Busca cresceu 38% na USP; demanda do mercado por profissionais com conhecimentos na área justificam o aumento, dizem especialistas
FIAP lançou MBA que combina IA com Ciência de Dados em 2023: ‘Nossa formação é de ponta a ponta’, diz coordenadora Foto: Jorge Torres
Inteligência artificial e big data representam o trabalho do futuro. Profissões como especialistas em inteligência artificial e cientistas de dados estão entre as ocupações com maior potencial de crescimento até 2027, conforme revela o Relatório do Fórum Econômico Mundial, elaborado em parceria com a Fundação Dom Cabral no Brasil. Para aproveitar essa tendência, profissionais vão em busca de especializações em IA e análise de dados. O movimento tem sido identificado pelas instituições de ensino, que observam crescimento na procura por MBA nas áreas de tecnologia.
É o que aconteceu no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP (ICMC-USP), que viu a procura pelo MBA em IA e Big Data crescer 38% em 2023. O instituto também observou o número de estudantes matriculados no MBA dobrar em dois anos. Em 2021, na primeira turma formada, eram 122 alunos; em 2023, na terceira turma, o número saltou para 245 (capacidade máxima de alunos).
Na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP) também foi identificada uma demanda maior por cursos de MBA voltados para inteligência artificial e dados. Entre 2021 e 2022, a instituição identificou um aumento de 20% no número de alunos somente no MBA em Data Science & AI.
Para especialistas consultados pelo Estadão, esse aumento pode ser explicado pela popularização de temas relacionados à inteligência artificial – como o ChatGPT, que ganhou protagonismo no setor de tecnologia no último ano. No entanto, também há uma demanda do mercado, que procura por profissionais de diferentes segmentos capazes de utilizar conhecimentos de IA e análise de dados para tomar decisões mais assertivas ou solucionar problemas com mais facilidade.
Porém, ao buscar por profissionais com esse tipo de formação, muitas companhias não encontram ou enfrentam dificuldades para encontrar. E é essa lacuna que cursos de MBA da USP, da FIAP e de outras instituições de ensino buscam solucionar.
MBA são cursos de pós-graduação com duração média de 1 a 2 anos voltado para áreas de administração e negócios. Ele é diferente de um Mestrado ou Doutorado, que também são cursos de pós-graduação, mas estão mais voltados para a academia.
No ICMC-USP,o foco é formar profissionais capazes de solucionar problemas reais. Solange Rezende, professora responsável pelo MBA, conta que, ao longo de 15 meses, os alunos aprendem dos fundamentos aos conceitos avançados e diz que essa metodologia permite uma formação mais conectada à realidade do mercado.
“Existe uma lacuna de profissionais que estão inseridos no mercado de trabalho e que têm conhecimento em análise de dados e inteligência artificial”, afirma Solange. “O foco do nosso curso é responder essa demanda. Por isso, o aluno que faz nosso curso vai aprender sobre IA e dados por meio da teoria, prática e aplicação”, explica.
Na FIAP, o curso de pós-graduação foi criado diante da necessidade do mercado. Até 2017 a instituição oferecia apenas um MBA em inteligência artificial, mas em 2023 apostou em um novo curso que combina IA e Ciência de Dados. Para Keylla Saes, coordenadora do MBA na FIAP, a fusão tornou o curso mais completo.
“Nossa formação é de ponta a ponta”, diz. “O estudante vai aprender desde como identificar e lidar com os dados que a empresa possui até como utilizar esses dados para criar soluções otimizadas com técnicas de inteligência artificial”, explica Keylla.
O Ibmec também aposta, desde 2020, em um MBA voltado para inteligência artificial. Segundo Alessandro Prudêncio, coordenador do MBA, o curso foi pensado para atender às necessidades de diferentes segmentos do mercado. Por isso, há dois perfis de aluno: profissionais que não são de tecnologia, mas querem conhecer sobre IA em um nível mais profundo; e aqueles que são do setor, mas buscam especialização em IA.
O profissional formado pelo MBA do Ibmec, conforme garante Prudêncio, será aquele capaz de administrar ferramentas e criar soluções de problemas relacionados a dados e IA. “E isso possibilita que eles ampliem o leque de atuação”, diz. “Ter essas habilidades vai diferenciá-los no mercado. Eles poderão ser Analistas de Dados, Engenheiros de Inteligência Artificial e até mesmo ocupar posições que ainda não surgiram”, destaca.
MBA, Mestrado e Doutorado: Qual a diferença?
- Pós-graduação. Todos são considerados cursos de pós-graduação, uma vez que são formações para quem possui diploma de graduação. A diferença é que o MBA é um curso lato sensu (formação generalista e abrangente), enquanto mestrado e doutorado são stricto sensu (focado em alguma área da profissão).
- Proposta. MBA são voltados para áreas de administração e negócios. Mestrado e doutorado têm foco mais acadêmico, para formação de pesquisadores.
- Duração. Em geral, um curso de MBA tem duração média de 1 a 2 anos. Programas de mestrado e doutorado são mais extensos. Um mestrado costuma durar entre 24 e 30 meses e doutorados podem chegar até 4 anos.
- Pesquisa. Em todos os cursos de pós-graduação existe a pesquisa, mas com propósitos e intensidades diferentes. No doutorado, por exemplo, há menos tempo em sala de aula e maior foco em pesquisa, que precisa trazer algum tipo de inovação e contribuição para a ciência.
O que dizem os alunos?
A engenheira Carla Trindade, de 34 anos, resolveu ingressar no MBA em Data Science & AI da FIAP, no início de 2023. Ela trabalha há 8 meses como Cientista de Dados, mas sentiu falta de uma formação mais estruturada na área. “Sou engenheira de formação e migrei minha carreira para a tecnologia com cursos livres, nada muito estruturado”, conta. “E hoje, trabalhando com dados, sinto falta de uma formação técnica”, revela.
Ela diz que o MBA tem sido positivo para ela ter mais contato com a realidade do mercado – tanto com profissionais do setor (em uma espécie de networking), mas também para estar por dentro daquilo que é praticado no dia a dia das empresas.
Mas, para Carla, o principal benefício é estar mais preparada para eventuais oportunidades de crescer na carreira. “É fato que a área de dados e inteligência artificial está cada vez mais quente e com mais oportunidades”, afirma. “Quero crescer e aproveitar as oportunidades do setor. E o MBA vai me ajudar muito nisso”, diz.
Juliano Nascimento, de 43 anos, também viu benefícios de ingressar em um curso de pós-graduação. Em 2016, ele optou pelo MBA em Business Analytics e Big Data, oferecido pela Fundação Getúlio Vargas. “Eu estava em transição de carreira e senti necessidade de aumentar minha capacidade técnica”, conta ele, que atuava como diretor em uma empresa de soluções para gerenciamento de força de trabalho.
Ao ingressar no MBA, no entanto, Nascimento conheceu ferramentas que permitiram a ele ingressar de cabeça no mercado de dados. “Hoje eu tenho a minha própria empresa na área”, diz. “É uma empresa na qual eu ofereço serviços para outras empresas voltados para a análise de dados. E isso foi possível graças ao aprendizado que tive no MBA, que permitiu com que eu ingressasse na área”, afirma.
Dados vão além do setor de tecnologia
Além do aumento da procura por MBA na área, instituições de ensino também identificam mudanças no perfil do aluno. Segundo Luiz Paulo Fávero, coordenador do MBA em Data Science e Analytics da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP, essa mudança aconteceu nos últimos 5 anos, em que a procura deixou de ser apenas de profissionais de tecnologia e passou a vir de diferentes segmentos.
“Não é mais possível falar sobre a operação de qualquer empresa de qualquer setor sem levar em consideração a análise de dados”, diz. “Há 5 anos, a busca era maior entre profissionais da área de tecnologia, ciência da computação e estatística, mas hoje observamos uma procura transversal e multidisciplinar”, pondera.
Para Fávero, essa diversificação é uma tendência que veio para ficar. “Temos jornalistas, médicos, contadores, advogados e economistas. É difícil encontrar uma carreira ou perfil que não esteja no nosso curso”, alega o professor.
É o caso do médico radiologista Luís Sérgio Rozenkwit, de 47 anos, que resolveu ingressar no MBA em IA e Big Data do ICMC-USP. Apesar da formação em medicina, ele avalia que a especialização na área tem feito diferença na sua carreira. Ele conta que conhecimentos em IA, dados e computação são bastante positivos para o ambiente hospitalar. “A inteligência artificial gera possibilidades ilimitadas para os médicos, como analisar e projetar o comportamento das diversas doenças”, diz.
Para ele, a especialização, além de oferecer um vasto conhecimento técnico e científico, oferece um leque de oportunidades em sua profissão. “Conhecimentos aprendidos no MBA permite aumentar o grau de acerto no diagnóstico das doenças, por exemplo”, revela. “Mas há infinitas possibilidades de utilizar softwares para aumentar a capacidade de diagnósticos precoces”, conta.
Atenta a esse movimento de diversificação do perfil, a PUCRS aposta desde 2018 em um MBA em tecnologia voltado para diferentes carreiras. “Você não precisa ser um programador para aplicar esse conhecimento na sua atividade profissional”, diz Ionara Rech, professora da PUCRS. “Nosso curso não exige formação prévia, porque acreditamos que tecnologia pode apoiar a tomada de decisão em qualquer área.”
José Luiz Carlos Kugler, coordenador do MBA em Business Analytics e Big Data da FGV, enxerga que ainda há espaço para os cursos tornarem-se mais heterogêneos. Isso porque, no caso da FGV, que é uma escola voltada para negócios, profissionais das áreas de administração sempre buscaram por cursos de tecnologia na instituição. No entanto, com a popularização de temas relacionados à IA, Kugler avalia que, para os próximos anos, é possível uma maior diversificação dos públicos.
“Sempre tivemos públicos de diferentes carreiras em nossos cursos, mas hoje tornou-se mais urgente para todo tipo de empresa pensar nas novas tecnologias e nos dados”, afirma. “Por isso, a tendencia é que as turmas se tornem cada vez mais heterogêneas. E elas precisam ser assim, porque é dessa forma que as empresas funcionam”, diz.
Fonte: Estadão Conteúdo