Duas entidades de defesa dos direitos LGBTQIA+ protocolaram uma ação civil pública contra a nova carteira de identidade nacional
BRUNO LUCCA
SÃO PAULO, SP
Duas entidades de defesa dos direitos LGBTQIA+ protocolaram na última terça-feira (18) uma ação civil pública contra a nova carteira de identidade nacional, que substitui o RG (Registro Geral).
Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), o documento fere a dignidade de pessoas trans. Um dos motivos, afirmam, é a inclusão obrigatória do campo “sexo”, que abriria brechas para violações de direitos humanos daquelas pessoas que apresentarem um gênero de registro que não corresponda a sua identidade.
Outro problema levantado é que o novo documento prevê a exposição do nome civil na frente do nome social, quando houver. Isso afetaria pessoas trans que não fizeram retificação.
Em nota, as entidades dizem que “impor a utilização do nome de registro precedendo o nome social configura flagrante violação do direito a autoidentificação da pessoa trans e abre precedente perigoso para a exposição vexatória de um nome que não representa a pessoa que se deseja identificar”.
Na ação, Antra e ABGLT pedem a suspensão da emissão do novo documento até o afastamento de qualquer traço discriminatório em desfavor de pessoas trans, a revogação da obrigatoriedade do campo “sexo” e que o nome social seja o único a constar no documento ou que ganhe mais destaque.
A ação civil pública tem o intuito de proteger os interesses da coletividade e é cabível para responsabilizar quem tenha causado danos morais ou materiais ao meio ambiente, aos consumidores, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Agora, o Ministério Público deve agir como fiscal da ação e dar continuidade à apuração.
Keila Simpson, presidente da Antra, disse à Folha que a nova carteira de identidade é um retrocesso que não pode ser aceito.
“Passamos tantos anos para conquistar direitos básicos, como o de nos identificarmos como quem somos sem a obrigatoriedade da retificação. O RG antigo, apesar de não ser perfeito, trazia avanços importantes para a população trans, como o destaque para o nome social. Por que colocar o nome dado ao nascer agora? Isso é por puro prazer em constranger”, declara a ativista.
Simpson também destaca a obrigatoriedade da identificação de gênero na certidão. “Não entendo a necessidade disso. Imagine, mais uma vez, uma pessoa trans não retificada. Ela já será identificada pelo nome morto, ainda tem que ser pelo sexo oposto? É um absurdo. O Brasil está no caminho do retrocesso.”
O decreto que institui a carteira de identidade nacional foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em cerimônia no Palácio do Planalto. O número único de identificação do cidadão será o CPF (Cadastro de Pessoas Físicas). No decreto, foi determinado que o prazo de adaptação dos estados será 6 de março de 2023.
É a mais recente de uma série de medidas anunciadas para mudar a identificação em razão do caráter estadual do RG. Atualmente, uma pessoa que perca seu RG e solicite uma segunda via em outro estado recebe um número diferente desse documento.
Na prática, isso significa que um mesmo cidadão pode ter diferentes números de RG em vários estados do país.
A nova carteira nacional de identidade começou a ser emitida no último mês de julho. O primeiro estado a aderir foi o Rio Grande do Sul. Em agosto, Acre, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e Paraná também passaram a emitir, segundo cronograma divulgado pelo Ministério da Justiça.
O atual RG tem validade até 2032, portanto, não será necessária a emissão imediata do novo documento.