Grupo se reuniu nessa segunda-feira no Centro de Referência dos Direitos Humanos para formalizar denúncias
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A condição dos presos no Ceresp de Juiz de Fora foi motivo de protesto nessa segunda-feira (28/10). Mães, irmãs, esposas e namoradas de homens detidos na unidade foram até a porta do Centro de Referência dos Direitos Humanos, alocado temporariamente no Furtado de Menezes, para listar uma série de maus-tratos a qual os detentos estariam sendo submetidos.
A assistente social responsável por receber as denúncias listou 20 tópicos, como constante falta de luz e má qualidade da alimentação. Os relatos serão levados aos órgãos competentes ainda nesta semana, como Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Comissão dos Direitos Humanos da OAB e da Câmara Municipal de Juiz de Fora.
Conforme as familiares, o fornecimento de energia elétrica aos presos é interrompido a partir das 16h na unidade. “Eles precisam fazer tudo no escuro. Inclusive, comer no escuro. Aí eles nem sabem o que estão comendo”, conta Ana Cláudia, cujo filho de 22 anos está preso no Ceresp há sete meses. O problema é ainda mais grave levando em consideração que as refeições, ainda segundo as mulheres, chegam azedas aos presos. “Eu vi da última vez que fui lá. Meu filho até perguntou se eu queria provar, mas não tive coragem. Era umas peles de frango que eles colocaram em cima do arroz. Se o cheiro já estava horrível, imagino o gosto.”
Ana Cláudia mora em Monte Verde, distrito de Juiz de Fora, e viaja mais de uma hora a cada 15 dias para visitar o filho. Da última vez, não conseguiu entrar. De acordo com ela, os documentos ficaram retidos com a assistente social do próprio presídio. “Eu tentei ligar para ela, mas não consegui falar. Pensei que ia chegar lá no sábado, pegar meus documentos e ver meu filho. Mas a assistente não estava. Não pude fazer a visita, tive que voltar para casa com todas as marmitas que eu tinha preparado.”
Ela relata que são poucos os presos que têm família. Com os olhos cheios de lágrimas, ela conta de quando levou uma marmita com feijão para o filho, mas, no trâmite de entrar na unidade, a comida estragou. “Eu ia jogar o feijão fora, mas um menino viu e disse ‘não tia, pode me dar o feijão’. Eu falei que não, que a comida estava toda estragada, mas ele insistiu. Foi de cortar o coração, ver ele comendo aquele feijão azedo. Eu voltei para casa destruída nesse dia.”
As mulheres reclamam, principalmente, da forma como são tratadas no dia da visitação. Todas são enfáticas ao dizer que a pena é para toda família. “Foi meu filho que cometeu o crime. Ele errou e vai pagar pelo erro. Mas eu não fiz nada e a forma como eles tratam a gente lá, é como se a gente fosse culpada também.”
Com a revista íntima proibida nos presídios, os familiares precisam passar por um scanner corporal antes de entrar na unidade. Ana Claudia conta que a nora foi visitar o filho na unidade e os agentes penitenciários identificaram uma mancha após ela passar no aparelho. Manchas podem indicar que a pessoa está entrando na unidade com algum produto ilícito escondido.
Não era o caso. A mulher foi intimidada e pressionada a entregar a suposta droga a qual estava levando, como não revelou nada, foi encaminhada até o HPS. “Ela chegou no hospital escoltada, passou por uma humilhação danada, para chegar lá e descobrir que estava grávida. A mancha que apareceu no scanner era porque ela estava grávida.”
Outro ponto levantado pelas mulheres foi a falta de banho de sol. Pela lei, os presos têm direito a no mínimo duas horas de banho de sol por dia, e isso não está acontecendo. Uma das mulheres disse que foi visitar o marido e o encontrou com a pele toda descascando. “Ele me contou que colocaram ele no banho de sol e esqueceram para lá.” Essa irregularidade é frequente, conforme os relatos. “Às vezes tem, às vezes não. Eles passam 24 horas presos na cela”, conta.
Ressocialização
Raquel Gaio, assistente social do Centro de Referência dos Direitos Humanos que recebeu as mulheres nesta segunda-feira, aponta que as condições relatadas fogem ao princípio de ressocialização do sistema carcerário. “Não tem como você pensar em ressocialização com uma situação dessa. A gente recebe esse tipo de denúncia há anos e nada muda.”
Quanto à qualidade da comida, Raquel afirma que o assunto já foi levado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no ano passado.
“Conseguimos mudar a empresa que fornecia as marmitas para os presos, mas nada mudou.” Ela afirma que a luta por melhores condições de vida para os presos é constante e que é muito difícil mudar a mentalidade punitivista que as pessoas possuem acerca do sistema prisional. “Tem gente que acha que qualquer sofrimento é pouco para os que estão lá. Mas os presos também têm seus direitos. Sem contar que é toda a família que passa por essa situação.”
A condição de estresse e a pressão psicológica são tantas que as familiares definem o Ceresp como uma “bomba relógio”. “A qualquer momento aquilo vai explodir. Eles (os detentos) não querem que uma rebelião aconteça, porque sabem que vai ser pior para eles. Por isso eles estão nos pedindo socorro”, conta Cristiane, mãe de um rapaz de 20 anos que está detido no Ceresp há quatro meses.
“Meu marido entrou lá com uma cabeça, ele falava de largar essa vida e voltar para casa, para a família. Hoje em dia, quando eu vou visitar ele, ele está revoltado, tem que ver as coisas que ele fala. É muita raiva mesmo que eles passem lá dentro”, afirma outra mulher, esposa de um detento do Ceresp.
Fuga no Pjec
No dia 14 de outubro, cinco presos, com idades entre 22 e 41 anos, conseguiram fugir da Penitenciária José Edson Cavalieri (Pjec),situada no Complexo Penitenciário do Bairro Linhares, Zona Leste de Juiz de Fora. Dois deles foram recapturados, na madrugada do último domingo (27), no município de Rodeiro.
As familiares dos presos acreditam que a piora no tratamento, como o corte de luz, é um reflexo da fuga. “Por mais que não tenha acontecido no Ceresp, essas coisas “respingam” lá”, afirma uma das mulheres que estava na manifestação. Ela acredita que os agentes penitenciários estão endurecendo o tratamento com os detentos, a fim de mostrar “uma lição” para que tentativas de fuga não aconteçam na unidade.
“Já ouvi várias vezes que os presos estão pensando em cometer suicídio”, conta. Ela ainda afirma que as celas estão lotadas, mesmo após a reforma. O Ceresp não recebia novos presos desde 2023, quando foi fechado para reforma. Em julho deste ano, a unidade voltou a ser a porta de entrada da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (4ª Risp). Com as obras, o Ceresp ampliou de 332 para 523 o número de vagas, um incremento de 57%. No entanto, essa ampliação não resolveu a superlotação, conforme as denúncias. “Tem cela que ainda está fechada. Nem todas as novas celas estão abertas, e quando fecham uma eles colocam todos os presos para outra. Meu marido está dormindo no chão”, conta.
Sejusp nega acusações
Em nota, a Sejusp negou todas as acusações. A secretaria afirmou que “as situações citadas na demanda não procedem”. Sobre a alimentação, a Sejusp informa que os presos recebem quatro refeições diárias, sendo café da manhã, almoço, café da tarde e jantar.
“Eventualmente, havendo detecção de situações de descumprimento da garantia da qualidade prevista em contrato, imediatos procedimentos administrativos são realizados, que podem resultar em multas e até mesmo a perda de contrato por parte da empresa executora. Por força de contrato, quando a direção da unidade prisional identifica algo que torne a alimentação imprópria para consumo, a empresa fornecedora é notificada e realiza a pronta substituição, sem ônus para o Estado.”
A falta de médico e medicamentos também foi um ponto levantado na denúncia apresentada por familiares. Quanto a isso, o Ceresp informou que a unidade de Juiz de Fora possui setor de atendimento de saúde para atendimentos emergenciais. “Casos de maior complexidade são encaminhados para a rede pública de saúde.”
A nota institucional ainda afirma que a denúncia de que a luz é cortada às 16 horas não procede. “Especificamente nesse domingo (27), houve uma interrupção momentânea no fornecimento de energia elétrica devido às fortes chuvas ocorridas; porém, foi prontamente restabelecido, sem danos à rotina da unidade prisional.”
A Sejusp finaliza dizendo que todas as denúncias devidamente formalizadas nos canais oficiais, como a Ouvidoria do Sistema Prisional, órgão que integra a Ouvidoria Geral do Estado, são alvo de rigorosa apuração, guardando sempre o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Fonte: tribunademinas.com.br