Maria José Rocha Lima*
Que curioso alguém pensar que a educação é que precisa ser curada e não os milhões de jovens e crianças afetadas pela educação! Aos oito anos de idade, Françoise Dolto disse que queria ser médica da educação, perguntaram-lhe o que era médico da educação e ela respondeu:
“um médico da educação, um médico que soubesse que os problemas na educação podem provocar doenças nas crianças, não verdadeiras doenças, mas capazes de causar aborrecimentos para as famílias e complicar a vida das crianças, que poderiam sem isso viver muito mais tranquilas” (Pivot, 1989).
Muito mais tarde, já com 23 anos, definiu sua “profissão” como sendo “a tentativa de curar e também de prevenir”. O amigo a quem ela confessou seu desejo de curar a educação lhe disse então que ela precisava conhecer a Psicanálise.
Françoise Dolto comentou que os adultos não entendiam as crianças e, por isso, ela precisava dedicar sua vida à causa das crianças. Estava nascendo ali a grande psicanalista de crianças em que iria se transformar anos depois. Mas não apenas isso: nascia, ali, todo um trabalho que começou com as análises de crianças.
Françoise Dolto prosseguiu seu trabalho, buscando sempre esclarecer os pais e depois os professores, na tentativa de evitar que “os problemas de educação”, segundo ela, “tirassem a tranquilidade das crianças”.
Dolto tem uma extensa parte de sua obra dedicada a uma profunda e consequente reflexão sobre a educação. A médica também parece sugerir que a educação precisa ser tratada, medicada, já que tem “problemas”.
Os médicos precisam tratar da “educação doente”. Por isso, F. Dolto é algumas vezes confundida com os higienistas, uma prática que já estava instalada na cultura ocidental desde o século XIX.
Para mim, não se trata disso. Ela entendia que é preciso educar as famílias, que quase sempre, por ignorância, adoecem psiquicamente os seus filhos, por não saberem educar, enfim. Por isso, precisavam ser ensinadas a educar os seus filhos. O que não é tarefa fácil.
Dolto estava “afinada” com seu tempo, e sabia da importância da figura do médico na vida das famílias. Mas queria usar esse poder para tornar mais tranquila a vida das crianças, objetivo bem diferente daquele do movimento higienista. Tudo o que desejava, conta Dolto em seu livro autobiográfico Enfances, de 1986, “era ser uma pediatra que compreendia a psicologia das crianças”.
*MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre e doutora em educação e psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da ABEPP. Coordenadora do Programa Sonhe Realize do Soroptimist International – SI Brasília Sudoeste.