Em depoimento à 5ª Vara Criminal de Brasília, integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) contaram como entraram na facção e deram detalhes do que, supostamente, fizeram em nome da organização criminosa no Distrito Federal.
O grupo foi preso no âmbito da Operação Fora do Ar, deflagrada pela Polícia Civil local (PCDF) em dezembro de 2018. O julgamento, no entanto, só ocorreu neste ano. Dez réus foram condenados por integrar a organização criminosa. Investigações apontaram que o bando tinha planos para queimar ônibus e matar autoridades da capital da República.
Um dos criminosos afirmou à Justiça que passou a integrar a facção “por curiosidade”. Alegou que conheceu “um pessoal, por meio de um grupo do Facebook”. As conversas com as lideranças eram feitas via celular.
Outro preso também relatou que teve contato com o PCC por meio das redes sociais, em um grupo fechado no Facebook.
Relatou que recebeu o convite para entrar na facção, mas defende que aceitou “porque devia estar drogado, pois era usuário de maconha”. Disse que passou seu número de WhatsApp, e uma pessoa de fora do DF entrou em contato. O estatuto com as regras da facção foi enviado pelo aplicativo de mensagem.
Em depoimento, um terceiro autor também afirma que foi “batizado” por meio de mensagens no Facebook e, a partir de então, passou a integrar a quadrilha. Disse que passou a ser considerado como “irmão” e recebeu a promessa de carro e dinheiro, caso cometesse crimes em nome da facção.
Todos os criminosos contam que entravam em contato com lideranças de outros estados e recebiam instruções do que deveriam fazer e como agir. Pontuam que a facção pedia dedicação exclusiva e dava ordem para que eles deixassem o emprego, caso estivessem no mercado formal de trabalho. Alguns atuavam como entregador de pizza no DF.
Entre as ordens recebidas, todas descritas no estatuto da facção, estão: coordenar células criminosas na capital e aliciar novos integrantes. Conferências feitas por telefone chegavam a reunir de 30 a 40 pessoas.
Empresa
Os investigadores definem o PCC como uma espécie de empresa com funções definidas e hierarquia a ser respeitada. Um caderno (veja foto abaixo) encontrado por policiais civis do DF com um dos suspeitos de integrar a facção mostra como funciona o esquema de cooptação de membros e de arrecadação de fundos.
Pagando mensalidade de R$ 200, chamada de “cebola”, os detentos garantiam direito a advogados e outras vantagens. As anotações mostram que o “sistema” é organizado e age em todo o território nacional. Cada “irmão” recebe um número de matrícula. Porém, para atrair novatos, o PCC fez uma promoção: os novos aliados estavam isentos de pagar a contribuição.
Organização
Segundo diligências policiais, a história do PCC em Brasília começou em 5 de março de 2001, após o chefe máximo da organização desembarcar no DF. Depois de peregrinar por diversos presídios do país, Marcos Herbas Camacho, o “Marcola”, foi recolhido ao Centro de Internação e Reeducação (CIR), na Papuda, complexo gerido pelo governo local. Apesar de a estadia ter sido curta – ficou preso até 8 de fevereiro de 2002 –, ele deixou marcas profundas tanto na mentalidade da massa carcerária quanto na segurança pública da capital da República.
No curto período em que esteve no CIR, Marcola criou um braço do PCC chamado pelos criminosos de Partido Liberdade e Direito (PLD). Investigadores identificaram que a facção havia sido constituída nos mesmos moldes da organização paulista, inclusive em relação às regras contidas em seu estatuto.
A facção definiu uma série de terminologias para facilitar a comunicação dentro da Papuda. As ordens da cúpula eram transmitidas de dentro dos presídios pelos “torres”, criminosos responsáveis pelo repasse de informações aos “pilotos”, presidiários escolhidos para coordenar os integrantes do PCC que estavam atrás das grades.
Os levantamentos feitos pela polícia mapearam que o organograma do PCC seria rígido e semelhante a uma estrutura militar, com níveis de comando hierarquizados, divididos em escalões de acordo com o poder exercido pelos membros e suas respectivas funções. A organização criminosa ainda construiu uma rede de colaboradores, formada por advogados, familiares, namoradas e visitantes.
Conduzidas pelo regimento da organização, essas pessoas são responsáveis pela articulação dos interesses dos integrantes do PCC, dando suporte jurídico, psicológico e, principalmente, financeiro, inclusive com o gerenciamento de contas bancárias alimentadas com dinheiro faturado em ações criminosas.
Sobre as contas bancárias ligadas ao PCC, as investigações apontam que apenas 20% delas estariam relacionadas a movimentações financeiras de alto valor, acima de R$ 100 mil. O restante seria feito por meio de pequenos depósitos.
Além das contas administradas pelos colaboradores da facção, grande parte dos recursos do PCC estaria ligada a empresas de fachada, como pequenas redes de supermercados, negócios imobiliários, restaurantes, agências de automóveis e até cooperativas de transporte de São Paulo.