A cúpula do Exército atuou para blindar o comandante no episódio, após o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, entrar no circuito
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Generais que integram o Alto Comando do Exército consideram que o incômodo do presidente Jair Bolsonaro (PL) com diretrizes básicas para a pandemia não provocou nem mesmo uma minicrise entre os militares e o governo.
Esses oficiais, ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato, afirmam que o documento produzido pelo comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, foi uma peça burocrática, sem motivo para um novo capítulo de estremecimento das relações entre Bolsonaro e o comando da Força.
A cúpula do Exército atuou para blindar o comandante no episódio, após o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, entrar no circuito.
O comando da Força cogitou elaborar uma nota pública com esclarecimento sobre o documento elaborado por Oliveira.
Ele estabelece diretrizes favoráveis a vacinação, uso de máscaras, distanciamento social e compartilhamento de informações corretas na atual fase da pandemia. Bolsonaro é um negacionista em relação aos quatro itens.
Braga Netto foi o interlocutor das insatisfações do presidente, embora pessoas ligadas ao ministro afirmem que não houve exigência para a elaboração de uma nota pública.
A ideia acabou sendo abortada, pelo menos até agora, diante da constatação de que um esclarecimento não se fazia necessário. Uma nota alimentaria uma crise que, na visão de generais do Alto Comando, não existia nem deveria existir.
Esses militares repisaram ao longo da sexta-feira (7) que as diretrizes do comandante do Exército eram administrativas e seguiam linha já adotada por seu antecessor no cargo, general Edson Leal Pujol, no ano anterior.
As orientações são semelhantes no caso de uso de máscaras, distanciamento social sempre que possível e vedação do compartilhamento de fake news sobre a pandemia.
A inovação ocorre em relação à vacinação, pela razão óbvia de que a campanha de imunização deslanchou ao longo de 2021.
Neste caso, ainda segundo a informação repisada na sexta, o comandante do Exército usou como base uma diretriz do próprio ministro da Defesa.
Assim, se Bolsonaro fosse levar adiante a queixa contra o ato do Exército, deveria estendê-la a seu ministro da Defesa, conforme integrantes da Força. Braga Netto foi colocado no cargo para atender aos interesses diretos do presidente.
No dia seguinte, o próprio Bolsonaro tornou público um encontro dele com o comandante do Exército. E disse não ter existido qualquer exigência de retificação ou explicação.
“Não, exigência nenhuma. Não tem mudança. Pode esclarecer. Hoje [sábado, 8] tomei café com o comandante do Exército. Se ele quiser esclarecer, tudo bem, se ele não quiser, tá resolvido, não tenho que dar satisfação para ninguém de um ato como isso daí. É uma questão de interpretação”, afirmou o presidente, em entrevista a jornalistas.
No exercício do cargo de comandante do Exército, Oliveira já atendeu a um interesse direto de Bolsonaro e Braga Netto. Ele aceitou a pressão dos dois e arquivou processo disciplinar aberto para apurar a manifestação política por parte do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde.
Pazuello subiu em um palanque com Bolsonaro e discursou a apoiadores. Isto ocorreu em junho de 2021.
Entre militares, há uma percepção de que o episódio relacionado às diretrizes para a pandemia indica uma tentativa de distanciamento do bolsonarismo, em um momento de enfraquecimento político do presidente.
Oliveira chegou ao cargo de comandante após a maior crise militar desde a década de 1970.
Para ampliar a ingerência e a influência nas Forças Armadas, Bolsonaro demitiu, em março de 2021, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e os três comandantes das Forças.
Para o cargo de ministro, o presidente escolheu Braga Netto, um general da reserva alinhado ao bolsonarismo e que vem colocando em prática o plano de Bolsonaro de buscar ter mais ingerência nas Forças.
Os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Junior, e da Marinha, almirante Almir Garnier, já deram demonstrações públicas de alinhamento ao bolsonarismo.
Nem a Aeronáutica nem a Marinha responderam à reportagem se os respectivos comandantes editaram diretrizes semelhantes às do Exército para a atual fase da pandemia.
O comandante do Exército condicionou o retorno de militares ao trabalho presencial à vacinação contra a Covid-19, mas deixou em aberto a possibilidade de “casos omissos sobre cobertura vacinal” serem analisados pelo DGP (Departamento Geral do Pessoal) da Força.
O documento foi finalizado no dia 3 e tem 52 diretrizes a serem seguidas por órgãos de direção e comandos militares de área.
A vacinação contra a Covid-19 é tratada em uma única diretriz, a de número 22, que propõe “avaliar o retorno às atividades presenciais dos militares e dos servidores, desde que respeitado o período de 15 dias após imunização contra a Covid-19 (uma ou duas doses, dependendo do imunizante adotado)”.
O comandante, porém, faz uma ressalva: “Os casos omissos sobre cobertura vacinal deverão ser submetidos à apreciação do DGP, para adoção de procedimentos específicos”.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou em reportagem publicada no dia 24 de dezembro que Exército, Aeronáutica e Marinha permitem que militares da ativa deixem de se vacinar contra a Covid-19, embora haja obrigatoriedade estabelecida para imunização contra febre amarela, tétano, hepatite B e outras doenças.
Militares e servidores que voltarem de viagem internacional devem ter feito teste RT-PCR no país de origem, em até 72 horas antes do embarque.
Uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos devem ser mantidos, conforme a diretriz do comandante.
A nova diretriz proíbe que militares compartilhem notícias falsas sobre a pandemia de Covid-19 em redes sociais. O documento também diz que militares devem orientar familiares e pessoas de seu convívio sobre a conduta.