Conviver com o preconceito e a desigualdade é uma realidade cotidiana para a população negra no Brasil. Ser negro e ser gay é uma soma de lutas, como define o deputado distrital Fábio Felix (PSol). Aos 33 anos, o segundo parlamentar mais jovem da Câmara Legislativa tem, na verdade, uma longa trajetória política relacionada às pautas que apresenta hoje na Casa.
Os primeiros passos rumo à vida política foram dados aos 16, quando o menino nascido em Taguatinga, que organizava as votações do coral da igreja evangélica, precisou tomar uma decisão: assumir a homossexualidade para amigos e família. “Nesse momento, eu comecei a me descobrir como um ser político na prática. Não era só eu sair do armário enquanto indivíduo, era eu saindo do armário em uma sociedade excludente, violenta”, lembrou.
Após o anúncio, as manifestações preconceituosas passaram a ficar intensas. Fábio conta que sofreu diversos ataques de pessoas da família, de vizinhos e desconhecidos. Em uma ocasião, precisou deixar o café que frequentava após beijar o namorado em público. Em outra, sofreu uma tentativa de atropelamento. Na contramão do preconceito, os pais do deputado o apoiaram e passaram a frequentar, juntos com ele, as ações de uma ONG de defesa LGBT, o que fez despertar ainda mais interesse na militância da causa.
Com maior engajamento político, além das questões ligadas à sexualidade, Fábio também pôde dar mais atenção a outras esferas da sua vida nas quais também se sentia negligenciado. “Eu sempre me enxerguei como uma pessoa negra, mas eu precisei de um processo de descoberta para entender que eu tinha que me engajar politicamente na luta contra o racismo”, afirmou.
Segundo ele, a juventude e o convívio com pessoas brancas foram determinantes para perceber a diferença de tratamento que recebia. “Quando a pessoa era branca, ela tinha uma série de privilégios que eu não tinha. Eu andava com amigos brancos e eles sempre eram considerados pessoas bonitas por conta dessa estética tradicional. E eu, por ser negro, não. Fora outras situações, como estar andando na rua à noite, vestido com uma bermuda, uma camiseta e boné e encontrar uma senhora passeando com um cachorro. Nesse caso, ela atravessa a rua. Se fosse um cara branco, provavelmente não atravessaria. Então, você entende a diferença de ser negro quando as pessoas têm medo de você pelo fato de ser negro”, declarou.
Para o deputado, embora o Brasil seja um dos países mais miscigenados do mundo, é preciso desconstruir a crença de que esse fato seja suficiente para eliminar o racismo. “Eu lembro de que, na escola, as professoras falavam que não existia mais essa história de negro e branco. Todos tinham ancestrais negros, brancos e indígenas. As crianças negras ficavam iludidas com esse processo de educação errada e despolitizada, mas isso não é certo, porque as culturas não são assim conectadas”, pontuou.
Além disso, de acordo com o parlamentar, existe uma necessidade de deixar claro que o racismo institucional, apesar de ter muitos exemplos violentos, pode ser também muito sutil. “É a forma como você é revistado em um banco ou na imigração, e a pessoa branca não, é alguém atravessar uma rua ao te encontrar, é você ter menos tempo no atendimento médico. Isso tudo vai mostrando qual o seu lugar na sociedade”, disse “Eu fui desmontando esse mito que a professora me falou, e posso dizer que é como sair do armário, porque você vai se percebendo como parte dessa exclusão social e vítima desse racismo cotidiano”, acrescentou.
Avanços
Fábio Felix formou-se em serviço social pela Universidade de Brasília (UnB). Quando iniciou o curso, em 2004, a instituição de ensino passava pela primeira experiência com o sistema de cotas. Segundo lembra o deputado, a reação dos estudantes para a chegada de negros não foi positiva. “Eu acabei não fazendo o vestibular por cotas, mas quando eu cheguei vi uma coisa bizarra. As paredes estavam pichadas com ‘fora negros’, ‘contra pretos na universidade’. A UnB era realmente muito branca, muito elitizada, principalmente em cursos como medicina, relações internacionais, ciências políticas. Ou seja, antes não havia negros, e os negros, além de não terem acesso ao ensino, quando tiveram, ainda sofreram violência por conta disso”, contou.
Agora, 15 anos depois, o Brasil tem mais de 1,14 milhão de estudantes autodeclarados pretos e pardos, enquanto os brancos ocupavam 1,05 milhão de vagas em instituições de ensino superior federais, estaduais e/ou municipais, conforme a pesquisa Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada na quarta-feira. Isso equivale, respectivamente, a 50,3% e 48,2% dos mais de 2,19 milhões de brasileiros matriculados na rede pública.
Na avaliação do deputado, ainda há muita luta racial para inserir a população negra em todos os espaços que deveriam ter acesso, mas muitos avanços têm surtido efeitos positivos. “Acho que, por um lado, a gente tem um constrangimento social muito forte com a temática e ainda há um clima muito grande de negação. Só podemos avançar para superar o racismo quando tivermos um reconhecimento social mais amplo da existência dele.”