O partido da ganhadora do Nobel da Paz de 1991 venceu massivamente as eleições legislativas, mas o Exército insiste que houve inúmeras irregularidades
No dia da posse do Parlamento que venceu as eleições de novembro do ano passado, o Exército de Mianmar prendeu a líder da Liga Nacional para a Democracia (LND), Aung San Suu Kyi; o presidente, Win Myint; e outros nomes do partido governante. Horas antes, os militares afirmaram, pelo Facebook, que cumpririam a Constituição e respeitariam o resultado do pleito. Porém, a comunidade internacional já alertava para o risco de um possível golpe, especialmente depois que o general Min Aung Hlaing, chefe do Tatmadaw — as Forças Armadas do país — declarou, na quarta-feira passada, que abolir as regras constitucionais “poderia ser necessário sob certas circunstâncias”.
O partido da ganhadora do Nobel da Paz de 1991 venceu massivamente as eleições legislativas, mas o Exército insiste que houve inúmeras irregularidades. “Ouvimos que (Suu Kyi) está detida em Naypyidaw (capital do país), supomos que o Exército está organizando um golpe de Estado”, disse à agência de notícias France-Presse um porta-voz da LND, Myo Nyunt, na manhã de ontem (domingo à noite em Brasília). As Forças Armadas não se pronunciaram.
As linhas telefônicas de Naypyitaw foram cortadas, interrompendo a comunicação com o país do sudeste asiático, mas o correspondente da rede britânica BBC reportou ter visto soldados nas ruas de Yangon e da capital. A emissora de tevê estatal do país informou, pelo Facebook, que estava com “dificuldades técnicas” para fazer transmissões, e estrangeiros relataram dificuldades para ligar para o país. Depois, a internet e a energia elétrica também teriam sido desligadas.
Golpe de Estado
Na sexta-feira, a delegação da União Europeia, a embaixada norte-americana e outras 15 representações diplomáticas no país juntaram-se à Organização das Nações Unidas (ONU) na preocupação sobre um possível golpe de Estado e pediram para Mianmar “aderir às normas democráticas”. “Esperamos a convocação pacífica do Parlamento, em 1º de fevereiro, com a eleição do presidente e dos chefes das duas assembleias. Nos opomos a qualquer tentativa de alterar o resultado das eleições, ou de impedir a transição democrática em Mianmar”, ressaltou a nota.
Há 10 anos, o país pôs fim a um regime militar, no poder há quase meio século. O próprio Exército restabeleceu a democracia, não sem antes elaborar a Constituição, que prevê uma divisão de poderes entre civis e generais. O chefe do Tatmadaw é considerado, hoje, o homem mais poderoso de Mianmar.
Desde novembro, os militares desconfiam da legalidade do pleito e exigiram a possibilidade de verificar as listas de eleitores. O pedido foi reiterado pelo porta-voz do Exército, Zaw Min Tun, na terça-feira passada, em uma coletiva de imprensa na qual não descartou uma tomada do controle do país para lidar com o que chamou de crise política.
Os temores aumentaram ainda mais no dia seguinte, com as declarações do general Hlaing. Porém, na quinta-feira, a Comissão Eleitoral divulgou um comunicado, dizendo que a votação foi livre, justa e confiável, e que refletiu “a vontade do povo”. O órgão negou as denúncias de fraude, mas reconheceu “falhas” nas listas de eleitores. A Comissão informou ainda que investiga um total de 287 queixas. Já os militares afirmam que houve 8,6 milhões de casos de fraude em todo o país, alegação que querem investigar. (CB)