De acordo com relatos, os brasileiros argumentaram que a tesourada foi inevitável porque a cúpula ocorreu às vésperas da sanção do Orçamento de 2021, em meio a uma disputa com o Congresso
O governo americano questionou o Brasil sobre o corte de recursos para o Meio Ambiente, chancelado pelo presidente Jair Bolsonaro um dia depois de seu discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada por Joe Biden no final de abril.
Durante reunião com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Carlos França (Relações Exteriores), na sexta-feira (30), o enviado especial para o clima de Biden, John Kerry, mostrou preocupação com as notícias sobre o corte de verba promovido pelo líder brasileiro e quis saber o que havia acontecido.
De acordo com relatos, os brasileiros argumentaram que a tesourada foi inevitável porque a cúpula ocorreu às vésperas da sanção do Orçamento de 2021, em meio a uma disputa com o Congresso. Portanto, eles disseram ao americano, não havia tempo hábil para evitá-la. Salles e França, no entanto, argumentaram que uma recomposição orçamentária do Ministério do Meio Ambiente deve ocorrer em breve.
Em seu discurso na cúpula promovida por Biden, Bolsonaro prometeu mais verba para a fiscalização ambiental, o que inicialmente agradou os americanos. Mas, no dia seguinte, o presidente brasileiro oficializou um corte de recursos para a área relacionada a mudanças do clima, controle de incêndios florestais e fomentos a projetos de conservação do ambiente no valor de quase R$ 240 milhões.
A recuperação de recursos do Ministério do Meio Ambiente dependerá de cortes em outras áreas, já que a previsão orçamentária está no limite do teto de gastos, norma que impede o crescimento de despesas acima da inflação.
Essa foi a segunda reunião entre Kerry e ministros brasileiros sobre meio ambiente. Na primeira, o Itamaraty ainda era representado pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, que pediu demissão no final de março após forte pressão do Congresso.
Normalmente os temas abordados nessas videoconferências são amplos, com menos cobranças e negociações diretas. As conversas costumam pavimentar o caminho para as reuniões das equipes técnicas dos dois governos, que têm acontecido com mais frequência e, recentemente, passaram a debater possíveis modelagens de financiamento dos EUA para projetos de preservação no Brasil, sempre baseados em contrapartida.
Na reunião, ainda de acordo com interlocutores, Kerry sinalizou que seria possível avançar com sistemas que envolvam, principalmente, o setor privado americano.
Desde o início das negociações, em fevereiro, os EUA dizem que só enviarão recursos para o Brasil se houver resultados ambientais positivos no país ainda neste ano.
A meta de mais curto prazo até o momento foi apresentada pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que comanda o Conselho da Amazônia. Ele disse que o objetivo é cortar o desmatamento em pelo menos 15% neste ano, em relação aos dados do período anterior. Entre os modelos de financiamento estudados até agora estão projetos pilotos que poderiam envolver parcerias com a guarda florestal americana, por exemplo, e também os aportes do setor privado destacados por Kerry.
Aos ministros brasileiros, o chamado czar do clima de Biden disse que o presidente dos EUA ficou “bastante satisfeito” com o discurso de Bolsonaro na cúpula, especialmente sobre ele ter antecipado em dez anos a meta de zerar as emissões de poluentes, de 2060 para 2050.
O americano também explicou como os EUA, hoje segundo maior emissor de gases causadores do efeito estufa do mundo, atrás somente da China, vão fazer para cumprir os novos objetivos anunciados por Biden: cortar as emissões do país pela metade até 2030.
Publicamente, Kerry havia anunciado a reunião com Salles e França em suas redes sociais na sexta, dizendo que o encontro serviu para tratar sobre “os importantes novos objetivos” do Brasil na área climática. “Estamos ansiosos para continuar a trabalhar juntos para colocar nosso mundo em um caminho para um futuro mais seguro, próspero e sustentável”, escreveu.
O Itamaraty também comentou a videoconferência e disse, no Twitter, que Brasil e Estados Unidos “seguirão trabalhando juntos para promover a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável”.
Durante a cúpula, na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu uma fala que causou, no mínimo, estranhamento a quem observa a política ambiental considerada negligente de seu governo.
O presidente brasileiro afirmou ter determinado a duplicação dos recursos destinados às ações de fiscalização ambiental no Brasil, comprometeu-se a alcançar a neutralidade climática até 2050 -dez anos antes da meta estabelecida anteriormente- e repetiu a promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030.
As informações são da FolhaPress