O Hotel Majestic mostrou a Mario Quintana o olho da rua, colocou-o para fora. A miséria chegou absoluta ao universo do poeta. Ele não foi feito para a riqueza, quando muito conquistar uma princesa com seus versos, depois voltar ao pântano. Uma cidade que expulsa um poeta pode te transformar em estátua de sal.
Mario está só, o Correio do Povo faliu, o passado faliu, as palavras faliram. Um império sem homens e sem sentimentos. O porteiro aproveita e joga um agasalho que tinha ficado no quarto.“Toma, velho!” Mario recita ao porteiro: A poesia não se entrega a quem a define. Mario estava só. Cadê os passarinhos? A sarjeta aguardava o ancião.
O jogador de futebol Paulo Roberto Falcão fora avisado do acontecido. Quando chega em frente ao hotel, observa aquela cena absurda, triste. Estaciona e caminha até o poeta com as malas na calçada:
“Sr. Quintana, o que está acontecendo?”
Mario ergue os olhos e enxuga uma lágrima, destas que insistem em povoar os olhos dos poetas. Quisera não fossem lágrimas, quisera eu não fosse um poeta, quisera ouvisse os conselhos de minha mãe e fosse engenheiro, médico, professor. Mas ninguém vive de comer poesia.
Mario lhe explica que o dinheiro acabou. Está desempregado, sem família, sem amigos, sem emprego. Restaram apenas essas malas nas ruas de Porto Alegre.
Mario observa Falcão colocando suas malas dentro do carro em silencio. Em silencio, Falcão abre a porta para Mario e o convida a sentar. No silencio de duas almas na tarde fria de Porto Alegre, o carro ruma na direção do arquipélago, na direção do infinito.
Falcão para o carro no Hotel Royal, desce as malas, chama um dos empregados:
“O Sr. Mario agora é meu hóspede!”
“Por quanto tempo, Sr. Falcão?”
Falcão observa o olhar tímido e surpreso do poeta e enquanto o abraça comovido, responde: “Por toda a eternidade”. O poeta faleceu em 1994.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO:
Cláudio Teran: na época, meu caro, o gesto do Falcão virou uma unanimidade do RS, unindo Colorados e Gremistas em apoio ao que ele fez. Mário passou muitos anos residindo em hotéis e em apart hotéis, pois achava melhor, mais seguro, dizia ele que se sentia sempre em transição assim. Mário Quintana é de um tempo que não existe mais. Infelizmente…
Roldan Neto: ao meu ver, uma magnífica revelação sobre um caráter de escol e bondade espontânea. Eu agradeço à você por ter disponibilizado aqui este imenso exemplo de humanidade, exatamente neste instante, onde remoía a limalha do desânimo. Um grande abraço.
Rosângela Martins: Fui lendo sem acreditar nas palavras, e na metade , me lembrei que já conhecia essa história, que ao mesmo tempo, que é triste, tem um final feliz! !!!
Silvio José Schiavon: Eu não conhecia está história, depois que li, passei o texto para o meu filho de 17 anos, a gente as vezes não conhece a verdade por trás dos personagens, eu sempre me simpatizei com a figura do Falcão, pelo jogador é covardia, mas sempre gostei da postura dele, e depois desta história, só ratifiquei uma ideia que eu já tinha, o cara é fora da curva.
Nota nossa: Mais comentários sobre o texto enviaram, foram tantos, que ficou difícil de aqui transmitir. Agradecemos ao querido colega de profissão, o André Marinho(Diário do Nordeste), por nos brindar com texto tão brilhante e tocante.
Marcos Peixoto
EM TEMPO:
Paulo Roberto Falcão é um técnico, ex-futebolista, comentarista esportivo e jornalista que atuava como volante. Atualmente está sem clube. É tido como um dos maiores volantes da história da Seleção Brasileira e do futebol mundial; agregava técnica no drible, controle de bola e finalização.