Ministro também votou pela incompetência absoluta da Primeira Turma de analisar o caso.

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela “incompetência absoluta” da Corte na ação penal em que são réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete integrantes do núcleo crucial da chamada trama golpista.
Fux é terceiro dos cinco integrantes da Primeira Turma do STF a votar no julgamento – faltam ainda Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Nesta terça-feira (9), tanto o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, quanto Flávio Dino votaram pela condenação dos réus apontados pela Procuradoria-Geral da República, deixando o placar em 2 a 0.
- Em sua manifestação, Fux argumentou que os réus não são pessoas com prerrogativa de foro privilegiado, ou seja, não têm o direito a julgamento em uma instância superior (leia mais abaixo).
- Também acrescentou que, mesmo se o STF tivesse de julgar a ação, não seria a Primeira Turma (composta por cinco ministros) a mais adequada a fazê-lo – mas, sim, o plenário da Corte (composto por 11 ministros).
O voto de Fux marcou a retomada, na manhã desta quarta, do julgamento dos oito réus da trama golpista. Eles são acusados de cinco crimes: golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; organização criminosa armada; dano qualificado contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.
Fux iniciou a fala abordando as questões preliminares, que são questionamentos processuais levantadas pelas defesas.
Também destacou a importância do papel do juiz e do seu distanciamento: “A Constituição da República delimita de forma precisa e restrita a hipótese que nos cabe atuar originariamente no processo penal. Trata-se, portanto, de competência excepcionalíssima, tal atribuição aproxima o Supremo dos juízes criminais de todo o país”.
E prosseguiu: “O juiz, por sua vez, deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa e acusatória, mas com o dever de imparcialidade. A despeito dessa limitação, o juiz funciona como controlador da regularidade da ação penal, e segundo é o juiz quem tem a palavra final sobre a justa correspondência de fatos e provas”.
Veja, abaixo, o que decidiu Fux na primeira parte de seu voto:
- Organização criminosa –considerou a acusação improcedente, por falta de vínculo estável e permanente entre os réus.
- Armas de fogo – rejeitou a majorante de uso de armas, já que a denúncia não descreveu emprego efetivo.
- Danos ao patrimônio – afirmou que não é possível responsabilizar os réus por crimes cometidos por terceiros nos ataques de 8 de janeiro.
- Crimes de golpe e abolição –sinalizou que não podem ser somados, pois um pressupõe o outro.
Incompetência do STF e da Primeira Turma
A mencionar a incompetência do STF em julgar a ação, Fux argumentou que os réus não têm a prerrogativa de foro: “Sinteticamente, ao que vou me referir é que não estamos julgando pessoas que têm prerrogativa de foro, estamos julgando pessoas sem prerrogativa de foro”.
“Compete ao STF precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente, a membros do Congresso Nacional, seus próprios ministro e o procurador-geral da República. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar, antes de ingressar na denúncia ou petição inicial, é verificar se ele é competente.”
Ele disse ainda que, na época dos eventos julgados na trama golpista, a regra era outra: só tinha foro privilegiado quem estava efetivamente exercendo mandato.
Nesse sentido, o ministro declarou a nulidade de todos os atos decisórios praticados pelo STF na ação penal: “Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência dessa Corte. Concluo, assim, pela incompetência absoluta do STF para o julgamento desse processo, na medida que os denunciados já havia perdidos seus cargos”.
Outro ponto levantado por Fux, em caso de o julgamento permanecer na alçada do STF, refere-se à incompetência da Primeira Turma em analisar o caso. O ministro defendeu que esse papel deveria ser exercido pelo plenário, composto por mais ministros.
“Os réus não têm prerrogativa de foro porque não exercem função prevista na Constituição. Se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão maior da Corte”, justificou.
“Acolho essa preliminar [sobre a incompetência da Primeira Turma] e também declaro a nulidade de todos os atos praticados por este STF.”
Quando o plenário começou a julgar os primeiros réus do 8 de Janeiro, em setembro de 2023, Fux acompanhou o relator, Alexandre Moraes, sem questionar a competência da Corte para analisar os casos dos que depredaram os prédios públicos, que não tinham prerrogativa de foro especial.
As críticas de Fux ao foro adequado para o julgamento da trama golpista se consolidaram neste ano, principalmente no julgamento do recebimento da denúncia contra o núcleo crucial, em março. Naquela ocasião, o magistrado destacou que concordava com as alegações das defesas.
Cerceamento de defesa
Fux também acolheu os argumentos sobre o cerceamento da defesa, por conta da dificuldade de acessar os documentos do processo, e afirmou: “O devido processo legal vale para todos. Nesse ponto, eu grifo o que tem sido denominado de document dumping, a disposição tardia de um grande número de dados”.
“Em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, sem identificação com antecedência dos dados, eu acolho a preliminar de violação constitucional de ampla defesa e declaro cercamento de defesa.”
Validade da delação
Fux também votou pela validade da delação de Mauro Cid, com benefícios concedidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR):
“Nesse caso, o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado e as advertências pontuais feitas pelo relator ao colaborador. Isso faz parte do rol de perguntas que se pode fazer ao colaborador. E, na verdade, esse colaborador ele acabou se autoincriminando, porque ele confessa”.
“Nesse sentido, parece-me desproporcional a anulação dessa delação. Estou acolhendo a conclusão do relator, o parecer do MP e voto nos sentido de se aplicar ao colaborador ou benefícios propostos pela PGR.”
Suspensão da ação penal de Ramagem
Em seu voto, Luiz Fux considerou suspensa a ação penal que envolve o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.
“Estamos no caso da organização criminosa diante de um único crime que se prorrogou no tempo. O crime de organização criminosa, é um só. Seja no momento anterior ou posterior do réu, Alexandre Ramagem. Por essa razão eu voto pela extensão dos efeitos da decisão dessa turma para suspender a ação penal em relação a esse réu e a respectiva prescrição”, argumentou.