(*) Nelson Valente
Emília Ferreiro nasceu na Argentina em 1936. Doutorou-se na Universidade de Genebra, sob a orientação do biólogo Jean Piaget, cujo trabalho de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou estudando um campo que o mestre não havia explorado: a escrita.
A partir de 1974, Emília desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos com crianças que deu origem às conclusões apresentadas em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979.
As pesquisas de Emília Ferreiro e o termo construtivismo começaram a ser divulgados no Brasil no início da década de 1980. As informações chegaram primeiro ao ambiente de congressos e simpósios de educadores. O livro-chave de Emília, Psicogênese da Língua Escrita, saiu em edição brasileira em 1984.
As descobertas que ele apresenta tornaram-se assunto obrigatório nos meios pedagógicos e se espalharam pelo Brasil com rapidez, a ponto de a própria autora manifestar sua preocupação quanto à forma como o construtivismo estava sendo encarado e transposto para a sala de aula. Mas o construtivismo mostrou sua influência duradoura ao ser adotado pelas políticas oficiais de vários estados brasileiros.
Compreensão do conteúdo
Com base nesses pressupostos, Emília Ferreiro critica a alfabetização tradicional, porque julga a prontidão das crianças para o aprendizado da leitura e da escrita por meio de avaliações de percepção (capacidade de discriminar sons e sinais, por exemplo) e de motricidade (coordenação, orientação espacial, etc.). Dessa forma, dá-se peso excessivo para um aspecto exterior da escrita (saber desenhar as letras) e deixa-se de lado suas características conceituais, ou seja, a compreensão da natureza da escrita e sua organização. Para os construtivistas, o aprendizado da alfabetização não ocorre desligado do conteúdo da escrita.
É por não levar em conta o ponto mais importante da alfabetização que os métodos tradicionais insistem em introduzir os alunos à leitura com palavras aparentemente simples e sonoras (como babá, bebê, papa), mas que, do ponto de vista da assimilação das crianças, simplesmente não se ligam a nada. Segundo o mesmo raciocínio equivocado, o contato da criança com a organização da escrita é adiado para quando ela já for capaz de ler as palavras isoladas, embora as relações que ela estabelece com os textos inteiros sejam enriquecedoras desde o início.
Segundo Emília Ferreiro, a alfabetização também é uma forma de se apropriar das funções sociais da escrita. De acordo com suas conclusões, desempenhos díspares apresentados por crianças de classes sociais diferentes na alfabetização não revelam capacidades desiguais, mas o acesso maior ou menor a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida.
Sala de aula vira ambiente alfabetizador
Uma das principais consequências da absorção da obra de Emília Ferreiro na alfabetização é a recusa ao uso das cartilhas, uma espécie de bandeira que a psicolinguista argentina ergue. Segundo ela, a compreensão da função social da escrita deve ser estimulada com o uso de textos de atualidade, livros, histórias, jornais, revistas. Para a psicolinguista, as cartilhas, ao contrário, oferecem um universo artificial e desinteressante. Em compensação, numa proposta construtivista de ensino, a sala de aula se transforma totalmente, criando-se o que se chama de ambiente alfabetizador.
(*) é professor universitário, jornalista e escritor
Através da leitura de seu texto pude passear pelos corredores da escola onde a Professora Jamile Fares Midauar nos alfabetizou com a Cartilha Caminho Suave…
Percorri também o Colégio onde meus filho estudaram, o Piaget, de Cascavel… Relembro atividades… Lidavam com tudo, cozinha, horta, jardim, inventavam brincadeiras….
E, de fato, são muito mais rápidos que eu em tudo. Fazem conexões que eu demoro pra alcançar.
A evolução é algo maravilhoso.
Por outro lado, relembro, nem sei exatamente porquê, Leo Buscaglia, professor de Amor nas escolas americanas, e seu livro Vivendo, Amando e Aprendendo… É emocionante a preocupação dele em mantermos vivo o maravilhamento da infância, não deixar que o sorriso do menino se perca na poeira dos tempos. Excelente leitura. Obrigada.
Valente querido, que artigo excelente. Muito completo e didático. Você tem razão em escrever sobre essa teórica que merece todao ao reconhecimento como a maior investigadora sobre a psicogênese da língua escrita do
Século XX. Eu prestei uma singela homenagem a ela, na Assembléia Legislativa, oferecendo a Medalha Libertadores da Humanidade.