(*) Nelson Valente
Na intimidade, Jânio suportava conversar sobre a renúncia, assunto explosivo se provocado em público ou em ambiente com muitas pessoas. Um dia, aos próprios amigos, que insistiam em fazê-lo confessar algo mais do que a explicação que dava, respondeu com surpreendente calma:
– A verdade sobre a renúncia vocês já sabem. Se quiserem ingressar na ficção, conversem com o Vladimir Toledo Piza, que tem mais de dezoito versões. Escolham uma delas.
Passemos a analisá-los e submetê-los à crítica da razão.
Comecemos pelos que são mais absurdos, por absoluta falta de consistência:
1 – Jânio estava embriagado?
A conduta do ex-presidente durante as solenidades do dia do soldado e a altivez e postura com que passou em revista as tropas, zeram essa absurda possibilidade. Também sua firmeza irredutível em optar pela renúncia e a retidão gramatical da carta são incompatíveis com uma mente tomada pelo álcool.
2 – Porque Jânio tinha a mania de renunciar de cargos, ou de ameaçar fazê-lo, isto fez com que brotasse a ideia de que ele era sujeito a surtos esquizoides ou crises temperamentais. A meu ver, o que o “homem da vassoura” não tinha o menor apego ao poder.
Suas renúncias ou ameaças de renúncias anteriores sempre foram para valer.
Em relação ao que se passou no dia 25 de agosto, há que se ter em mente que, conquanto Jânio tivesse se mostrado irredutível quanto a renunciar, ele debateu essa questão com seus ministros e assessores, com total equilíbrio e lucidez. Se foi, de certa forma, vago, ao se referir genericamente as “forças terríveis”, o contexto das palavras que proferiu e o texto da missiva endereçada ao congresso, mostram, claramente, que a decisão resultou de uma longa reflexão e de um bem amadurecido pensamento. Impulsos temperamentais não ocorrem dessa maneira. Há também que se levar em conta que, ainda de madrugada, ele declarou sua intenção ao chefe da casa civil. Destemperamentos e surtos de natureza psiquiátrica não se sustentam por tanto tempo, nem permitem que a pessoa aja como Jânio agiu, durante as solenidades militares daquela manhã.
Afastadas, assim, as hipóteses absurdas, fiquemos com aquela que indica que Jânio Quadros planejou a renúncia, visando algo que pretendia alcançar, mas que não foi por ele admitido ou confessado.
Nelson – O senhor acredita na autoridade de Carlos Lacerda?
JÂNIO QUADROS:- “Ninguém nunca atribuiu a mim, diretamente, qualquer veleidade ditatorial. O sr. Carlos Lacerda fez acusações de madrugada, na calada da noite, enquanto eu dormia tranquilamente no Palácio”.
Nelson – O senhor não ouviu o pronunciamento dele?
JÂNIO QUADROS:- “Eu o li no dia seguinte nos jornais de Brasília. Tratava-se de uma vasta conspiração que me passara inteiramente ignorada. O Congresso transformou-se em Comissão Geral de Inquérito, figura inexistente no Direito Constitucional. Mesmo de madrugada essa Comissão já intimou o primeiro de meus ministros, e o intima para o dia seguinte e o intima sem o questionário a que devia responder, como a lei determinava. Ministro nenhum poderia ser questionado a não ser para responder um questionário previamente estabelecido. Ministro nenhum podia ser convocado com data certa! O Ministro é que escolhe a data”.
Nelson Isso foi na manhã do dia?
JÂNIO QUADROS:- “Foi na madrugada do dia 25 de agosto. Então havia o propósito nítido de me pôr de joelhos. Nítido! Não havia dúvida nenhuma, até por que se murmurava nos corredores da Casa que outros ministros se seguiriam e que minha própria esposa, presidente da Legião Brasileira de Assistência, seria também convocada, (pausa para todos perceberem a gravidade da situação). Reuni Oscar e os Ministros militares para lhes dizer: “Que me sugerem?” Eram oito e meia da manhã e eu ainda ia à cerimónia do Dia do Soldado. Fui, condecorei bandeiras, ouvi o hino, já estando de decisão tomada e declarada a todos eles”.
Corri bibliotecas, colhi depoimentos, li e reli centenas de revistas e jornais antigos e conversei muito com o próprio personagem. O ex-presidente sempre foi comigo por demais atencioso, relatou-me fatos que hoje tenho por obrigação passar através deste livro. Entrevistas e bilhetinhos revelam as várias facetas e o estigma da renúncia do político Jânio da Silva Quadros.
Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres. E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo (ex-governador do Estado de São Paulo). O objetivo deste artigo é demonstrar que a renúncia de Jânio da Silva Quadros foi um ato pessoal e suas entrevistas e seus bilhetinhos revelam o estigma e suas várias facetas na arte de renunciar.
O corumbaense Iturbides de Almeida Serra, colega de faculdade, foi eleito vereador em São Paulo em 1947 e não foi empossado. Com isso, o Jânio que tinha ficado na suplência assumiu o cargo. Com a cassação dos mandatos dos parlamentares do Partido Comunista Brasileiro – por determinação geral do então presidente Eurico Gaspar Dutra – ele assumiu uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, exercendo o mandato entre 1948 a 1951. Renunciando o cargo de Vereador, para assumir a cadeira na Asembleia Legistativa.
Jânio VEREADOR
Posse: 1º. de janeiro de 1948, renunciando ao mandato em 12 de março de 1951 (assumindo a cadeira de deputado estadual).
DEPUTADO ESTADUAL
Jânio, em 13 de março de 1951, assumiu a cadeira de deputado estadual da Assembleia Legislativa do Estado, renunciando ao mandato em 8 de abril de 1953
Jânio, PREFEITO DE SÃO PAULO
A posse de Jânio na Prefeitura da Capital paulista se deu a 8 de abril de 1953 e inaugurou um novo estilo de governo. Renunciando em 31 de março de 1955.
MANDATO DE GOVERNADOR
No dia 31 de janeiro de 1955, às 8 horas da manhã, o prefeito Jânio Quadros entregou a sua renúncia à Prefeitura de São Paulo, a fim de ser empossado no cargo de governador do Estado.
Jânio, QUASE CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (Juarez Távora)
No dia 3 de abril de 1955, sábado, cerca das 21 horas, grande massa popular se aglomerava defronte à sede do governo estadual. Jornalistas, fotógrafos, locutores aguardavam ansiosamente a decisão do governador Jânio Quadros: seria ou não candidato à Presidência. Este era o dia da decisão, pois o candidato deveria se desincompatibilizar do cargo para concorrer ao pleito em 3 de outubro de 1955.
Todos se agitavam. Alguns apostavam que ele seria candidato, outros não, pois estava há dois meses como governador e “cumpriria o mandato do primeiro ao último dia”. Finalmente, após longa espera, Jânio recebe a imprensa para seu pronunciamento, no qual deixou claro que, apesar de todas as garantias, segurança e êxito que lhe trouxeram em relação à campanha para a Presidência, ficava como governador do Estado de São Paulo, porque necessita promover a recuperação administrativa, econômica, financeira e moral de nossa terra e manteria fidelidade aos anseios paulistas. Permaneceria no ponto que o povo lhe havia confiado. Passou a apoiar Juarez Távora, que entrou na luta. Saiu derrotado da campanha, mas levou a melhor das impressões do governador Jânio Quadros.
Tentativa de deposição de Jânio Quadros do Governo do Estado de São Paulo
O general Olímpio Falconiére da Cunha tentou depor Jânio no governo do Estado de São Paulo no dia 11 de novembro e outras vezes depois disso. Nessa ocasião, outra pessoa que queria a deposição de Jânio era o senador Auro de Moura Andrade, que chegou a telefonar duas vezes a Nereu Ramos pedindo a intervenção em São Paulo. Falconiére foi contido por vários oficiais superiores, coronéis e generais. O senador Auro ficou muito decepcionado, como também os ademaristas. Mais tarde reaproximou-se de Jânio, seguindo-o por toda parte. Naquela época, todos os telefones estavam censurados no Rio e em São Paulo, ou seja, os telefones dos políticos mais importantes (Auro foi censurado por um deles). No Rio, foi Lott quem ordenou a censura telefônica. Jânio não se esqueceu, quando Auro andava ao seu lado, das gravações que ouviu das conversas do senador que pediu a intervenção. Tanto que não fugiu nem mugiu quando soube que este continuaria ministro da Guerra, com a posse de Kubitschek. Dizia a vários amigos que estava desgostoso, mas não passou disso.
Jânio DEPUTADO FEDERAL
Não deixou o governo paulista (acumulando o cargo de governador e deputado federal) – – em 31 de janeiro de 1959, para assumir a cadeira de deputado pelo Paraná, que conquistara em 3 de outubro do ano anterior, com o recorde estadual de 78.810 votos. Renunciando em 31 de janeiro de 1961, para assumir a Presidência da República.
Jânio: candidato a candidato à presidência pela UDN renúncia por duas vezes:
1ª Renúncia:
Durante a entrevista, por várias vezes, um dos secretários do ex-Governador aparecia para chamá-lo ao telefone. Ele sempre se negava, avisando que o procurassem no Comitê Estadual, instalado na Rua Consolação. Em seguida, era D. Eloá quem o chamava. Jânio Quadros demonstrava contrariedade e respondia:
“- Já lhe disse, meu bem, que você não ode levantar-se sob nenhuma hipótese. Ouviu bem o que o médico disse.”
“- Alguns jornais e mesmo boa parte dos políticos, afirmam que sua popularidade sofreu um arranhão com o episódio da renúncia. Quem esteve no Aeroporto Santos Dumont (Rio), na semana passada, e viu a relativa frieza com que foi recebido, comentou o fato dando-o como prova do que afirmam.”
“- A essa pergunta, costumo responder que já declarei várias vezes, que não preciso necessariamente ser candidato à Presidência. Sinto-me aos 42 anos, satisfeito comigo mesmo e não nego que a atividade política hoje me irrita e cansa, porque ela é a arte da permanente transigência. Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar a vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério, à família. Contudo, partidos políticos que me apoiam, governadores de vários Estados, e sobretudo o povo, ratificaram a confiança que em mim haviam depositado. Sem embargo do que afirma determinada imprensa, que timbra em conduzir-me de forma desrespeitosa e, parece, desejosa de transferir a luta sucessório do plano elevado em que me situo, para o das sarjetas, os apelos de trabalhadores – gente humilde e angustiada – chegaram a mim em número incontável. Um verdadeiro oceano de cartas e telegramas alcançou esta casa e a de alguns companheiros. Convencido, afinal, de que se impunha minha presença e de que não se pode chegar ao país e à causa democrática ainda os serviços mais pesados, revi aquela decisão.”
RENÚNCIA & PROVÍNCIA (2ª renúncia)
Esta foi a segunda renúncia de Jânio Quadros. A primeira esteve para consumar-se numa tarde de 1960. Em seu quarto de hotel, recebe a visita do senador Afonso Arinos, logo após ter dado violenta resposta à proclamação pacifista do Marechal Lott. O senador fora justamente para aconselhar-lhe mais prudência nesses pronunciamentos, a fim de não tornar irremediável a sua situação político-militar. O candidato levanta-se de supetão, apanha uma folha de papel, assina seu nome embaixo e entrega-a a Afonso Arinos, para que redija ali, como bem quisesse, os termos de sua retirada. Depois, vira-se para Francisco Quintanilha Ribeiro e diz:
– Chico, vamos arrumar as malas e ir embora. Somos da província e não sabemos fazer política federal.
E está ele a consuma numa carta enviada a Magalhães Pinto, renunciando à candidatura. Quando José Aparecido percebe que ele não estava passando a limpo o documento rascunhado poucos minutos antes, e sim redigindo um outro, pergunta-lhe se havia resolvido mudar a direção da carta:
– A direção e o conteúdo. Resolvi renunciar.
Entregou-a à Quintanilha Ribeiro, dando-lhe um prazo para divulgá-la. Pega o telefone, liga para D. Eloá e comunica-lhe que está liberto.
Instantes depois, o candidato passa pelos líderes udenistas, cumprimenta dois deles, agradece-lhes o prazer de tê-los conhecido, desce as escadas e entra, sozinho, no seu automóvel amassado. Eram 20 horas e 50 minutos.
Os passos da renúncia de Jânio Quadros: 1961
Poderão mudar a interpretação da História, como por exemplo o anúncio que Jânio Quadros fez à sua mãe, no palácio da Alvorada, em plena mesa de almoço, que iria renunciar à presidência da República, em 10 de agosto de 1961. O Mordomo de Jânio Quadros: João Hermínio da Silva, que o acompanhava desde os tempos de governador de São Paulo.
A revista “Mundo Ilustrado” em seu número de 12 de agosto de 1961, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: “Renúncia, arma secreta de Jânio”.
[sexta-feira], 25 de agosto de 1961
1ª Cena
O presidente Jânio Quadros foi acordado, como todos os dias, às 5h45, pelo seu mordomo, João Hermínio da Silva, que o acompanhava desde os tempos de governador de São Paulo. Ele lhe entregou um exemplar do Correio Braziliense, e o presidente leu alguma coisa que o irritou. Amassou o jornal com raiva, atirando-o violentamente na cesta de lixo.
2ª Cena:
Enquanto se barbeava, pediu quase aos gritos que telefonasse para o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, e para o Chefe da Casa Civil Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro.
3ª Cena
Jânio falou bravo com Horta, reclamando que não haviam tomado a menor providência. Depois falou com Quintanilha, também em tom áspero. Ao desligar o telefone, ordenou ao mordomo que mandasse encostar o carro urgentemente.
4ª Cena
Deixou o Palácio da Alvorada apressadamente e foi para o Palácio do Planalto, aonde chegou, como de costume, às 6h30, a bordo de um Chevrolet sedan, série Two-Ten, preto, ano 1957, automóvel que era utilizado por sua determinação no dia a dia desde que havia assumido o governo, dispensado a luxuosa limusine Cadillac Fleetwood 1958, adquirida na gestão do seu antecessor, Juscelino Kubistchek.
5ª Cena
Após despachar rapidamente com o Chefe da Casa Militar, o general de brigada Pedro Geraldo de Almeida, conversou mais uma vez por telefone com Quintanilha Ribeiro.
6ª Cena
O principal compromisso do presidente naquela manhã era a comemoração do Dia do Soldado, que seria realizado na Esplanada dos Ministérios, junto à sede do Ministério da Guerra. Jânio chegou ao local por volta das 8h em uma limusine Cadillac 1959, não menos luxuosa, pertencente ao Ministério das Relações Exteriores, mas comumente utilizada pela presidência da República em solenidades oficiais. Ao descer do veículo foi recebido com honras militares pelo titular ministro da Guerra, marechal OdylioDenys, acompanhado pelos ministros da Marinha, almirante Silvio Heck, e da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss.
7ª Cena
Passou em revista as tropas do Batalhão da Guarda Presidencial que estavam perfiladas, depois condecorou com a Ordem do Mérito Militar as bandeiras de vários regimentos de Infantaria e de Cavalaria do Exército brasileiro, e assistiu à solenidade de entrega de medalhas a diversas autoridades civis e militares, entre elas o seu chefe da Casa Civil, Quintanilha Ribeiro, o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, o arcebispo de Brasília, dom José Newton, e o prefeito de Brasília, deputado Paulo de Tarso Santos.
8ª Cena
Depois do desfile do contingente militar e sobrevoo de aeronaves da Força Aérea Brasileira, encerrando o evento, o presidente, sorrindo, entrou no veículo oficial e retornou ao Palácio do Planalto.
9ª Cena
O presidente voltou ao Palácio, chamando imediatamente a seu gabinete Quintanilha Ribeiro, Pedroso Horta, o general Pedro Geraldo de Almeida e o secretário particular do presidente José Aparecido de Oliveira. No seu gabinete no Planalto, fez os primeiros contatos revelando a sua decisão de renunciar ao governo, informando que, após a solenidade do Dia do Soldado, redigiria o documento indispensável. Jânio Quadros disse aos quatro: “Chamei-os para dizer-lhes que renunciarei agora à Presidência.
Não nasci presidente da República. Nasci, sim, com a minha consciência, e a esta devo atender e respeitar. Ela me diz que a melhor formula que tenho agora para servir ao povo e à Pátria é a renúncia.”
10ª Cena
João Hermínio (Mordomo) estava no Alvorada quando recebeu, depois das 8h, um telefonema de Jânio, ordenando que preparasse uma mala e que colocasse dois ternos leves e dois pesados. Solicitou também que avisasse dona Eloá, e que ela também preparasse sua mala, pois iriam viajar. Determinou ainda o presidente que levasse dona Eloá e sua mãe, dona Leonor, para o aeroporto, e que o aguardasse lá.
11ª Cena
Antes de deixar Brasília, o presidente determinou ao ministro Pedroso Horta que levasse ao Congresso Nacional, as 15h, o documento de renúncia e, ainda, que se expedissem comunicações às autoridades, inclusive aos governadores estaduais, e se tomassem providências adequadas para manter a ordem em todo o território nacional. Aos governadores da Guanabara, São Paulo e Minas Gerais, além do telegrama circular, mandou que o ministro da Justiça participasse por telefone informando de sua decisão.
12ª Cena
Precisamente às 10h25, o presidente da República deixou o Palácio do Planalto em companhia do general Pedro Geraldo, do seu ajudante de ordens major Chaves Amarante, e pelo secretário particular José Aparecido de Oliveira, no automóvel da presidência em direção do aeroporto militar de Brasília, depois de conversar com seus auxiliares. Ao se despedir dos dois auxiliares, o presidente reafirmou que partia com a consciência tranquila.
13ª Cena
Vinte minutos depois, em companhia de sua esposa e de sua mãe, o avião Viscount presidencial da Força Aérea Brasileira decolava com destino a São Paulo, pousando duas horas depois, inicialmente no aeroporto de Congonhas, onde o aparelho foi reabastecido. O ainda presidente permaneceu o tempo todo a bordo da aeronave, que estava com todas as cortinas das janelas fechadas, obstruindo a visão dos curiosos. Levantando voo, após sobrevoar a capital paulista por meia hora, pousou na Base Aérea de Cumbica, em Guarulhos, às 13h, onde Jânio aguardou os acontecimentos no gabinete do comandante da unidade militar coronel Roberto Faria Lima.
14ª Cena
Em Brasília às 14h40, em cumprimento à determinação de Jânio Quadros, o ministro Pedroso Horta telefonou para o governador Carlos Lacerda.
– “Alô, disse Lacerda, é o Horta?”
– “Não, é o ministro da Justiça. De ordem do senhor presidente da República comunico a Vossa Excelência que vou em seguida fazer entrega ao Congresso de sua renúncia à presidência da República. O presidente me pediu que o avisasse antecipadamente para que Vossa Excelência pudesse tomar as providências de segurança que entender cabíveis e incumbiu-me também de desejar-lhe felicidades”.
O ministro da Justiça desligou o telefone, não deixando seu interlocutor falar uma única palavra. Igual comunicação foi feita também pelo telefone ao governador Carvalho Pinto e ao governador Magalhães Pinto, que se achavam reunidos em São Paulo. E por telegrama, a todos os demais governadores.
Pedroso Horta, acompanhado de um oficial de gabinete, chegou ao Congresso Nacional às 14h45, dirigindo-se diretamente ao gabinete do senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente em exercício do Congresso Nacional. Tomando conhecimento da missão do ministro da Justiça, quinze minutos depois convocou em caráter de urgência os líderes partidários das duas casas que se encontravam na Capital Federal para informar a grave ocorrência.
15ª Cena
A renúncia do presidente Jânio Quadros e a posição do Congresso Nacional, que em poucas horas declarou a vacância do cargo, e a indicação a Ranieri Mazzili, presidente da Câmara Federal, para substituí-lo, pontificou o terremoto político que se abateu sobre o País em 1961.
16ª Cena
O mordomo João Hermínio, testemunha da visita de Lacerda ao Palácio da Alvorada, relatou para a imprensa dias depois:
“No dia da chegada de Lacerda a Brasília, Jânio pediu-me para preparar os aposentos e o jantar com o governador carioca. O jantar estava marcado para as 19 horas. Às 20h30m ele ainda não havia chegado. Jânio, que o esperava, resolveu jantar sozinho, saindo depois para o cinema do palácio. Antes, recomendou: “João, fique na portaria e espere o Carlos. Assim que ele chegar, mande-me avisar.” Lacerda chegou às 21h15, acompanhado do general Pedro Geraldo. Levei-o aos seus aposentos e perguntei-lhe se queria tomar um banho. “Não ” respondeu Lacerda ” “quero apenas lavar as mãos e comer, porque estou com muita fome.” Foi para a mesa e me pediu uma garrafa de vinho. Enquanto isso, mandei chamar Jânio. Em menos de cinco minutos, chegava o presidente. Jânio encontrou Lacerda jantando e abraçou-o. Depois, pediu-me para fechar a porta, porque queria ficar a sós com Lacerda. Ficaram trancados mais de uma hora. Depois do jantar desceram os dois para a sala de cinema: seria rodado um filme policial. Jânio pediu para buscar cigarros. Ao voltar, encontrei Lacerda de saída. Disse-me, naquela ocasião: “Tenho que falar com o Horta urgentemente, no Hotel do Lago. Volto logo.” Isso foi às 23h45. Meia hora depois da meia-noite, o porteiro do Alvorada me disse que tinha recebido um telefonema, com ordens para que levasse a mala de Lacerda para o portão de entrada do Palácio, pois ele voltaria naquela noite para o Rio. Antes desse recado, Jânio tinha ido dormir, dizendo-me que esperasse o Lacerda voltar, para que não faltasse nada. Levei a mala ao portão de entrada, deixando-a lá. Voltei e fui dormir. Mas, naquela noite, Lacerda não voltou para o Rio. Ficou no Hotel Nacional. Esse é o tão falado caso da mala.”
17ª Cena
Uma onda de descontentamento varreu o País e Jânio Quadros começou a descarregar sua fúria sobre o Ministro da Fazenda, Clemente Mariani que, como sabemos, tinha relações de parentesco com o jornalista e dono de jornal Carlos Lacerda. Aliás, era o próprio genro do Ministro, o jovem Sérgio Lacerda (casado com a filha de Clemente Mariani, de nome Maria Clara) que estava dirigindo a Tribuna de Imprensa e lhe regulava o tom dos ataques. Essa mudança na direção do jornal se deu porque Carlos Lacerda, eleito Governador no novo Estado da Guanabara, teve de se afastar do cargo. Começava-se a formar a teia na qual Jânio ia se embaraçando, cada vez mais.
Sobre rumores de crise ministerial, face a demissão do ministro Clemente Mariani, da Fazenda, Jânio Quadros dirigiu um bilhete ao seu secretário particular José Aparecido de Oliveira:
“Aparecido:
Leio num jornal que o Ministério está em crise…
Veja se localiza para mim.
Leio, também, que recebi, da Fazenda, um bilhete “enérgico”.
Desminta. O Ministro é educado, bastante, para não escrevê-lo ao Presidente.
E o Presidente não é educado, bastante, para receber tal bilhete…
Uma onda de descontentamento varreu o país e Jânio Quadros começou a descarregar sua fúria sobre o ministro da Fazenda, Clemente Mariani que, como sabemos, tinha relações de parentesco com o jornalista e dono de jornal Carlos Lacerda. Aliás, era o próprio genro do ministro, o jovem Sérgio Lacerda (casado com a filha de Clemente Mariani, de nome Maria Clara) que estava dirigindo a Tribuna de Imprensa e lhe regulava o tom dos ataques. Essa mudança na direção do jornal se deu porque Carlos Lacerda, eleito governador no novo Estado da Guanabara, teve de se afastar do cargo. Começava-se a formar a teia na qual Jânio ia se embaraçando, cada vez mais.
No dia 19/8/61, o Presidente Jânio Quadros condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, numa cerimônia improvisada no Palácio do Planalto. Ele ignorava que iria receber uma condecoração, mas também o caráter oficial do encontro. Ele não tinha como retribuir a condecoração, como é usual, e o discurso de Jânio foi breve.
Lacerda ainda estava em Brasília no dia seguinte, 19 de agosto, quando o Presidente condecorou com a medalha do Cruzeiro do Sul, o Ministro da Economia de Cuba, Ernesto Che Guevara, que estava em visita ao País. Naquele mesmo dia, o Congresso americano aprovou o bloqueio econômico a Cuba, acirrando o ambiente de guerra fria, no qual aquela condecoração teve o efeito de uma bomba. Foi manchete de primeira página em todos os jornais. “Jânio Quadros condecorou um aventureiro internacional, representante de um bando de fanáticos que se apoderou, pela violência, do Governo da Pátria de José Marti, desrespeitando os compromissos, desvinculando a República das obrigações e tratados interamericanos, para jogar-se nos braços do comunismo sino-soviético”, condenou O Globo em editorial.
Carlos Lacerda: – Jânio Quadros condecorou um aventureiro internacional.
O fato rendeu dois ou três dias de exaltação na Câmara e no Senado. Alguns militares de alta patente que haviam recebido a mesma condecoração, a mais alta concedida pelo governo brasileiro, ameaçaram devolvê-la. No dia 22 de agosto, quando a crise ainda não havia amainado, Carlos Lacerda volta ao ataque em discurso numa reunião de estudantes em São Paulo. Convidado especial, ele foi recebido com vaias e houve tumulto na tentativa de impedir seu discurso, mas não recuou.
Falou quase duas horas, fornecendo detalhes sobre as conversas com o Ministro da Justiça, incluindo o plano de um golpe. O assunto foi parar nas manchetes e dois dias depois, a 24 de agosto, aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, Lacerda voltou ao tema na televisão. Os fatos que se desenrolaram a partir daí jamais foram devidamente esclarecidos. No outro polo da agitação, Carlos Lacerda conferenciava com Clemente Mariani e mandava dois assessores para representá-lo no desembarque de Jânio Quadros, que chegou de Vitória às 14 h. A assessoria de imprensa do Palácio Guanabara comunicou oficialmente aos jornalistas que Carlos Lacerda iria entregar dentro de poucos minutos as chaves da cidade ao Manuel Verona. Já aí, o palácio apresentava em seus corredores todos os sintomas da gravidade da situação: secretários chegavam e saíam, automóveis partiam em disparada, entravam os generais Cordeiro de Faria e Emílio Ribas, chefe do EMFA e do Estado Maior do Exército.
Guevara foi convidado verbalmente a visitar o Brasil, o Presidente Jânio Quadros, pelo chefe da delegação e Ministro da Economia Clemente Mariani (consogro de Carlos Lacerda). No Rio de Janeiro e em São Paulo a repercussão foi forte com as massas nas ruas, bandeiras cubanas e retratos de Che Guevara. O escândalo estourou como na Argentina, e Jânio, uma semana depois abandonou o governo sob as ameaças da direita. Frondizirecebeu tamanha quantidade de ataques que antes de completar sete meses, foi também derrubado. Já, Kennedy, a quem coube o papel equívoco de invasor armado e reabilitador diplomático, foi assassinado dois anos depois, numa confabulação obscura onde as relações com Cuba foram fator de sua transcendência. Na vida de Ernesto Che Guevara, a inteligência e a violência se alternaram o tempo todo. O ano de 1963 apresentou-se agitado em toda América Latina. No Brasil crescia a organização das Ligas Camponesas, sob a tolerância do Presidente João Goulart, um nacionalista que se apoiava cada dia mais nos esquerdistas dos sindicatos e nos intelectuais. Resumindo, onde quer que Che Guevara pousasse, aconteciam calamidades com consequências desastrosas, aqui no Brasil, foi condecorado por Jânio Quadros que cinco dias depois, veio a renunciar.
O fato é que apesar de todo o berreiro da UDN e protestos de Carlos Lacerda, Che Guevara, jamais recebeu materialmente a medalha e nem o diploma da Ordem Nacional do Mérito do Cruzeiro do Sul, apesar das citações infindáveis dos livros de história e as lendas repetidas pelos jornalistas de diversos órgãos de imprensa.
Uma comenda que fora anunciada, filmada e fotografada a cerimônia, pena que em Cuba não tinha PROCON, para Che reclamar da propaganda enganosa.
E na falta da entrega do produto, vai qualquer coisa. Inclusive faixa falseada que de tão repetida virou real.
JÂNIO QUADROS:- “Até prefiro não falar mais porque qualquer diálogo com Carlos morto deve ser mais difícil do que com ele vivo. A não ser que fosse realizado em sessão espírita Deixo o Carlos agora a cargo do Pedroso Horta, que também está morto e deve estar o repreendendo lá em cima. Condecoração? Para fins legais…não tem validade. Observe a minha agenda do dia 17 de agosto (quinta-feira) e, 19 era sábado.
Dando uma no cravo e outra na ferradura, Lacerda vai a Brasília, em 18 de agosto, e consegue ser recebido pelo Presidente no Palácio da Alvorada. Seu pedido era de caráter particular. Precisava de um empréstimo do Banco do Brasil para saldar dívidas que comprometiam a Tribuna de Imprensa, neste momento dirigida por Sérgio Lacerda que, como se sabe, era o próprio genro do Ministro da Fazenda. Salvar o filho de uma falência era também preservar o nome do Ministro, seu parente.
Não conseguiu o que desejava e, mais tarde, voltando ao Alvorada, onde esperava pernoitar, encontrou suas malas na portaria. Tudo foi fruto de um mal-entendido. Entendendo que Lacerda se hospedaria num hotel, Oscar Pedroso Horta, mandou que as malas fossem colocadas à disposição, evitando que, altas horas da noite, Lacerda fosse confundido com um estranho e impedido de reentrar no palácio. O incidente não foi assimilado e, para piorar, no dia seguinte, ocorre o episódio da condecoração a Guevara.
Em 22 de agosto, entre aplausos e vaias, Lacerda participa de um debate com 1.200 estudantes em programa de auditório da TV Excelsior de São Paulo, fazendo críticas ao Governo Federal, principalmente com relação à sua política externa.
Mas um incidente mais grave ocorreu no dia 24. Em 1955, já o narramos, para impedir o progresso da candidatura JK, Carlos Lacerda publicou uma falsa carta, conhecida como Carta Brandi, em que denunciava um conluio entre o candidato a vice, João Goulart e autoridades argentinas para iniciar no Brasil uma revolução sindicalista. Somente após as eleições é que veio a saber-se que tal carta era apócrifa.
Agora, Lacerda ataca novamente. No dia 24, em cadeia de rádio e televisão no Rio de Janeiro, o Governador da Guanabara denuncia outro complô, desta vez em Brasília, envolvendo o Presidente Jânio Quadros e seu Ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, para realizar uma “reforma institucional”, como o fizera Getúlio Vargas em 1937, com a implantação do Estado Novo. Disse mais que ele, Carlos Lacerda, fora convidado por Pedroso Horta para participar da ação.
Esta última afirmativa, por si só, desmonta toda a armação. Com as relações em crise, convidar Carlos Lacerda, o demolidor, para participar de um golpe palaciano já não é apenas um sinal de audácia, torna-se um sinal de burrice, de ignorância extrema.
Fica apenas a palavra do Governador. Nenhuma prova é exibida, nenhum indício é apresentado, nenhum testemunho é invocado para dar veracidade à denúncia. Mas em ambiente turbulento, a opinião pública escolhe a versão que melhor se adapte à sua própria opinião. Uma parte acredita em Jânio, a outra em Lacerda. E, com a crise, aumenta a efervescência política, criando um clima de ingovernabilidade.
Dando uma no cravo e outra na ferradura, Lacerda vai a Brasília, em 18 de agosto, e consegue ser recebido pelo Presidente no Palácio da Alvorada. Seu pedido era de caráter particular. Precisava de um empréstimo do Banco do Brasil para saldar dívidas que comprometiam a Tribuna de Imprensa, neste momento dirigida por Sérgio Lacerda que, como se sabe, era o próprio genro do Ministro da Fazenda. Salvar o filho de uma falência era também preservar o nome do Ministro, seu parente.
Não conseguiu o que desejava e, mais tarde, voltando ao Alvorada, onde esperava pernoitar, encontrou suas malas na portaria. Tudo foi fruto de um mal-entendido. Entendendo que Lacerda se hospedaria num hotel, Oscar Pedroso Horta, mandou que as malas fossem colocadas à disposição, evitando que, altas horas da noite, Lacerda fosse confundido com um estranho e impedido de reentrar no palácio. O incidente não foi assimilado e, para piorar, no dia seguinte, ocorre o episódio da condecoração a Guevara.
Em 22 de agosto, entre aplausos e vaias, Lacerda participa de um debate com 1.200 estudantes em programa de auditório da TV Excelsior de São Paulo, fazendo críticas ao Governo Federal, principalmente com relação à sua política externa.
Mas um incidente mais grave ocorreu no dia 24. Em 1955, já o narramos, para impedir o progresso da candidatura JK, Carlos Lacerda publicou uma falsa carta, conhecida como Carta Brandi, em que denunciava um conluio entre o candidato a vice, João Goulart e autoridades argentinas para iniciar no Brasil uma revolução sindicalista. Somente após as eleições é que veio a saber-se que tal carta era apócrifa.
Agora, Lacerda ataca novamente. No dia 24, em cadeia de rádio e televisão no Rio de Janeiro, o Governador da Guanabara denuncia outro complô, desta vez em Brasília, envolvendo o Presidente Jânio Quadros e seu Ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, para realizar uma “reforma institucional”, como o fizera Getúlio Vargas em 1937, com a implantação do Estado Novo. Disse mais que ele, Carlos Lacerda, fora convidado por Pedroso Horta para participar da ação.
Esta última afirmativa, por si só, desmonta toda a armação. Com as relações em crise, convidar Carlos Lacerda, o demolidor, para participar de um golpe palaciano já não é apenas um sinal de audácia, torna-se um sinal de burrice, de ignorância extrema.
Fica apenas a palavra do Governador. Nenhuma prova é exibida, nenhum indício é apresentado, nenhum testemunho é invocado para dar veracidade à denúncia. Mas em ambiente turbulento, a opinião pública escolhe a versão que melhor se adapte à sua própria opinião. Uma parte acredita em Jânio, a outra em Lacerda. E, com a crise, aumenta a efervescência política, criando um clima de ingovernabilidade.
Samuel Wainer e Carlos Lacerda foram inimigos íntimos, um conhecia muito bem a ambição do outro. Acho que nem Lacerda acreditava que Samuel era um corrupto e nem Samuel acreditava que Lacerda era a encarnação do mal e corrupto de primeira linha familiar. Arrisco dizer que Samuel admirava a inteligência de Lacerda, mas desprezava sua demagogia e suas mentiras – ou hipocrisia de bastião da moral.
JÂNIO RECUSA PEDIDO DE LACERDA
O primeiro encontro entre o governador e o presidente ocorreu na manhã do dia 07 de fevereiro de 1961. Uma semana depois da posse do Jânio.
Não foi um encontro satisfatório para Lacerda, embora não haja terminado em clima de hostilidade.
Era uma terça-feira. Jânio estava em seu gabinete revendo a composição do seu ministério.
Acompanhado do seu chefe-de gabinete, Lacerda aparece de surpresa em Brasília e segue de táxi do aeroporto para o Alvorada. Faz-se anunciar e logo se encontra na presença do presidente. Rafael de Almeida Magalhães fica aguardando na antessala.
—Carlos, que surpresa! —exclamou Jânio, saindo de trás da sua mesa de trabalho para apertar a mão do governador – Sentemos naquele sofá. Fica menos formal.
O outro deu um sorriso amarelado e sentou-se ao lado do presidente.
Então, o diálogo começou.
—Tudo bem lá na Guanabara?
—Vamos indo. Meu antecessor deixou a casa bem desarrumada. Vou precisar de pelo menos um ano, para colocar tudo em ordem. Então, sim, poderei a começar a governar de fato. Mas vim aqui para falar com você sobre outro assunto.
—Fale.
—Jânio, você sabe que a sua vitória se deveu ao apoio que recebeu da UDN, não sabe?
O presidente se empertigou e a resposta que deu não foi a que Lacerda contava ouvir. Jânio deixou de lado o uso do prenome e respondeu:
—Engano seu, governador. Eu ganharia com ou sem o apoio do seu partido. Aliás, a UDN nunca se deu bem em eleições.
O outro o interrompeu:
—Vencemos em muitos estados.
Jânio passou a falar à moda dos gaúchos e dos mato-grossenses:
—Eu estou me referindo ao âmbito federal. Juarez levou uma tunda do Juscelino e Getúlio “jantou” o Eduardo Gomes. Mas, deixemos isso de lado. Tua vinda assim de surpresa me faz imaginar que desejas fazer-me algum pedido, certo?
Lacerda retirou os óculos de aros pretos de tartaruga, soprou neles, passou-os pela camisa e recolocou-os no lugar. Ganhava tempo para escolher bem as palavras. Então, disse:
—Não sei se devemos usar a palavra pedida ou a frase acerto de compromisso entre aliados no jogo político.
O presidente sorriu antes de retrucar:
—Não me vem à mente ter feito qualquer acordo com a UDN que me possa ser cobrado por um governador. Porém, como já te encontras aqui, sem teres solicitado audiência, falemos como companheiros. O que desejas?
Lacerda mudou abruptamente o rumo da conversa:
—Seria indiscreto perguntar se o presidente já completou a formação do ministério?
O outro sacudiu a cabeça.
—Não. Amanhã cedo, pretendo usar uma cadeia de rádio para informar a nação sobre vários assuntos, incluindo os nomes dos meus ministros. Logo, não me custa nada adiantá-los para ti. Era isso que desejavas saber?
O governador sacudiu a cabeça e falou:
—Não, o assunto é outro. Mas, já que estamos falando sobre o ministério, teria sido um gesto nobre se as indicações tivessem sido feitas após uma consulta à cúpula do nosso partido.
Jânio se empertigou.
—Não creio que caiba nenhuma consulta a quem quer que seja sobre tal assunto. A escolha dos ministros é privilégio exclusivo do presidente.
—Ninguém consegue governar sozinho uma nação. — contestou o outro.
—Sei disso. Mas, diga-me, governador: o que vieste me pedir?
—Serei direto. Um empréstimo à Tribuna da Imprensa. A situação financeira do jornal está de tal jeito que, sem um bom auxílio, breve terá de fechar as portas. Por outro lado, meu filho Sérgio é quem está dirigindo aquele jornal e eu não gostaria que ele começasse suas atividades profissionais com a desdita de uma falência.
Jânio olhou demoradamente para o rosto de Carlos, antes de responder. A continuação daquele jornal poderia vir a ser mais um instrumento contra ele. Sua confiança em Lacerda estava abaixo de zero. Sentia que, dentro em breve, iriam se tornar ferrenhos adversários, até mesmo inimigos. Não, não pretendia fornecer nenhuma ajuda. Que falissem… Contudo, não queria dar a Lacerda uma resposta direta e imediata. Então, disse:
— Vou conversar sobre isso com o Clemente. Aliás, tu e ele, de certa forma, tem agora laços de família. Creio que esse teu filho casou recentemente com a filha do Mariani. Não é fato?
—Sim. Mas uma palavra a favor, partindo do presidente, sempre tem um grande peso.
Jânio limitou-se a dar um mínimo sorriso, evitando se comprometer.
—O caso terá toda atenção que merece. Afinal de contas, o governador da Guanabara não viria à Brasília para fazer esse pedido, se não tivesse um forte interesse em salvar a Tribuna. Estás pensando em regressar logo ao Rio?
—Regressarei ainda hoje, mas, antes, quero aproveitar para ter um papo com alguns congressistas da UDN.
Num gesto que tanto poderia ser de consideração ou de condescendência, o presidente disse:
—Porei um carro a tua disposição. Tu o usarás enquanto permaneceres na capital. Sem carro, ninguém consegue fazer nada aqui nesta cidade sem alma.
Jânio dirigiu-se a sua mesa, pegou o interfone, discou o número da garagem e falou para quem o atendeu:
—Josué, mande um carro com motorista, agora mesmo, para frente do palácio. É para uso do governador da Guanabara – fez uma pausa, deu uma olhada para Lacerda e completou:
—Sim, ele está descendo agora.
Em seguida, se ergueu, estendeu a mão para o outro e disse:
—Uma boa estadia e um feliz regresso. Breve o Clemente entrará em contato contigo.
Ao Carlos só restou também se levantar, apertar a mão estendida e agradecer.
Mais tarde, pouco antes de entrar na limusine que o aguardava, sua expressão endureceu, quando disse para o seu chefe-de-gabinete:
—Rafa, o filho da puta me despachou com a maior classe. Aposto que jamais concederá o empréstimo à Tribuna. Mais tarde eu lhe conto a história toda. O que ele não sabe é que acabou de ganhar um inimigo impiedoso. Vou começar a pensar de que modo irei arrancar esse ‘cachaceiro’ da cadeira presidencial.
Num ponto o governador da Guanabara estava certo: nunca o ministro da fazenda lhe falou a respeito do empréstimo. Com as contribuições de amigos ricos e dinheiro do Banco do Estado, Lacerda evitou, pelo menos temporariamente, a falência da Tribuna da Imprensa. E, num certo momento, o jornal se tornaria um importante instrumento na campanha difamatória que Carlos começava a desencadear contra Jânio Quadros.
O rompimento da amizade de Wainer com Carlos Lacerda que, à frente da Tribuna da Imprensa, tornou-se seu mais ferrenho adversário, questionando, por exemplo, sua nacionalidade e, portanto, a legitimidade de comandar um jornal. Samuel Wainer, conversou com Jânio Quadros, durante 03 horas – Lacerda corrupto de primeira linha.
Jânio estava atento contra as investidas de Lacerda. Enfim, o tiro saiu pela culatra. A revista “Mundo Ilustrado” em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: “Renúncia, arma secreta de Jânio”. Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual do Presidente Jânio Quadros: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta. Jânio não tinha o menor apego ao poder.
(*) é professor, jornalista e escritor
Muito bom o artigo, nós boas lembranças a memória. Bons tempos.