
(*) Nelson Valente
Senhor Ministro da Educação, Camilo Santana. O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental. Outra insensatez é a incompetência para enfrentar o drama do magistério. Os professores são malformados e pessimamente remunerados.
Estamos vivendo tempos sombrios em matéria de qualidade do ensino, em nosso país, especialmente se considerarmos a educação pública. Os resultados são catastróficos. Houve queda no desempenho em matemática. Na redação foi pior ainda. Vamos caminhando para o fundo do poço. Ou seja, são estudantes que concluíram o ensino médio, sabe-se lá Deus como, mas padecem dos males do analfabetismo funcional. São incapazes de raciocínios elementares.
Toda vez que se aborda um plano de governo, em que nível, surge a expressão qualidade do ensino. Uma tristeza! Verifica-se que tudo é de uma lentidão irritante.
Nossos estudantes leem pouco, consequentemente quando têm que escrever “a sério” o desastre é inevitável. Crase, vírgula, ponto e vírgula são elementos indispensáveis da língua portuguesa.
São muitas regras, é verdade, mão não há como fugir da sua aplicação. Por exemplo: separar o sujeito do verbo com uma vírgula é “pecado capital”. A compreensão desse fato enseja uma profunda mudança no ensino do Português, sabendo-se, entretanto, que é o povo que faz a língua. Pode-se concluir que a leitura liberta e leva a conhecer melhor o mundo, o outro e a si mesmo.
A linguagem manifesta a liberdade criadora do homem. Vive-se o convencimento generalizado de que lemos muito pouco (o índice é de menos de 2 livros por ano). Nos últimos tempos, surgiu uma estranha doença entre nossos jovens: DE (Déficit de Escrita). Se os alunos têm dificuldades de escrever e expor com clareza suas ideias é porque sua cota de informação e leitura é mínima, para não dizer inexistente.
Quando os jovens são chamados aos concursos públicos, o que, infelizmente, está ocorrendo com frequência cada vez maior, a falta de familiaridade com a norma culta da língua tem levado a resultados desastrosos, como assinalam os famosos Exames de Ordem da OAB. As reprovações acontecem em massa (às vezes o índice é de 80%). Lê-se pouco e escreve-se mal, o resultado só pode mesmo ser deprimente. Isso infelizmente alcança também os exames para o magistério.
É fácil imaginar o que ocorre quando o indivíduo se expressa verbalmente, em que as agressões ao vernáculo doem em nossos ouvidos.
É preocupante a falta de conhecimento de diversos profissionais de diferentes áreas em relação à Língua Portuguesa. Alegam essas pessoas que a simples troca de um Z por um S não muda o valor de uma petição advocatícia, a receita de um médico ou, ainda, o relatório de um administrador. Puro engano: um texto mal escrito abala a imagem do profissional que o escreve e, sem dúvida, desqualifica o trabalho.
Infelizmente, o descaso com o nosso idioma é notório. Além disso, há o desprezo pelas regras gramaticais e ortográficas, como se houvesse um desejo recôndito de prestigiar a ignorância. Não se quer exagerar os cuidados com a norma culta da língua, mas por que valorizar o linguajar sem regras?
Devemos ter cuidado com o que se fala e com o que se escreve, pois a nossa imagem está sendo sempre avaliada. A proliferação de “houveram”, “menas”. “hs” (para responder horas), mts (para abreviar metro), o uso da 2ª pessoa para o pronome V.Sa. e as constantes derrapadas na concordância verbal, parecem um festival de mau-gosto. Entre as incorreções que destoam no uso da língua, são frequentes pequenos descuidos, até perdoáveis, mas há casos de barbarismo contra a pureza da língua nos aspectos sintáticos, regenciais, ortográficos, sem falarmos de troca tão comum de tratamento, como também de organização ilógica de ideias, o que acarreta, frequentemente, ambiguidades e interpretações errôneas de pensamento.
A formação de professores no Brasil tem vivido sucessivas alterações e reformulações normativas e, em decorrência disso, têm surgido muitas dúvidas e perplexidades sobre a interpretação da legislação no momento da contratação de docentes. Como pretender, assim, uma educação de qualidade? Os cursos de formação de professores padecem de um abissal anacronismo. Colocar um computador na mão de quem não sabe manejá-lo significa muito pouco.
Senhor Secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder. Há um natural interesse em modificar a sistemática dos exames de habilitação no Brasil. Trata-se de um modelo cansado, velho, que se prestou também para enriquecer muitos falsos educadores com a proliferação dos condenáveis cursinhos. Mas é preciso trocar de modelo por algo que venha efetivamente a funcionar, sendo notável a ideia de valorizar a educação média. Os exames parcelados, a cada ano, somando resultados para uma avaliação final parece-nos o que de melhor foi sugerido, dividindo com mais inteligência o esforço dos alunos, além de obrigar as escolas a uma distribuição mais adequada da carga de conhecimentos a ser exigida dos que a ela têm acesso. O assunto é muito rico, instigante, e ainda será objeto de muita discussão pelas “autoridades educacionais” do país. Por gentileza, sempre citar a fonte e respeite minhas publicações e meus livros, Senhor Feder.
Nos bons tempos, ela era praticamente obrigatória, com os educandos levados a preencher as linhas paralelas com letras, sílabas e palavras que, como consequência, nos traziam o conforto de uma adequada expressão escrita. Aos poucos, o hábito foi sendo superado e, para muitos, o exercício da caligrafia era a comprovação da obsolescência dos nossos métodos. Nada mais triste do que essa falsa visão de modernidade, hoje agravada pela fúria do acesso aos computadores de qualquer maneira.
O uso das máquinas (blackberry, por exemplo) acelera a resposta, dá uma agilidade aos dedos, mas não facilita o raciocínio, que requer mais tempo para que os neurônios se organizem, de maneira disciplinada e inteligente, nas caixas cranianas. Do jeito que as coisas caminham, e com essa velocidade coloca-se em risco a sobrevivência da nossa língua inculta e bela, como dizia, no começo do século passado, o inesquecível poeta Olavo Bilac.
Menas – o do certo do errado, o errado do certo
Um aluno do interior perguntou-me se deveríamos condenar a linguagem popular, “pois esse pessoal fala de forma inadequada”. Foi necessário esclarecer a diferença entre linguagem popular e regionalismos. Primeiro, as expressões, apesar de inovadoras, podem vir a figurar em dicionários e vocabulários de transmissão da norma culta ou padrão, sem nenhuma dificuldade.
Os regionalismos são sempre aceitos. Em segundo lugar, temos a questão controvertida da chamada popular. O filólogo Antonio Houaiss (in memorian) chegou a popularizar o verbete “mengo”, diminutivo do clube mais popular do Brasil. Mas, ele jamais aceitaria adotar a palavra “probrema” ou “areoporto” – e dar-lhes o status de uma expressão legítima do português contemporâneo. Vê-se, pois, que há uma abissal diferença entre linguagem popular e regionalismos.
A prosódia, que é a forma de dizer a palavra, tem total liberdade, não se devendo exigir que um gaúcho fale com a mesma pronúncia do que um paranaense. O que, em virtude do Acordo de Unificação da Língua Portuguesa, que é eminentemente ortográfico, passemos a impor a Portugal ou Angola, por exemplo, o nosso gostoso e incomparável sotaque.
Cada povo que cuide das suas peculiaridades prosódicas. Mas escrever de uma forma é medida de inteligência e simplificação, que já vem tarde. O Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo, realizou uma interessante e concorrida mostra, intitulada “Menas – o do certo do errado, o errado do certo”, em que todas essas questões foram debatidas por professores e especialistas.
É claro que o ex-presidente Lula foi muito lembrado, pois no início do seu primeiro mandato presidencial era comum utilizar a palavra “menas”. Foi devidamente aconselhado e abandonou o hábito. Os puristas, especialmente os gramáticos, concordam esses equívocos, tipo “ela está drumindo” ou “o incêndio me trouxe perca total”.
Repetindo apenas para reforçar…
São frutos da linguagem coloquial, que se admite na fala, mas se condena na escrita. É lamentável o estado do Ensino Fundamental neste País. É o ovo da serpente gerando um perigoso veneno, em doses que aumentam continuamente e dão origem aos graves problemas que vêm caracterizando as crises até aqui invencíveis, e se instalaram no sistema educacional brasileiro.
Quando se debate o que deve ser lecionado aos nossos alunos, a partir de uma nova concepção de currículo, a variedade é imensa. Na discussão em torno do assunto, a imaginação é o limite. Chegamos ao absurdo de ler propostas de cortar episódios como a Inconfidência Mineira, Brasil Império e a revolução Farroupilha, sob o pretexto de que não contém elementos indígenas ou afrodescendentes em número expressivo. Querem reescrever a nossa história, como se isso fosse possível. Alguns professores defenderam a tese de que devemos abandonar os estudos das nossas matrizes eurocêntricas, o que atingiria a língua portuguesa, a sua literatura, e também a história do Brasil. Como abrir mão de tanta riqueza cultural?
A briga pelo aperfeiçoamento da educação brasileira não se limita mais a meia dúzia de abnegados. Hoje, há o generalizado convencimento de que é preciso mudar – e para melhor. Os discursos não são originais e esperar por milagres improváveis é deixar o sistema caminhar para um nó inexorável. Quem ganharia com isso?
As escolas brasileiras têm um punhado de papéis reunidos sob o nome de “proposta político-pedagógica” – (PPP), seja lá o que isso queira dizer: começa com uma frase do Paulo Freire e termina citando Rubem Alves. Porque no Brasil o que importa é acessório. O legal é colocar xadrez na escola, é ensinar teatro. O brasileiro vai à Finlândia e acha que o sucesso da educação daquele país se deve ao fato de que as paredes das escolas são pintadas de rosa.
A ser verdade o que foi proclamado em Brasília, ninguém mais poderia ser escritor, dando asas à imaginação. Só se poderia escrever sobre vivências claras, com o evidente abandono de tudo o que pudesse privilegiar a criatividade. Ou seja, ninguém deve dar bola para a gramática e a ortografia.
Todos esses fatos levam a uma única conclusão. O que falta ao Brasil não são recursos. O Brasil carece de capital humano. Esta nação na educação precisa propor-se moratória moral, concordata política, falência de qualquer ordem ou natureza.
Sou democrata, adepto do sistema representativo da interdependência dos poderes, de eleições secretas e livres, dos mandatos a prazo determinado, dos intangíveis direitos individuais, da liberdade de pensamento.
(*) Professor Universitário, Jornalista e Escritor.