Trecho de aula online para alunos de uma universidade particular de Ourinhos (SP) viralizou e causou polêmica nas redes sociais. Fábio Alonso, que é delegado aposentado e coordenador do curso, afirmou que não teria usado exemplo se tivesse imaginado a repercussão negativa.
O professor do curso de Direito de uma universidade particular de Ourinhos (SP) que causou o polêmica nas redes sociais ao dizer que o comportamento de vítimas de estupro podem “colaborar” com o crime se retratou e pediu desculpas sobre a declaração.
Fábio Alonso, que é delegado aposentado e também coordenador do curso, disse que foi infeliz ao usar o exemplo do crime de estupro.
“Eu gostaria de me retratar e de pedir desculpas às pessoas que tiveram acesso ao vídeo, porque fui infeliz no exemplo que foi dado.”
“Eu estava dizendo que o juiz, no momento em que ele vai dosar a pena, tem que analisar as circunstâncias judiciais que estão expressamente previstas no artigo 59 do Código Penal, que dizia: a pessoa pode ter bons antecedentes e pode ter maus antecedentes, pode agir com maior ou com menor culpabilidade”, disse em entrevista ao TEM Notícias deste sábado (17).
No vídeo que viralizou nas redes sociais na última sexta-feira (16), é um trecho de uma aula de uma hora e meia onde o professor diz aos alunos:
“Vamos pensar: o que é mais fácil estuprar? Uma freira de hábito ou aquela menininha com a cinta larga? Fala para mim. Que vítima colabora mais com a prática do crime de estupro? Eu estou falando em tom de brincadeira, mas eu quero que vocês imaginem isso.”
Em entrevista ao G1, Fábio disse que, se soubesse que a declaração teria tamanha repercussão, não teria utilizado o exemplo.
Repercussão negativa
Segundo um dos alunos ouvidos pela reportagem do G1, a declaração ocorreu durante uma aula online na terça-feira (13). De acordo com ele, o professor usou a frase para exemplificar um assunto da disciplina em relação ao que se leva em consideração para chegar à pena do condenado.
“Ele usou isso para exemplificar, disse que não incentivava, só que ele ia usar como um exemplo. Teve até um momento em que ele falou que estava usando esse tom de piada, mas para explicar a matéria. Eu acho que o pessoal ficou um pouco assustado com o exemplo”, conta o estudante.
Em um outro momento do vídeo, durante a explicação, o professor também disse:
“Quem apanha mais? Não estou dizendo que isso tem feito, estou falando para vocês, vamos ser realistas. Quem apanha mais? A mulher passiva, que fica quietinha, que vê quando o marido chegou de cara cheia, ou aquela que começa ‘ai, bebeu de novo, trabalhar que é bom você não quer, né seu vagabundo?’ Quem apanha mais? A quietinha ou a bocuda?”, declarou no vídeo.
O universitário disse ao G1 que declarações desse tipo são feitas com frequência pelo professor, e que muitos estudantes ficaram indignados com os exemplos dados em aula.
“A gente está revoltado por não ter acontecido nada até o momento. A gente quer, nesse momento, que a instituição tome uma atitude. Mesmo em tom de brincadeira, isso não é brincadeira, é um discurso que mata”, disse o aluno.
Nas redes sociais, usuários reprovaram a atitude do professor. “Meu Deus, eu estou com o coração acelerado vendo esse vídeo”, comentou uma internauta. “Repúdio e responsabilização”, disse outro usuário.
‘Não foi para ofender’
Fábio disse que, no momento da declaração sobre estupro, ele estava desenvolvendo um raciocínio com os alunos sobre o processo de dosagem da pena.
“Um juiz analisa, em um primeiro momento, as circunstâncias judiciais. A pessoa pode ter bons antecedentes ou maus antecedentes e, dentro desse rol, também está o comportamento da vítima. Antes de dizer o exemplo, eu disse: ‘eu não compactuo com isso, mas quero que vocês entendam que há uma diferença entre o estupro de uma freira de hábito e uma menina de mini saia’, não lembro qual termo eu usei em relação a isso”, conta.
O professor afirmou que em momento algum imaginou que poderia ter sido interpretado dessa forma e que utiliza esse exemplo nas aulas há pelo menos 15 anos.
“O que eu fiz não foi para ofender ninguém, foi com fins didáticos, e seria algo no mínimo deselegante querer associar com qualquer instituição. A instituição não tem nada com isso. E, em momento algum, eu fiz referência à condição de mulher como vítima”, explica.
O Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos (Unifio) publicou uma nota no site da instituição sobre o ocorrido:
“A Unifio esclarece que repudia qualquer tipo de discriminação ou ato de preconceito, seja por deficiência física ou mental, cultura, religião, nacionalidade, raça, classe social ou identidade de gênero. Assim, após tomar conhecimento da divulgação do ocorrido pelas redes sociais, a Unifio está apurando os fatos para análise de eventual necessidade de adoção de providências, sempre respeitando o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa.”
Ainda na nota publicada, a universidade disse que irá propor um workshop para debater o tema com profissionais da área e a comunidade, com o intuito de promover mais conhecimento e cumprir com o seu papel educacional.
“A fim de cumprir o propósito de promover o melhor ambiente de estudos, entendemos salutar fomentar amplo debate de caráter científico, de forma que organizaremos, promoveremos e divulgaremos um workshop para debate do tema com a comunidade acadêmica e jurídica, propiciando a participação dos integrantes da sociedade, aproveitando assim o episódio que causou polêmica para viabilizar a discussão do assunto em todas as suas vertentes, sob a ótica jurídico-científica atual, e, dessa maneira, contribuir para o aprimoramento científico, que é o objetivo da nossa instituição educacional.”
O que diz a lei
O advogado da área penal e presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB de Sorocaba (SP), Marcelo Savoi Pires Galvão, explicou, em entrevista ao G1,que há exemplos em livros didáticos de quais elementos são levados em consideração durante o julgamento de um caso.
“O artigo 59 do Código Penal traz vários requisitos que devem ser levados pelo juiz, como os antecedentes de quem cometeu o crime, a personalidade, quais consequências esse crime teve, se gerou lesões graves fisicamente na vítima ou se causou um grande prejuízo patrimonial. Dentre todos esses elementos que devem ser considerados tem também o comportamento da vítima.”
Ainda segundo o advogado, a referência comportamental da vítima é avaliada no processo. “O professor não cometeu nenhum crime por citar esse exemplo. É um exemplo que consta na literatura. Existem outros exemplos e a lei consta isso. A lei diz que, se uma vítima se comportar de uma maneira que contribua para a prática do crime, a pena vai ser reduzida”, explica o advogado.
“É inadmissível que um professor que forma os futuros operadores do direito, seja advogados, juízes, promotores, defensores, passe a ensinar o ‘não direito’ para os seus alunos e alunas. Ele deu exemplos misóginos. Ele comenta e reproduz uma cultura que não se aceita mais em uma sociedade civilizada”, diz a desembargadora Kenarik Boujikyan sobre o caso. (G1)