Ministro está sob fogo cerrado desde a revelação de que mantém empresa em paraíso fiscal. Em julho, ele teria agido para retirar do projeto de reforma do IR regra que tributaria recursos das chamadas offshores, o que evidenciaria um conflito de interesses
O ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém a agenda de compromissos, mas tem se mostrado calado e evitado a imprensa nos últimos dias, desde que a existência da offshore Dreadnoughts International Group, de propriedade dele, mantida no Caribe, foi revelada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, sigla em inglês). Ontem, manifestantes protestaram em frente ao prédio do ministério, o que teria deixado Guedes “perplexo” e “chateado”, segundo auxiliares.]
Na quarta-feira, os advogados de Guedes se anteciparam aos eventuais pedidos da Procuradoria Geral da República (PGR) e entregaram documentação para demonstrar que o ministro não ocupa cargo administrativo na offshore desde que assumiu o posto no governo, em janeiro de 2019. A antecipação da defesa se deu após o procurador-geral da República, Augusto Aras, abrir investigação preliminar sobre o caso. Também na quarta, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 310 votos a 142, a convocação de Guedes, que terá que se explicar sobre o patrimônio mantido em paraíso fiscal, estimado em US$ 9,5 milhões.
A defesa do ministro argumenta que a offshore de Guedes é legal e que o patrimônio dele, tanto como empresário quanto como investidor, foi construído antes da ocupação do cargo público.
“Paulo Guedes, tanto em sua vida privada, quanto no exercício da função pública, sempre se pautou pelos regramentos legais e éticos existentes, tendo sempre apresentando a documentação pertinente ao lídimo exercício do cargo, à Comissão de Ética Pública e demais órgãos competentes”, afirma nota à imprensa, assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, que defendem o ministro. A dupla afirma que Guedes, “em hipótese alguma, teve seus investimentos beneficiados em razão do cargo que ocupa”.
O cientista político e advogado, Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, explica que apenas o fato de o ministro ter offshore, em si, não é um grande problema. “A questão é a suspeita de movimentação dessas offshores sendo que ele é um agente público que tem literalmente o poder de manipular a política econômica do Brasil, incorrendo em uma sombra de conflito de interesses. Isso é extremamente negativo”, avaliou.
Para Azevedo, é preciso maior apuração e indícios mais firmes para uma acusação concreta. “Não há como confirmar, sem maiores evidências, que há efetivo conflito de interesses”, disse. A convocação da Câmara, contudo, é correta na avaliação do especialista. “A mera suspeita, considerando a posição e a importância do ministro, é algo grave demais e precisa de explicações concretas”, declarou.
A abertura de empresa ou conta no exterior não é ilegal, desde que declarada à Receita Federal. A lei determina, porém, que funcionários e pessoas em cargos públicos de alto escalão, como o de Guedes, não podem manter aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, o que confrontaria a Lei nº 12.813 que dispõe sobre conflito de interesses.
Vantagem no IR
Uma das ações do ministro que pode caracterizar conflito de interesses foi a retirada da regra que tributaria recursos em paraísos fiscais do projeto de lei da reforma do Imposto de Renda, em julho passado. O ministro também teria atuado para ampliar o limite de depósitos em contas no exterior que dispensam declaração à Receita. Essa última ação contou com a participação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também teve offshores reveladas pelo consórcio internacional de jornalistas.
Na avaliação de Azevedo, o alarde em torno do tema poderia ser evitado com mais transparência por parte do ministro, especialmente porque gera impacto econômico e político negativos, e pode dificultar ainda mais a tramitação de pautas do Executivo no Congresso Nacional. “É um barulho desnecessário, que joga uma suspeita sobre o ministro que poderia ser evitada com ações simples de transparência em relação ao controle da gestão do trust”, criticou. (CB)