segunda-feira, 25/08/25

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Evergrande: como crise da gigante imobiliária chinesa pode afetar a economia mundial?

Setor imobiliário responde por quase um terço da segunda maior economia do planeta — e é importante para formação de patrimônio dos chineses.

O grupo Evergrande já foi o maior do setor imobiliário da China no passado — Foto: AFP via Getty Images

 

A gigante imobiliária chinesa Evergrande foi retirada do mercado de ações de Hong Kong nesta segunda-feira (25) após mais de uma década.

A retirada das ações da bolsa é o mais recente capítulo da derrocada espetacular da empresa que já foi a maior do setor imobiliário da China, com uma avaliação de mercado de mais de US$ 50 bilhões.

Especialistas dizem que a exclusão da lista era inevitável e é definitiva.

“Uma vez retirada da bolsa, não há como voltar atrás”, diz Dan Wang, diretora para a China da consultoria de risco político Eurasia Group.

 

O colapso da Evergrande poderá ter reflexos importantes na economia da China — e também no resto do mundo.

O setor imobiliário responde por quase um terço da segunda maior economia do planeta. A ascensão da China esteve intimamente ligada nas últimas décadas ao setor — que tinha a Evergrande como destaque.

Muitas famílias chinesas investem no setor imobiliário — e uma crise neste ramo tem potencial para afetar o poder de compra, poupança e investimento da população do país.

Economistas acreditam que uma crise no setor pode provocar desaceleração no ritmo de crescimento da China — com impactos no resto do mundo.

O que aconteceu com a Evergrande?

 

Há apenas alguns anos, o grupo Evergrande era um exemplo do milagre econômico da China.

Seu fundador e presidente, Hui Ka Yan, vinha de origens humildes na China rural. Em 2017, ele chegou ao topo da lista da Forbes das pessoas mais ricas da Ásia.

Desde então, sua fortuna despencou de cerca de US$ 45 bilhões em 2017 para menos de US$ 1 bilhão.

Em março do ano passado, Hui foi multado em US$ 6,5 milhões e banido do mercado de capitais da China para sempre por um problema contábil: sua empresa havia superestimado a receita do grupo em US$ 78 bilhões.

Agora advogados estão analisando se conseguirão recuperar dinheiro para os credores indo atrás dos bens pessoais de Hui.

Antes de seu colapso, a Evergrande tinha cerca de 1,3 mil projetos imobiliários em desenvolvimento em 280 cidades na China.

O vasto império também incluía uma fabricante de carros elétricos e o time de futebol mais bem-sucedido da China, o Guangzhou FC, que foi expulso da liga de futebol no início deste ano após não conseguir pagar dívidas. Pelo Guangzhou FC passaram brasileiros como o treinador Luiz Felipe Scolari e os jogadores Robinho e Paulinho.

A Evergrande foi construída com US$ 300 bilhões de dinheiro emprestado — o que lhe rendeu o nada invejável título de construtora mais endividada do mundo.

Evergrande era dono do time de futebol Guangzhou, que já foi o principal da China — Foto: AFP via Getty Images

 

O colapso do grupo começou em 2020, quando o governo da China implementou novas regras para controlar o valor que as grandes incorporadoras poderiam tomar emprestado.

As novas medidas levaram a Evergrande a oferecer suas propriedades com grandes descontos para garantir que houvesse fluxo de caixa para manter o funcionamento da empresa.

Com dificuldades para pagar juros, a empresa começou a dar calotes em dívidas no exterior. Em agosto de 2023, a empresa entrou com pedido de falência em Nova York, em uma tentativa de proteger seus ativos nos EUA enquanto trabalhava em um acordo multibilionário com credores.

Após anos de disputas judiciais, o Tribunal Superior de Hong Kong ordenou que a empresa fosse liquidada em janeiro de 2024.

As ações da Evergrande estavam sob ameaça de serem retiradas da bolsa desde então, porque haviam sido suspensas de negociação após a ordem judicial.

Naquele momento, a empresa já havia perdido mais de 99% de seu valor de mercado.

A ordem de liquidação veio depois que a empresa não conseguiu oferecer um plano viável para lidar com bilhões de dólares em passivos no exterior.

No início deste mês, foi revelado que as dívidas da Evergrande somam US$ 45 bilhões e que, até o momento, a empresa havia vendido apenas US$ 255 milhões em ativos. Analistas não acreditam na possibilidade de uma reestruturação dos negócios da empresa.

“A exclusão da bolsa é certamente simbólica, mas é um marco”, diz Wang, da Eurasia Group.

O que resta saber agora é quais credores conseguirão ser pagos e quanto dinheiro será possível obter no processo de falência, afirma o professor Shitong Qiao, da Universidade Duke, nos EUA.

A próxima audiência de liquidação deverá ocorrer em setembro.

Como a economia da China e do mundo é impactada?

A China está enfrentando uma série de problemas econômicos importantes, incluindo a guerra tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, a alta dívida dos governos locais, os baixos gastos do consumidor, desemprego e envelhecimento da população.

Mas especialistas dizem que o colapso da Evergrande e as consequências disso para outras incorporadoras atingiram o país com mais força.

“A crise imobiliária tem sido o maior entrave à economia e a principal razão pela qual o consumo está reprimido”, diz Wang, da Eurasia.

Isso é particularmente problemático, pois o setor imobiliário representa cerca de um terço da economia chinesa e é uma importante fonte de renda para os governos locais.

“Eu não acredito que a China tenha encontrado uma alternativa viável para apoiar sua economia em escala semelhante”, diz o professor Qiao.

A crise imobiliária levou a “demissões em massa” de empreiteiras altamente endividadas, diz Jackson Chan, da plataforma de pesquisa de mercados financeiros Bondsupermart.

E muitos funcionários do setor imobiliário que mantiveram seus empregos sofreram grandes cortes salariais, diz ele.

A crise também está tendo um grande impacto em muitas famílias, que tendem a investir suas economias em imóveis.

Com os preços dos imóveis caindo em pelo menos 30%, muitas famílias chinesas viram suas economias perderem valor, diz Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico no banco francês Natixis.

Isso significa que essas famílias têm menos capacidade de gastar e investir.

Em resposta, o governo da China anunciou uma série de iniciativas destinadas a revitalizar o mercado imobiliário, estimular os gastos do consumidor e impulsionar a economia em geral. Entre as medidas, estão a ajuda financeira para novos proprietários de imóveis, apoio ao mercado de ações e incentivos para compra de carros elétricos e utensílios domésticos.

Apesar das centenas de bilhões de dólares que Pequim injetou na economia, o crescimento antes acelerado da China caiu para um ritmo de cerca de 5% de aumento do PIB.

Embora a maioria dos países ocidentais ficaria mais do que feliz com esse ritmo, isso é considerado lento para um país que via crescimentos de mais de 10% ao ano há uma década.

A crise imobiliária está no fim?

 

Provavelmente não.

Várias outras empresas imobiliárias chinesas ainda estão enfrentando grandes desafios por causa da crise.

No início deste mês, a empresa China South City Holdings recebeu uma ordem de liquidação do Tribunal Superior de Hong Kong, a maior do setor desde o caso Evergrande.

A gigante imobiliária rival Country Garden ainda está tentando fechar um acordo com seus credores para anular mais de US$ 14 bilhões em dívida externa. Após uma série de adiamentos, a próxima audiência de liquidação no Tribunal Superior de Hong Kong deverá ocorrer em janeiro de 2026.

“Todo o setor imobiliário está em apuros. Mais empresas imobiliárias chinesas vão falir”, afirma o professor Qiao.

Embora o governo chinês tenha tomado uma série de medidas para ajudar a fortalecer o mercado imobiliário e apoiar a economia como um todo, ele não interveio diretamente para socorrer as construtoras.

Chan afirma que essas iniciativas parecem estar tendo um impacto positivo no mercado imobiliário: “Acreditamos que o fundo do poço [foi atingido] e que a recuperação deve ser lenta. No entanto, provavelmente não esperamos que a recuperação seja muito forte.”

O gigante de investimentos de Wall Street, Goldman Sachs, alertou em junho que os preços dos imóveis na China continuarão caindo até 2027.

Wang estima que o mercado imobiliário chinês, em dificuldades, “chegará ao fundo do poço” em cerca de dois anos, quando a demanda finalmente vai alcançar a oferta.

Mas Garcia-Herrero diz: “não há luz real no fim do túnel”.

O governo da China enviou uma “mensagem clara sobre sua intenção de não resgatar o setor imobiliário”, diz Wang.

O governo chinês tem sido cuidadoso para evitar medidas que poderiam encorajar ainda mais comportamentos de risco por parte de um setor já altamente endividado.

E embora nos tempos de expansão o mercado imobiliário tenha sido um dos principais impulsionadores do crescimento econômico da China, as prioridades do Partido Comunista já são outras.

O presidente da China, Xi Jinping, está mais focado em indústrias de alta tecnologia, como energia renovável, carros elétricos e robótica.

Como diz Wang, “a China está em uma profunda transição para uma nova era de desenvolvimento”.

 

 

 

 

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