esperada, numa visão empirista, é exatamente o contrário. Afinal,
nenhum experimento pode mostrar à criança que há a mesma quantidade de
substância. De acordo com Piaget:
Ela pode pesar a bola e isso levará a conservação do peso. Ela pode
mergulhar a bola na água e isso levará à conservação de volume. Mas a noção
de substância e atingida antes da de peso e de volume. Essa conservação de
substância é simplesmente uma necessidade lógica. Agora a criança
compreende que quando há uma transformação algo deve ser conservado pois
revertendo a transformação pode-se voltar ao ponto de partida e de novo ter a
bola. Ela sabe que algo é conservado, mas não sabe o quê. Ainda não é o
peso, nem o volume; é simplesmente a forma lógica – uma necessidade lógica.
Mas parece-me um exemplo de progresso no conhecimento, uma necessidade
lógica de algo a ser conservado ainda que a experiência não pode ter levado à
essa noção.
O problema da educação interessa-me extremamente, porque tenho a
impressão de que há muitíssimo que reformar e que transformar, mas penso
que o papel do psicólogo é, antes de mais nada, mostrar os fatos que o
pedagogo pode utilizar, e não se pôr em seu lugar para lhe dar conselhos.
Corresponde ao pedagogo ver como pode utilizar o que o psicólogo lhe
oferece.
O leitor percebeu que não fornecemos “receitas” ou “métodos milagrosos”,
apenas reflexões para que percebamos que, mesmo a prática docente sem
conhecimento epistemológico, é carregada de significado epistêmico. Ou seja,
quando desconhecemos o papel das epistemologias, isso não significa que
realizamos uma ação docente neutra. Temos, como professores, uma hipótese
epistemológica que nos guia em sala de aula e, na maioria das vezes, ela é
empirista. Receitas ou métodos para ensinar não existem. O nosso intuito é
que estas reflexões provoquem o desejo por mudanças no sistema de ensino,
afinal, não é possível acreditarmos que estamos formando cidadãos
participantes, democráticos, criativos, solidários, críticos, autônomos,
responsáveis e ativos, com um ensino respaldado em um adestramento
meramente cognitivo.
. Entende-se, portanto, que a formação do professor não se conclui ao final de
quatro ou cinco anos na universidade. A formação inicial deveria ser avaliada
como o primeiro passo rumo à formação contínua, mas, na maioria das vezes,
o processo de desenvolvimento do sujeito é interrompido após o término do
curso de graduação, não tendo este a continuidade de formação. Talvez essa
interrupção corrobore com as dificuldades, preocupações, incertezas, crenças
e inseguranças encontradas pelos professores durante seus primeiros anos de
sala de aula, refletindo na aprendizagem de seus alunos.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor