Erro no sistema fez com que Itaú duplicasse transferências pelo Pix e abrisse processo judicial contra sete bancos por, supostamente, terem sido omissos sobre a falha
Uma disputa entre os maiores bancos do Brasil pode ser a primeira “prova de fogo” judicial do Pix, o novo sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central (BC).
Documentos do processo, divulgados pelo site Cointelegraph, revelam que, em novembro de 2020, pouco depois do lançamento do meio de pagamentos, o Banco Itaú cometeu uma falha grave em sua integração com o sistema do BC e acabou realizando transferências indevidas para contas de diversos bancos.
Entre as instituições processadas pelo Itaú e que, segundo o banco, receberam valores indevidos, estão o Banco do Brasil, Bradesco, Sicred, Bancoob, Nubank, Banco Original e Banco Inter.
“Em razão de um erro sistêmico, foram realizadas transferências indevidas e, portanto, em excesso, para as contas bancárias dos bancos favorecidos (em simples explicação: houve débito de X e crédito de X + X) (…) Esse tipo de falha sistêmica ocorre com alguma frequência no âmbito das instituições financeiras”, destaca o Itaú na ação.
Segundo o processo aberto pelo Itaú, as transferências realizadas em duplicidade, de forma indevida, totalizam exatos 966.392 reais.
O Itaú alega que, embora a falha tenha sido exclusivamente de seu sistema, os demais bancos estariam “cientes da falha sistêmica” e que, segundo o banco, mesmo assim, não devolveram o dinheiro e ainda permitiram aos seus clientes utilizar o valor transferido indevidamente.
“E os Réus, ainda que cientes da falha sistêmica quando o valor ainda estava sob a sua ingerência, ao invés de devolverem o valor indevido ao Autor, permitiram a liquidação dos créditos nas contas dos correntistas destinatários, impedindo o estorno e causando o enriquecimento sem causa em relação ao qual ora se pleiteia devolução de valores”, diz o Itaú, no processo.
Itaú entra em contato com clientes
Segundo o documento do Itaú, assim que constatou a falha, o banco entrou em contato imediatamente com alguns correntistas para que estes contatassem os destinatários das transferências e resolvessem a devolução de forma imediata.
“Tanto que alguns valores foram recuperados. Em paralelo, o Autor enviou e-mails aos Réus (outros bancos), onde relatou o ocorrido, especificou os valores e solicitou o imediato estorno. (…) A questão operacional poderia ser resolvida se os Réus não tivessem sido omissos, mesmo cientes do erro sistêmico”, alega o Itaú.
Contudo, como alguns bancos e correntistas não fizeram o estorno das transações indevidas, o Itaú pede que os bancos sejam condenados a bloquear e, na sequência, estornar ao autor os valores creditados em excesso.
Além disso, como pedido sucessivo, nas situações nas quais o estorno não for possível (em virtude de insuficiência de fundos na conta do favorecido), o Itaú pede que as instituições financeiras informem todos os dados dos clientes afetados para que o banco possa abrir um processo judicial contra eles.
“(…) Pede-se a condenação dos Réus na obrigação de fazer consistente na apresentação do nome, endereço, valor que não foi possível recuperar e CPF dos clientes cujos estornos não se efetivaram, para que o Autor possa exercer seu legítimo direito de propor ação judicial em face dos mesmos, para recuperação dos valores que efetivamente lhe pertencem, sob pena de enriquecimento sem causa dos favorecidos”, alega.
Quem pode reverter transações no Pix?
Em um primeiro momento, a Justiça acolheu as alegações do Itaú e determinou o bloqueio dos valores nas contas dos bancos mencionados. Contudo, o Banco do Brasil (BB) entrou com pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para rever a decisão e teve o pedido deferido.
“Cuida-se de agravo contra decisão que concedeu tutela de urgência para determinar aos réus para, em 48 horas, bloquearem quantias creditadas em duplicidade e proceder ao estorno de valores disponíveis nas contas de seus clientes. Concede-se liminar para suspender os efeitos da decisão agravada, presentes os requisitos, tendo em vista que, os valores foram creditados em duplicidade por erro sistêmico do Banco-agravado nas contas dos favorecidos através de transferências instantâneas (PIX), encontrando-se na esfera patrimonial dos correntistas”, destaca a decisão do pedido feito pelo BB.
Segundo o BB, o pedido do Itaú para que as instituições financeiras façam bloqueios automáticos nas contas dos clientes é ilegal, pois não pode ser iniciada de instituição para instituição, mas a partir do cliente.
“(…) Referida decisão se mostra ilegal, haja vista que a legislação norteadora das condutas relacionadas ao Pix, mais precisamente o Capítulo XI da Resolução BCB nº 1 de 12/08/2020 (doc. anexo), que trata “da devolução das transações”, prevê, em seu art. 40, §1º, que “ A devolução de um Pix deve ser iniciada pelo usuário recebedor”, ou seja, não há previsão para que a devolução seja realizada pela Instituição Financeira na qual mantém sua conta”, alegou o BB.
De fato, segundo a Instrução Normativa do Banco Central sobre o funcionamento do Pix, a devolução de valores entre as instituições financeiras, no caso do Pix, podem ser realizadas, mas a partir da ordem do cliente:
“Art. 40. Poderão ser objeto de devolução, total ou parcial, os recursos de determinada transação realizada cujos fundos já se encontrem disponíveis na conta transacional do usuário recebedor.
1º A devolução de um Pix deve ser iniciada pelo usuário recebedor.
2º É permitida a realização de múltiplas devoluções de uma mesma transação.
Art. 41. Na iniciação da devolução, o usuário recebedor deve informar ao seu prestador de serviço de pagamento o valor e o motivo da devolução.
Parágrafo único. O participante deve debitar o valor informado na conta transacional do usuário recebedor, após sua autorização, e remeter os fundos ao participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, informando o motivo da devolução.
Art. 42. A solicitação de devolução de um Pix deve ser iniciada, no máximo, em até 90 (noventa) dias da data da transação de pagamento original”, diz a resolução do BC.
BC também pode ‘reverter’ transações
Embora a resolução do BC declare que o cliente tem que solicitar o reembolso da transação, em setembro de 2020 o chefe-adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central, Carlos Eduardo Brandt, revelou que o BC, que controla o sistema, também pode alterar as transações no Pix.
Assim, segundo ele declarou na época, se uma transação for confirmada e, após a confirmação, o Banco Central entender que ocorreu uma fraude, ele poderia reverter a transação sem perguntar ao recebedor: “Se houver comprovação de fraude, será possível fazer reembolso sem autorização da pessoa que recebeu o depósito”, informou na época.
O processo segue em análise pela Justiça e não há decisão final sobre o caso. No entanto, a abertura do processo pelo Itaú, assim como as réplicas dos bancos, caso do Banco do Brasil, podem fazer o BC rever as regras do Pix com relação à segurança e fraudes nas transações.
Posicionamento do Itaú
Em nota enviada à EXAME na manhã de quarta-feira, 20, o Itaú se posicionou sobre o caso, explicando que os clientes cujas transferências tiveram erros não foram lesados e afirmando que a abertura dos processos é “uma medida usual”.
Confira o texto do comunicado na íntegra:
“O Itaú Unibanco não comenta processos que correm em segredo de justiça. O banco esclarece, no entanto, que os clientes que tiveram débitos em duplicidade em razão de uma falha operacional pontual foram reembolsados imediatamente. O banco ressalta, ainda, que o acionamento judicial é uma medida usual entre as instituições nesse tipo de situação, pois traz segurança jurídica para que elas façam os estornos das contas creditadas indevidamente.”