A elegância estilística resultou em poemas vitais. Sua obra é atemporal, assim como seus questionamentos sobre o sentido da vida, cujos temas são constantes na alma humana
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Marina Teixeira Canedo
Especial para o Jornal Opção
Jorge Luis Borges (1899-1986) nasceu em Buenos Aires, Argentina, e faleceu em Genebra, Suíça. Passou boa parte de sua vida na Europa. Este fato contribuiu para sua sólida formação cultural clássica e eclética. Teve alfabetização bilíngue e um ambiente familiar que favoreceu o gosto pela leitura.
Harold Bloom, o renomado crítico judeu norte-americano, considerou-o como um dos três fundadores da Literatura Hispano-Americana do século 20, ao lado do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) e do romancista cubano Alejo Carpentier (1904-1980). Em seu livro “O Cânone Ocidental”, Bloom cita-o como sendo o mais universal de todos os autores latino-americanos do século 20.
Borges e Neruda são os dois únicos latino-americanos que foram incluídos, por Harold Bloom, em sua não tão extensa lista de escritores (26 canônicos) dignos de pertencerem ao Olimpo Literário do lado ocidental do planeta (em livro posterior, “Gênio — Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura”, incluiu Machado de Assis, Octavio Paz, Alejo Carpentier). A posição conservadora de Borges impedia sua admiração sem reservas por Neruda, cujo ideal político situava-se à esquerda do pensamento político e ideológico. Por sua vez, Pablo Neruda considerava Borges alguém fora da realidade de seu tempo, divergências ideológicas que se refletiram em seus escritos.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936) não entrou no famoso cânone do respeitado crítico Harold Bloom, mesmo sendo detentor de um Prêmio Nobel de Literatura, muito embora tenha sido laureado com o importante prêmio em 2010 e o “Cânone” sido publicado em 1994. Nenhum brasileiro. A maioria dos canônicos é de fala inglesa. Sabe-se lá a razão (o idioma do mestre de Yale, falecido em 2019, era o inglês). É também europeia, mas não há dúvidas de que a Europa ocupa um lugar privilegiado: é a colonizadora-mor do resto do mundo sendo também o berço da cultura ocidental, fazendo-se ressalvas às influências árabe-judaicas.
A escrita de Borges percorre todos os caminhos literários, menos o romance. Foi escritor, poeta, ensaísta, contista, tradutor, e um dos criadores do Realismo Fantástico na América Latina. Sobressaiu-se principalmente no conto e na poesia, tendo no conto “O Aleph” uma de suas principais obras e talvez a mais conhecida.
O ateu que não parecia ateu
Borges se confessa ateu, mas sua temática contesta, de certa forma, essa afirmativa. Seus escritos geralmente estão inseridos em conceitos cosmológicos.
Apesar de se dizer descrente, usa de explicações cosmogônicas para justificar suas afirmativas poéticas e contísticas, talvez apenas como argumento retórico. Mas uma visão gnóstica é pano de fundo em seus contos, e os temas bíblicos são recorrentes em sua obra: o Lenho, Caim, Abel, o Jardim, o Sangue de Cristo, o Paraíso, Céu, Inferno, os Salmos, Cantares, o Senhor, Deus.
Seus poemas e contos tratam de questionamentos metafísicos, espinha dorsal de sua obra, no meu entender.
Dentre suas avaliações sobre outros autores, destaco aqui seu conceito a respeito de Freud: “Penso nele como uma espécie de maluco, não? Um homem mourejando em cima de uma obsessão sexual. Tentei lê-lo, e achei que era ou um charlatão ou um louco, num certo sentido. Afinal, o mundo é complexo demais para ser reduzido a esse esquema demasiado simples”.
Mas gostava e admirava Jung. Sua desaprovação às teorias freudianas pode ajudar o leitor a entender melhor o escritor portenho. Ou não.
Li, pela segunda vez, o livro de Jorge Luis Borges intitulado “O Outro, o Mesmo”, da Companhia das Letras (1964). No prólogo ele afirma ser este o seu livro preferido de poesias. De fato, nele há a compilação de seus melhores poemas, como “Everness”, “A Fome”, “Soneto do Vinho”, e os formidáveis “Os Enigmas” e “O Instante”.
O autor, renomado contista e ensaísta argentino e de grande projeção mundial, destaca-se naquele livro pelas composições poéticas primorosas. Como ele mesmo diz, considera-se sobretudo um poeta. Sua erudição enseja-lhe galgar assuntos diversos e profundos e discorrer sobre vultos históricos e personalidades literárias, com mestria.
Há inúmeros poemas em que presta tributo a escritores, poetas e filósofos que o influenciaram ou pelos quais tem admiração, como Milton, Edgar Allan Poe, Emerson, Espinosa, Homero, Walt Whitman, Emanuel Swedenborg, Rafael Cansinos Assens.
Borges foi um cidadão do mundo. Morou na Suíça, Espanha, Inglaterra e Argentina. No entanto, seu amor à terra natal permaneceu como uma chama, que lhe aquecia o viver e alimentava-lhe a memória. Dentre seus poemas há vários dedicados à Buenos Aires e outros tantos a fatos históricos de seu país de origem, Argentina. Em uma “Ode” estão estes versos: “Ninguém é a pátria, mas todos o somos. Arda em meu peito e no vosso, incessante, esse límpido fogo misterioso”.
O Tempo, o Desconhecido, os Enigmas, a Morte, o Esquecimento, a Fatuidade, o Espelho, o Labirinto, são temas e questionamentos que percorrem, sistematicamente, sua obra poética e contística. Ler seus poemas é conhecer o primor da construção poética.
Sua elegância estilística, juntamente com a grande bagagem cultural, resultou em poemas e sonetos preciosos, verdadeiras joias literárias. Seu livro é atemporal, como também seus questionamentos sobre o sentido da vida, cujos temas são constantes na alma humana.
Ler a obra borgesiana é um ato enriquecedor, um aprimoramento do pensamento clássico.
Conhecê-la enobrece a alma e nos conduz pelas dobras do Tempo e pelas inquietações metafísicas.
Marina Teixeira Canedo é crítica literária. É colaboradora do Jornal Opção.