Maria José Rocha Lima[1]
Há alguns anos estive nos Estados Unidos, numa missão do Ministério da Educação, e ouvi relatos de pessoas que lidam com tragédias, reveses da vida, sem mimimi. Cheguei ao Brasil e pensei em escrever um projeto sobre heróis do cotidiano. O projeto que anos mais tarde escrevi deve selecionar histórias de pessoas que se aventuram pela vida afora, com coragem, determinação, confiança no próprio taco e em Deus. Comecei a relacionar as pessoas que me rodeiam e que se encaixam nesse perfil. Lembrei-me de duas mulheres incríveis: Conceição Cabeleireira e Ione Cardoso, que é manicure. E cuidam de mim há quase duas décadas. Elas acompanharam os momentos felizes e outros mais turbulentos da minha vida. As duas muito me ensinam muito sobre a coragem e determinação para viver, sem ficar como os Podres de Mimados, como escreveu Theodore Dalrymple, psiquiatra inglês. Podres de mimados trata de um único tema: como o culto do sentimentalismo e do vitimismo tem nos imobilizado e destruído nossa capacidade de pensar e até a consciência de que é necessário pensar. O autor nos mostra as consequências sociais e políticas das ações de uma sociedade que se permite pautar predominantemente pelos sentimentos.
Conceição perdeu dois filhos: um desses era segurança de uma boate de Brasília e foi assassinado por um boy da elite brasiliense, e a outra era uma filha, que faleceu de Covid e deixou três filhos. Ela a chamava “minha Mara”. Apesar dessas perdas tão difíceis, Conceição segue cuidando dos netos, trabalhando duramente, sem queixas, fazendo de cada dia um dia de batalha. O que qualquer um, especialmente os podres de mimados, julgaria impossível. Ela descobre forças em algum lugar no recôndito do seu ser e segue o ritmo da rotina, cumprindo todas as suas responsabilidades com determinação. Já idosa, ela, que parecia precisar de pouco esforço, tem sua casa e sua aposentadoria, mas ao longo do trajeto apareceram mais responsabilidades. De repente, ela tem um mundo sobre as suas costas e consegue dar conta, sem queixas. Conceição parece entender que “no fazer é que se existe”. Como no provérbio angolano, “se deitarmos, estamos mortos”. Eu acredito que devem rolar gotas de suor, misturadas às lágrimas, mas o orgulho, a dignidade, a responsabilidade e o amor que dedica aos seus filhos e netos abrandam as suas dores. Conceição é uma heroína do cotidiano: ela vence a labuta diária, sem poderes mágicos e bem distante das câmeras e holofotes, no seu silêncio reside em segredo a força dos heróis diante das tragédias e vicissitudes da vida.
[1] Maria José Rocha Lima é mestre em educação e doutora em psicanálise. Foi deputada por dois mandatos. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e diretora administrativa da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise- ABEPP. Membro da Soroptimist International SI Brasília Sudoeste.