Imaginem uma mulher no fim dos anos 30 se separar do marido já com um filho, ir trabalhar fora e casar-se de novo, numa época em que nem existia o divórcio.
Imaginem agora se essa mesma mulher tivesse dado ouvidos a pessoas que diziam: ‘Não, Aracy, você não pode fazer isso, pois você é mulher e isso é errado aos olhos de Deus’.
Paranaense, filha de pai português e mãe alemã, ainda criança foi morar com os pais em São Paulo. Em 1930, Aracy casou com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess, mas cinco anos depois se separou, indo morar com uma tia na Alemanha.
Por falar quatro línguas: português, inglês, francês e alemão, conseguiu uma nomeação no consulado brasileiro em Hamburgo, onde passou a ser chefe da Secção de Passaportes.
No ano de 1938, entrou em vigor, no Brasil, a Circular Secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. Um acordo assinado entre a Alemanha de Hitler e o governo brasileiro.
Aracy ignorou a circular e continuou preparando vistos para judeus, permitindo suas entradas no Brasil. Como despachava com o cônsul geral, ela colocava os vistos entre a papelada para as assinaturas.
Para obter a aprovação dos vistos, Aracy simplesmente deixava de pôr neles a letra J, que identificava quem era judeu. Nessa época, João Guimarães Rosa era cônsul adjunto. Ainda não eram casados. Ele soube do que ela fazia e apoiou sua atitude e Aracy intensificou aquele trabalho, livrando muitos judeus da prisão e da morte.
Aracy tem hoje seu nome no Jardim dos Justos em Israel. Ao lado, um diploma do Museu do Holocausto.
Aracy permaneceu na Alemanha até 1942, quando o governo brasileiro rompeu relações diplomáticas com aquele país e passou a apoiar os Aliados da Segunda Guerra Mundial. Seu retorno ao Brasil, porém, não foi tranquilo. Ela e Guimarães Rosa ficaram quatro meses sob custódia do governo alemão, até serem trocados por diplomatas alemães.
Aracy e Guimarães Rosa casaram-se, então, no México, por não haver ainda, no Brasil, o divórcio. O livro de Guimarães Rosa ‘Grande Sertão: Veredas’, de 1956, foi dedicado a Aracy.
Sua biografia inclui também ajuda a compositores e intelectuais durante o regime militar implantado no Brasil em 1964.