Travessia do Funicular, proibida por ser uma das mais perigosas do estado, é frequentada por pessoas que querem percorrer trajeto de via férrea abandonada desde 1982.
Por Carlos Henrique Dias, Maurício Ferraz, g1 SP
Morador de Jundiaí coleciona selfies; imagem cedida ao g1 em 2019 — Foto: Arquivo pessoal
A Travessia do Funicular, uma trilha ilegal e considerada pela Fundação Florestal como uma das mais perigosas da Serra do Mar de São Paulo, atrai visitas clandestinas e turistas que se arriscam para registros de selfies e até ensaios fotográficos.
Em 2019, um registro de um designer gráfico de Jundiaí, no interior paulista, foi compartilhado em uma lista feita por um site americano denominada “as selfies mais perigosas já tiradas”.
A foto na estrutura deteriorada foi listada ao lado de outras 50 de vários locais do mundo, como do alto de prédios e ao lado de animais perigosos.
“Esse tipo de foto não é aconselhada para qualquer pessoa. Uma distração, um tropeço, vertigem, labirintite, um calçado inapropriado, uma brincadeira, entre outras coisas, podem ser extremamente perigosos nesses ambientes” disse o aventureiro ao g1, na época.
O Fantástico mostrou a trilha no domingo (30), que começa na Vila de Paranapiacaba, um destino turístico do estado. O local é um dos acessos ao Parque Estadual da Serra do Mar, em Santo André, no ABC Paulista.
A área tem outras trilhas feitas com o auxílio de guias autorizados. No entanto, um grupo de pessoas tem arriscado a vida em passeios desacompanhados na Travessia do Funicular.
Selfies na Trilha do Funicular em SP — Foto: Reprodução/Redes sociais
Foto de 2015 feita na China e listada pelo site — Foto: Alexander Remnev/Reprodução
Guias clandestinos
A TV Globo e o g1 entraram em contato com um dos supostos “guias” que oferecem o destino. Por mensagem, a pessoa ofereceu duas datas para a visitação e cortesia se mais quatro amigos fossem indicados.
“A primeira coisa que você tem que saber é que essa trilha é proibida, e corre o risco de chegar lá e não conseguir entrar na trilha. Bem raro isso, mas eu gosto de deixar avisado. Às vezes tem guarda lá na entrada. Caso isso aconteça, remarcamos a trilha, ou você pode usar o crédito em outras”, diz a mensagem.
O texto diz que o trajeto é “médio/perigoso”, cita caminhada de 5 quilômetros de ida e volta e a travessia por três pontos, deteriorados e com risco de queda.
Guias clandestinos oferecem travessia por trilha proibida em SP — Foto: Reprodução
Outro homem que aparece nas redes sociais se oferecendo como “guia” gravou e divulgou um vídeo em que afirmou que “quebrou o recorde” ao chegar no 10º ferro da ponte deteriorada: “Quero ver alguém quebrar agora”, disse. Procurado pelo g1 e pela TV Globo, ele não respondeu se tem formação para oferecer trilhas guiadas.
“A gente vê muito clandestino que vem aqui de bermuda e pode acabar se machucando nesses ferros. A gente sabe que tem o risco de tétano e outras doenças”, disse Daniel Raimondo e Silva, coordenador do Setor de Uso Público da Fundação Florestal.
“Os dormentes [madeiras entre os trilhos], não dá mais para confiar [neles]. Tudo podre. Então, eles [visitantes] atravessam engatinhando por cima dos trilhos ou com um pé em cada trilho. De qualquer forma, muito arriscado”, destaca Spiff Soares, monitor ambiental.
O Fantástico conseguiu uma autorização para, com acompanhamento, mostrar um caminho utilizado pelos operários que construíram a estrada de ferro.
Como a estrada está inteiramente abandonada em meio à Mata Atlântica, caso algum visitante sofra um acidente, o socorro pode demorar a chegar.
Foi o que aconteceu com Antônio Raphael em janeiro de 2020. Em uma travessia, ele despencou de uma altura de 25 metros e caiu no leito do rio. Ele sofreu traumatismo craniano, várias fraturas pelo corpo e morreu.
Regularização da área
Travessia do Funicular é proibida, mas grupos têm percorrido a estrada de ferro abandonada desde 1982 — Foto: Reprodução/TV Globo
Em nota, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) informou que a área da ferrovia possui trechos sob a administração deles, da Secretaria de Patrimônio da União e da empresa MRS, concessionária que administra a linha férrea em operação.
A mesma nota afirma que vigilantes da MRS atuam para coibir o acesso de visitantes clandestinos, e que os órgãos têm disposição para ajudar na regulação das atrações turísticas.
A Fundação Florestal, que cuida da região, tem 50 agentes para patrulhar a área de 438km², equivalente a três vezes a cidade de Santo André, onde fica a Vila de Paranapiacaba.
A prefeitura de Santo André disse que “tem total interesse na regulamentação da visitação da trilha da conserva, ou funicular, como é conhecida pela maioria das pessoas.”
“O potencial de visitação é enorme, dando acesso a parte do sistema funicular, ajudando na compreensão da grandiosidade das obras projetadas pelos ingleses para transposição da grande muralha da serra do mar, em meados da década de 1860. Para isso, já apresentou sugestões a instituições envolvidas com a situação.”
“A prefeitura também está firmando um termo de cooperação técnica com a Fundação Florestal do estado de São Paulo para ações conjuntas de fiscalização, regramento e estruturação da visitação nas trilhas, fomento de pesquisas científicas e gestão das unidades de conservação na região da Vila de Paranapiacaba. Essa iniciativa tem gerado bons frutos e pode servir de exemplo sobre como as parcerias podem contribuir para o turismo seguro e responsável, tal como o plano de recuperação da trilha da Pedra Lisa.”
A travessia do Funicular é uma estrada de ferro abandonada, inaugurada em 1867, e ligava Jundiaí a Santos.
Para subir a Serra do Mar, foi construído um sistema que puxava as locomotivas por cabos de aço, que ficou conhecido como funicular. Esse sistema foi desativado em 1982, e a estrada de ferro está abandonada desde então.
Visitantes clandestinos se desafiam para fotos e travessia por trilhos em SP — Foto: Reprodução/TV Globo