(*) Nelson Valente
Rinoceronte fez sucesso no zoológico paulistano e foi o mais votado para vereador em 1959
“Com o cartaz que está, Cacareco seria um forte candidato aos Campos Elíseos”. Foi com essa frase que Jânio Quadros, na época um político em ascensão, colocava um rinoceronte, cujo nome significa objeto velho, muito usado, no meio da política paulista.
O comentário, calculado ou não, foi feito pelo governador no dia da inauguração do zoológico da Água Funda, em 16 de março de 1958. Naquele dia, apesar da chuva ter estragado a festa, boa parte dos 200 participantes da inauguração não deixaram de visitar o rinoceronte. A frase não foi dita à toa. Em outubro daquele ano seriam realizadas eleições estaduais. Em São Paulo, o vencedor foi Carvalho Pinto que derrotou Ademar de Barros, e garantiu o janismo na capital paulista. Jânio e Ademar polarizavam a política paulista desde 1948, quando Jânio era vereador e Ademar, governador.
O candidato, Adhemar de Barros, sempre marcava seus comícios numa cidade antes de Jânio Quadros. Certa feita, os dois grupos se encontraram em Moji-Guaçu/SP. Meu pai (Rafael Orlando Valente) era escrivão de polícia nesta cidade e ademarista roxo e como de costume também fazia discurso em favor do velho Adhemar e contra o candidato Jânio Quadros.
Os janistas da cidade foram ver o comício de Adhemar. O candidato com os punhos fechados, adjetivos enfáticos, gestos agressivos começou a discursar:
– Entre as várias obras que fiz em São Paulo está o Pinel, hospital de loucos. Infelizmente, não foi possível internar todos. Um desses loucos havia escapado e fará comício nesta mesma praça amanhã.
Para delírio do povo (ademarista) a gargalhada era geral.
No dia seguinte, Jânio Quadros é recepcionado na cidade com banda e a famosa música – Varre, varre, vassourinha – e as normalistas da cidade empunhavam a vassoura que iria varrer a corrupção numa evolução jamais vista e impressionante. O Cel. Jayme dos Santos relatou tal acontecimento das táticas do candidato Adhemar, após ouvir seguiu para a Praça e dirigindo ao palanque que estava instalado no centro da Praça. Após alguns segundos de silêncio e com calma faz um relato do velho mundo, conta algumas histórias sobre o período republicano e dá o troco:
– Quando fui governador de São Paulo, construí várias penitenciárias, mas não foi possível trancafiar todos os ladrões. Um escapou e fez um comício aqui mesmo nesta praça ontem.
A gargalhada ultrapassou as cidades circunvizinhas da nossa querida hinterlândia.
Adhemar de Barros apoiou a candidatura de Jânio Quadros (PDC) a prefeito de São Paulo em 1953 e, no ano seguinte, acabou sendo derrotado pelo mesmo Jânio na eleição para governador do Estado. No governo, Jânio moveu vários processos contra Adhemar, que certa vez teve de fugir para o Paraguai e para a Bolívia para escapar da prisão. Manteve, porém, seu prestígio no Estado. Em 1955, conseguiu eleger seu candidato (Lino de Mattos) para prefeito de São Paulo e disputou a Presidência, mas ficou apenas em terceiro lugar, atrás de Juscelino Kubitschek (PSD) e Juarez Távora (UDN), mas foi o mais votado no Estado.
Com a falta de água na capital paulista, o Senador-prefeito Lino de Mattos comprou briga com o Governador do Estado, então afastado do cargo, para acompanhar o general Juarez Távora em sua campanha para Presidência da República, obrigando Jânio a reassumir o seu posto no Palácio Campos Elíseos, a fim de reagir à altura contra a provocação, mas Jânio não o fez.
A reação de Jânio quase levou o prefeito Lino de Mattos para a cadeia, tendo que recorrer a um mandado de segurança para evitar sua detenção e, posteriormente, necessitou mesmo abandonar Prefeitura de São Paulo, renunciando ao mandato e voltar ao Senado da República, onde suas imunidades o garantiriam de qualquer ação policial.
Após assumir o governo em 31 de janeiro de 1955, Jânio Quadros contratou Pedroso Horta para seu patrono em um processo contra o jornalista e empresário Francisco de Assis Chateaubriand. Ainda durante esse ano, na administração de Lino de Matos na prefeitura de São Paulo, foi nomeado presidente da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), cargo no qual permaneceu após a renúncia desse prefeito, substituído em 1956 por Vladimir de Toledo Piza.
Na intimidade, Jânio suportava conversar sobre a renúncia, assunto explosivo se provocado em público ou em ambiente com muitas pessoas. Um dia, aos próprios amigos, que insistiam em fazê-lo confessar algo mais do que a explicação que dava, respondeu com surpreendente calma:
– A verdade sobre a renúncia vocês já sabem. Se quiserem ingressar na ficção, conversem com o Vladimir Toledo Piza, que tem mais de dezoito versões. Escolham uma delas.
Ainda em 1956, Pedroso Horta foi contratado, dessa vez por Ademar de Barros, para defendê-lo em um processo movido por Jânio Quadros, que o acusava de se haver apossado de uma urna marajoara pertencente ao museu do estado. Condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, Ademar foi obrigado a deixar o país, retornando apenas no ano seguinte, quando foi absolvido por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Candidato à prefeitura de São Paulo em 1957, Pedroso Horta foi derrotado nas eleições por Ademar. No ano seguinte, entretanto, o governador Jânio Quadros nomeou-o secretário de Justiça do estado.
Um dos principais articuladores da campanha de Jânio à presidência da República no pleito de outubro de 1960, Pedroso Horta integrou o grupo responsável pela fundação, em 20 de abril de 1959, do Movimento Popular Pró-Jânio Quadros (MPJQ), destinado a lançar essa candidatura. Apoiado pela União Democrática Nacional (UDN) e por partidos menores, Jânio venceu as eleições presidenciais, e, ao iniciar seu governo em 31 de janeiro de 1961, nomeou Pedroso Horta ministro da Justiça e Negócios Interiores.
A previsão do governador paulista se realizou em parte. Cacareco realmente foi um forte candidato, mas não para o Campos Elísios – na época sede do governo paulista – mas para o Palácio Prates. A candidatura de Cacareco tomou corpo no ano seguinte quando foi realizada eleição para a Câmara Municipal. A ideia de lançá-lo candidato teria sido do jornalista Itaboraí Martins. Ele recebeu entre 90 e 100 mil votos para vereador de São Paulo. O número preciso nunca se saberá porque os votos que recebera foram computados juntos aos outros nulos.
O animal encarnou a frustração dos paulistanos com os políticos nas eleições para a Câmara Municipal de 1959. Ele teve mais votos do que qualquer outro candidato a vereador. Foi um recado claro dos paulistanos: um cacareco teve mais votos do que os 450 candidatos que concorriam a 45 cadeiras. Na maioria das cédulas o paulistano escreveu “Para vereador – Cacareco”, mas em outras a criatividade transbordou, “Cansados de teleco-teco, vamos votar em Cacareco”, ou “Queremos uma Câmara mais animada”. Apesar do sucesso, lançar um animal como protesto não foi original. Em Jaboatão (PE), o bode cheiroso já havia sido lançado como candidato a vereador.
Além do primeiro animal ‘eleito’, Cacareco, foi o primeiro rinoceronte nascido no Brasil, em 1954, e pertencia ao zoológico do Rio de janeiro. Apesar do nome no masculino, Cacareco era fêmea. Foi o próprio Jânio Quadros que solicitou o animal ao prefeito do Rio, Negrão de Lima. “Asseguro a v. Exa., que este governo dispensará a “Cacareco” todas as atenções e cuidados convenientes”, escreveu Jânio no ofício enviado ao prefeito e publicado pelo Estado em 31 de janeiro de 1958. Em 5 de fevereiro chega a confirmação do empréstimo, o animal foi cedido durante alguns meses para o novo zoo da capital paulista.
Depois de pedir pessoalmente o animal, Jânio queria exibi-lo, assim que chegasse à cidade no Palácio Campos Elísios. Ele chegou exatamente um mês antes da inauguração, mas foi direto para o zoológico. Só não foi para o palácio do governo porque Jânio Quadros estava viajando.
Em outubro de 1958, entre trezentos animais, o rinoceronte era o mais popular do novo zoológico. Diante de tanta popularidade, uma fábrica de brinquedo não perdeu a e lançou o boneco ‘Cacareco’. Passado mais de um ano desde sua chegada, começam as pressões para que Cacareco fosse devolvido aos donos cariocas, e, por outro lado as pressões para que ele ficasse. Em março o zoológico paulistano conseguiu mais três meses de permanência.
Mas o desejo dos paulistanos era que ele ficasse para sempre na cidade e a campanha “Cacareco é nosso” havia conquistado a opinião pública, como informou o Estado em 20 de setembro de 1959. Vereadores chegaram a reclamar de ligações de um comitê pró candidatura do rinoceronte.
Mas apesar dos clamores o rinoceronte voltou para o Rio em 1º de outubro, dois dias antes das eleições. Foi eleito à revelia. E Jânio eleito por outro Estado. Ainda governador, ele se candidatou a deputado federal pelo Paraná. Foi o mais votado do Estado, com 78.810 votos. Curiosamente menos do que sua criatura.
Cacareco, morreu aos 8 anos de idade em dezembro de 1962, de nefrite aguda. Morreu jovem, rinocerontes costumam viver em média 45 anos. Morreu, mas não foi esquecido. Em 1984, seus restos mortais voltaram para São Paulo e estão exibidos até hoje no Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária da USP.
Durante a campanha ao governo do estado de São Paulo, Jânio vai para Ribeirão Preto para solidificar sua candidatura naquela região, considerada de vital importância.
Ademar de Barros, também candidato, solicita a um repórter que vá lá com um único propósito: fazer uma só pergunta.
Jânio passeia pela cidade, discursa e atende os populares.
Depois é a vez da imprensa local, atende-os em todas as perguntas.
Em determinado momento, o repórter encomendado por Ademar, parte para o ataque:
– O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora.
Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?
Jânio parecia saber da indagação, e responde sem perder o bom humor:
– Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
Risos ecoaram pela cidade de Ribeirão Preto e o repórter, é claro, foi mandado embora.
ISSO É JÂNIO
Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos procurou sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases de efeito. É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar. Segundo seus adversários, Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira, trocou de legenda sucessivamente. Essas demonstrações de força aumentaram sua popularidade junto a diversos segmentos do eleitorado. Jânio parecia diferente dos outros políticos e refez a linguagem política do país. Ao invés da palavra e do argumento, agora manejava símbolos e emoções
ISSO É ADHEMAR
Falava a linguagem do povo, falava errado. Era uma novidade, nunca houve isso. Foi daí que surgiu o termo populismo, quer dizer, nós descermos à linguagem do povo para que ele entendesse.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor