Relatório destrincha recursos que alimentaram a retórica peculiar da conspiração do golpe
O inquérito da Polícia Federal (PF) sobre a trama golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados apontou uma série de características da estrutura que pretendia aplicar um golpe após as eleições presidenciais de 2022. Dentre elas, aretórica religiosa se destaca.
No documento, a PF afirma que a conspiração golpista foi estruturada através de uma retórica peculiar, que desempenhou um papel essencial para mobilizar apoiadores, intimidar opositores e justificar ações antidemocráticas.
“Frases de efeito, metáforas marcantes e discursos inflamados foram usados como armas retóricas para transformar uma narrativa golpista em um suposto movimento patriótico”, diz um trecho do documento.
Uma das técnicas foi justamente a retórica religiosa, com frases como “Deus está ao nosso lado nesta batalha”, dita por líderes religiosos alinhados a Bolsonaro e amplamente difundida em manifestações e eventos.
A tentativa de envolver a fé religiosa no plano político, segundo a PF, buscava mobilizar apoiadores, conferindo ao movimento um tom quase messiânico.
Outra característica de destaque foi o uso decitações bíblicas em discursos políticos. “Referências constantes à Bíblia, como “a verdade vos libertará” e “uma batalha contra o mal”, foram usadas para reforçar a narrativa de que o golpe era uma missão divina para salvar o Brasil”, constatou a PF no inquérito.
Outros recursos que alimentaram a retórica golpista também foram apontados no documento, como o uso intensivo de frases de impacto por Bolsonaro, o estilo agressivo contra opositores, a narrativa de resistência, o uso de um tom quase cinematográfico e contradições e improvisos. Confira abaixo os trechos do inquérito que destacam esses recursos.
A retórica do golpe
Frases de Impacto de Bolsonaro
- “A história não vai lembrar quem jogou pelas regras”:
Durante reuniões estratégicas, Bolsonaro teria usado essa frase para incitar aliados a ignorarem normas constitucionais e seguirem em frente com o plano golpista. A declaração exemplifica a postura do ex-presidente em relação à legalidade e sua determinação em manter o poder.
- “Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês!”:
Esse apelo direto a militares buscava mobilizá-los para atuar em defesa de um suposto “interesse popular”. Foi repetido em discursos públicos e reuniões privadas, indicando a tentativa de cooptar o Exército para legitimar o golpe.
Estilo Agressivo contra opositores
- “Traidores da pátria”:
Membros do Judiciário e políticos contrários à narrativa golpista foram repetidamente rotulados como traidores. Esse tipo de retórica era amplificado nas redes sociais, alimentando a polarização.
- “Precisamos calar essas vozes do Judiciário”:
Relatórios indicam que essa frase foi usada em reuniões privadas para justificar o plano de neutralização de opositores, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal.
A narrativa de resistência
- “Liberdade ou morte”:
Usada como lema em manifestações e impressa em uniformes personalizados, essa frase buscava evocar um sentimento de heroísmo e martírio entre os apoiadores.
- “Só os fortes perseveram”:
Repetida em mensagens enviadas por líderes do movimento, a frase buscava reforçar a ideia de que o plano golpista era uma luta de resistência contra forças externas e internas que “ameaçavam” o Brasil.
O tom quase cinematográfico
- “Punhal Verde Amarelo”:
Nome dado ao plano operacional, essa expressão simboliza a tentativa de transformar o golpe em um evento histórico e épico. Sua escolha reflete a tentativa de glorificar uma ação inconstitucional como um ato de heroísmo.
- “Estamos escrevendo a história”:
Utilizada para motivar os envolvidos, essa frase buscava dar um tom de grandiosidade às ações, apelando à ambição de se tornarem “heróis nacionais”.
Contradições e improvisos
- “Nada está perdido, só depende de nós”:
Repetida após falhas operacionais, essa frase exemplifica a mistura de determinação e desespero que permeava o movimento golpista.
- “A paz vem depois da tempestade”:
Usada para justificar o caos planejado, a frase sugere que os atos golpistas eram apenas uma etapa necessária para alcançar um suposto bem maior.
Conclusão
“A retórica peculiar dos líderes golpistas revelou muito mais do que intenções: ela foi uma ferramenta de manipulação, inspiração e intimidação. Por meio de frases cuidadosamente escolhidas e discursos inflamados, os líderes da conspiração criaram uma narrativa poderosa para atrair e mobilizar seguidores, mesmo que isso significasse romper com as bases do Estado Democrático de Direito”, conclui a PF.