foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press
Quando criança, a advogada Karina Melo Saraiva, hoje com 45 anos, teve aulas de educação financeira na escola onde estudava, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais. As lições vinham com a disciplina de prática comercial e financeira. “Nós aprendemos a administrar dinheiro e, já naquela época, eu colocava o aprendizado em prática ao usar minha mesada. Eles me ensinavam sobre quanto gastar por mês, a cuidar dos livros da escola para vender no fim do ano, a lidar com os bancos. Eram temas tratados em sala de aula”, lembra.
Por saber da importância desse aprendizado para o desenvolvimento intelectual e emocional de crianças e jovens, a advogada é entusiasta da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de introduzir a educação financeira nas escolas brasileiras, conforme as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A obrigatoriedade foi estabelecida em 2017, mas começará a ser aplicada neste ano. De acordo com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, como a matéria não fará parte da grade de ensino, cabe às unidades inserirem o novo conteúdo de forma transversal, nas disciplinas lecionadas, conforme o plano pedagógico de cada escola.
Para Karina Saraiva, quanto mais cedo a noção do dinheiro é introduzida na vida da criança, maior será a capacidade de administração financeira. “Meu filho, de 6 anos, agora vai aprender sobre finanças na escola, bem na idade em que olha para brinquedos e acaba querendo ter tudo. Ele precisa saber que, às vezes, não tenho como ter acesso a certas coisas. Essas aulas ajudarão bastante com isso. Vai ser muito positivo para ele”, comemora.
Segundo a decisão do Ministério da Educação (MEC), redes de ensino públicas e privadas de todo o Brasil devem se adequar à nova norma para ajustar o currículo e abordar o tema. O assunto será ensinado nas escolas desde a educação infantil até o ensino médio. O objetivo é preparar os alunos para que desenvolvam o hábito de poupar e oferecer conhecimento para que, quando adultos, tomem decisões mais conscientes enquanto consumidores e saibam avaliar os produtos financeiros mais adequados, de acordo com o perfil e objetivos de cada um.
Controle de Gastos
Psicóloga e escritora, Olga Tessari acumulou experiência no tratamento de pessoas com dificuldade para lidar com dinheiro e está otimista com os efeitos da novidade no futuro financeiro dos brasileiros. “Uma das coisas que fazemos como psicólogos é a educação emocional, mas o dinheiro, às vezes, traz muito sofrimento. Então, esse é um assunto com o qual trato bastante com os meus pacientes”, conta. De acordo com ela, educar as crianças para administração financeira pode evitar problemas futuros, como compulsões com gastos e aquisição de dívidas desnecessárias.
“Quanto antes as crianças aprenderem, melhor. Muitas vezes, os pais suprem todas as necessidades com brinquedos e outras coisas que despertam desejo, e elas acabam sem noção do valor do dinheiro”, afirma. Para a psicóloga, a educação financeira começa dentro de casa, e os pais devem estimular os filhos a terem controle de uma pequena quantia para ir aprendendo a administrá-la. “Se eles não saberem o trabalho que dá para obter dinheiro, eles acabam gastando sem pensar”.
Poupança e dívidas
A Associação de Educação Financeira do Brasil (Aef Brasil) desenvolve metodologias para a disseminação do tema entre estudantes e educadores. Cláudia Forte, superintendente da Aef, acredita que a inserção do tema na grade curricular é uma alternativa para a solução de problemas reais do país, como consumismo, falta de poupança e endividamento da população.
A associação divulgou recentemente o resultado parcial de uma pesquisa feita em parceria com a Serasa Consumidor e a Serasa Experian, segundo a qual a educação financeira nas escolas ajuda a desenvolver em crianças e adolescentes hábitos saudáveis na relação com o dinheiro, como a cultura de poupar e de falar sobre o tema de forma aberta no ambiente familiar. Um dos dados do estudo mostra que 34% dos jovens impactados pelo projeto da Aef afirmaram ter aprendido, depois da experiência, a importância de economizar.
Outros 24% passaram a conversar com os pais sobre educação financeira, e 21% aprenderam a usar melhor o dinheiro. A pesquisa mostrou, ainda, que 56% dos estudantes consultados possuíam cofrinhos em casa para guardar suas economias. Desses, 30% tinham o objetivo de ajudar os pais com as economias e 41% pretendiam continuar poupando.
O Programa de Apoio à Implementação da BNCC (ProBncc) já aplicou mais R$ 200 milhões em apoio para estados e municípios revisarem documentos curriculares, de forma a se alinharem à base, segundo o MEC. No âmbito do ProBncc, o Ministério oferece formação para multiplicadores nos estados e municípios. As secretarias de Educação, por meio desses multiplicadores, devem estimular os professores a abordarem a educação financeira de forma transversal, nas várias disciplinas, de maneira contextualizada para a realidade local.
Para Jonatas Bueno, educador financeiro, a medida é bem-vinda. “Várias escolas particulares tinham adotado a educação financeira como diferencial. Agora, com a obrigação, felizmente, temos um ponto de partida nas escolas públicas”, afirma. Segundo ele, faltam medidas como essa para ajudar a população brasileira a organizar as finanças. “Lidar bem com o dinheiro é o diferencial para a qualidade de vida. Quando a educação financeira é inserida na infância, ela corrige falhas”, opina. “Acho que a abordagem tem que ser no dia a dia. Muitos professores acham que é só falar de matemática, mas o foco é no comportamento, na postura e na decisão”, explica.
Bueno afirma que, ao trazer o assunto para o cotidiano dos jovens, eles aprendem a tomar decisões logo cedo e a administrar o próprio dinheiro do lanche, por exemplo. “No futuro, a criança estará mais preparada para lidar com juros, para evitar decisões erradas e endividamento, além de brigas familiares. É um divisor de águas, na minha opinião.”
Via: CB