*Frutuoso Chaves
Sem sono, às 3 da manhã, busco pela Internet informações sobre “A Guerra dos Mundos”, a transmissão radiofônica do enredo de H. G. Wells com a qual Orson Welles apavorou milhões de pessoas nos Estados Unidos.
O aviso de que se tratava de uma ficção, feito no início da peça, fora perdido por grande parte dos ouvintes da Columbia Broadcasting System, a famosa CBS, naquele 30 de outubro de 1938. Resultado: levada a sério, a história da pulverização de canhões, prédios e gente com armas de raio empunhadas por marcianos aterrorizava multidões.
O “New York Times” trazia na edição seguinte o saldo da histeria coletiva. Famílias em pânico nas ruas, muitas outras em fuga das cidades e pedidos de socorro à polícia sucederam-se no transcurso do enredo posto no ar, em tons realísticos, com o auxílio luxuoso de atores e atrizes da Companhia Mercury Theatre on the Air.
Hoje em dia, os mais apressados na crítica à estupidez humana devem atentar para o fato de que 1938 não era um ano fácil. No setembro seguinte, Hitler precipitaria os acontecimentos dos quais resultariam o conflito mundial. As bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki explodiriam em agosto de 1945. Eram tempos, portanto, dos nervos à flor da pele.
O episódio de “A Guerra dos Mundos” tem registro no formidável “A Era do Rádio”, lançamento de 1987 do bom e velho Woody Allen.
Na cena, a tia solteirona do pirralho no qual o cineasta projeta a própria infância, é abandonada numa estrada deserta pelo namorado. O homem suspende os amassos que dava na moça e se embrenha no mato, apavorado, quando o rádio do carro interrompe a programação musical para noticiar a invasão dos marcianos.
A narrativa de Woody Allen acerca de acontecimentos passados, com a voz e o olhar de adulto, quase confere ares de documentário ao belo e saboroso filme. Isso e a lembrança de programas, jingles, histórias e personagens do rádio. Imperdível a cena em que a brasileira Denise Dummont interpreta Carmem Miranda.
Em outra passagem, o menino “Woody” afana parte da coleta de dinheiro na rua em prol de Israel para comprar o anel do Vingador Mascarado. Descoberto o crime, toma cacete do pai e do rabino.
O filme já impressiona em sua abertura. Uma dupla de ladrões invade, no escuro, uma casa vazia, interrompendo o roubo para atender alguém ao telefone, a fim de que o barulho da chamada não acorde a vizinhança.
Do outro lado da linha está um locutor com teste ao vivo do tipo “qual é a música”. A orquestra executa as introduções para o atendente identificar cada canção, em poucos segundos. Um dos ladrões acertou tudo. Dia amanhecido, os donos da casa se surpreendiam com o arrombamento, o sumiço da prataria e o desembarque de móveis novíssimos, de um caminhão de entregas, resultado do sorteio telefônico. Bem Woody Allen, não?
Ah, sim… No fim do mês que vem, a encenação de Orson Welles, este um fato bem real, completará 82 anos.
* Jornalista profissional com passagens pelos jornais paraibanos A União (Redator e Chefe de Reportagem), Correio (Redator e Editor de Economia), Jornal da Paraíba (Editorialista), O Norte (Editor Geral), O Globo do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio do Recife (correspondente na Paraíba, em ambos os casos). Também pelas Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife).