Etnocentrismo (etno= origem/raça/cultura + centro) = julgar inferiores outras etno, a sua é o centro, a melhor, a referência (um olhar de preconceito e discriminação sobre outras etno). A sua etno é a “certa”, as outras são “menores”, “inferiores” ou “erradas” ou “feias”). A sua etno é a referência, o modelo. As outras têm menor importância. Seu modelo é pra ser seguido, jamais deverá seguir. O etnocentrismo “explica” os preconceitos geográficos, raciais, históricos, culturais, até esportivos — lá fora e aqui no Brasil.
O “eurocentrismo” é um exemplo de etnocentrismo em âmbito mundial. Quando um europeu faz algo como se fosse o centro do mundo, isto é etnocentrismo. Quando o europeu passa a olhar os indígenas como seres inferiores, isto é etnocentrismo. Hoje, num exemplo conhecido, a eleição do melhor jogador da Europa como “melhor jogador do mundo” é um exemplo de etnocentrismo (nenhum atleta que atua FORA da Europa ganhou — sequer ficou entre os três indicados).
No Brasil existem muitos exemplos de etnocentrismo interno. Na literatura, grandes obras de autores fora de RJ/SP são chamados de “regionalistas”, de Érico Veríssimo no RS a Rachel de Queiroz no CE, passando por Jorge Amado na BA e Guimarães Rosa em MG, mas autores que retratam ambientes do RJ e SP jamais foram nem serão “regionalistas”, mesmo quando as gírias e o espaço físico são aspectos expressivos da obra (esta nunca será chamada de “literatura regional” nem “romance carioca” nem “romance paulista”). Na música, existe o rótulo de “música baiana”, mas não existe “música fluminense”, nem “música carioca”, nem “música paulista”. A música 100% carioca não recebe o rótulo de “música carioca” nunca-nunca-nunca. No futebol, TODOS os clubes fora das cidades do RJ e SP recebem um “adjunto” para esclarecer de onde eles são: só existe um Guarani (campeão brasileiro de 1978), mas só o chama é “Guarani de Campinas”. Só existe uma Ponte Preta, mas é preciso dizer que é de Campinas. O Cruzeiro é de Belo Horizonte, o Inter e o Grêmio são de Porto Alegre, o Vitória é da Bahia, os Atléticos são Mineiro, Paranaense e Goianiense (aliás, são seus nomes oficiais). As exceções óbvias ululantes são Ceará, Sergipe, Goiás, Santos, Bahia, Fortaleza, Coritiba, Paraná etc. Afinal, ninguém vai dizer “O Ceará do Ceará” nem “o Sergipe de Sergipe”, nem “o Bahia da Bahia”. Mas na televisão o narrador (RJ/SP) não diz “o Flamengo do Rio” nem “o Vasco do Rio” nem “o Palmeiras de São Paulo”. Até o Botafogo, que tem vários xarás, não é chamado (pelos narradores do RJ) como “Botafogo do Rio”, é chamado apenas de Botafogo e pronto.
As telenovelas da Globo quase todas se passam na cidade do RJ (quase sempre na Zona Sul, Leblon/Ipanema/Copacabana), mas não são classificadas como “novelas cariocas”. São chamadas de novelas “brasileiras”, até artigo de exportação.
São muitos exemplos.
Havia até uma piada que dizia: “O Rio de Janeiro fica de frente para o mar e de costas para o Brasil”. Porque PARECE olhar o Brasil do alto do Cristo Redentor. A linguagem autorreferente mostra um etnocentrismo no Rio, como referência, como modelo, como o mais bonito, como o desejado, a cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
Não tenho nada contra o Rio. Estou apenas citando um exemplo de etnocentrismo interno. Um tipo de atitude que às vezes é inconsciente.
Um carioca da gema nunca entende isso — até se zanga. Um morador do Rio sempre vai discordar, achar que “não é bem assim”. É aquela coisa: “Eu sou branco, não sinto na pele o racismo”. Quem está na parte dominante não sabe a dor do dominado. Nunca vai saber. E sempre vai reagir negando.
O etnocentrismo interno está no RJ e SP não por serem os cariocas e paulistanos uns bons FDPs, não, não, não é isso — é porque uma foi capital por séculos e até hoje é sede de meios de comunicação e a outra é a maior cidade, a locomotiva do país etc.
Se Salvador fosse até hoje a capital e fosse a locomotiva, as tivesse a TV Globo desde 1964… esse etnocentrismo seria a partir de Salvador.
Ninguém é bom ou ruim por nascer neste ou naquele lugar. Não estou criticando o carioca nem o paulistano — apenas mostrando fato, uma estrutura, uma coisa histórica.
Quem não enxerga essas diferenças sutis? Isso tem nome: ETNOCENTRISMO.
E essa cultura está tão impregnada, tão enraizada, tão cimentada na cabeça das pessoas que, ao ouvirem esses argumentos, ou se surpreendem (“nunca pensei nisso”) ou refutam com argumentos do tipo “não se fala Flamengo do Rio porque ele é o maior”.
TEXTO: Marcelo Torres* https://mundoeducacao.uol.com.br/amp/sociologia/etnocentrismo.htm