Funcionários de distritais da Mesa Diretora trocaram e-mails sobre recurso. Dois falaram ao MP nesta quinta; órgão apura suposto esquema de propina.
E-mails trocados entre integrantes da chamada “mesinha” – assessores dos deputados que participavam da Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal – em dezembro de 2015 mostram que a destinação da emenda parlamentar sobre a sobra orçamentária da Casa mudou diversas vezes, inclusive no dia da votação. O Ministério Público e a Polícia Civil investigam se a liberação do recurso para pagamento de empresas de UTI contratadas pelo governo foi negociada em troca de propina a deputados distritais.
Nesta quinta (8), o MP ouviu nesta quinta-feira (8) dois funcionários da Câmara para “traçar” o caminho da emenda que destinou R$ 30 milhões para pagar seis empresas de UTI.
Um dos funcionários ouvidos é Genésio Vicente. Ele era diretor da segunda secretaria, então comandada pelo distrital Julio Cesar (PRB). Em 8 de dezembro, ele mandou um e-mail para o ex-secretário executivo da vice-presidência da Casa José Adenauer Lima. Na época, o segundo posto do Legislativo pertencia a Liliane Roriz (PTB).
A mensagem eletrônica cita uma reunião em que estiveram também Alexandre Cerqueira, então da terceira secretaria, de Bispo Renato Andrade (PR), e Valério Neves, que era secretário-geral da Câmara e representante de Celina Leão (PPS).
Vicente afirma que o valor repassado da emenda foi revisto. Metade iria para os pagamentos das empresas de UTIs contratadas pelo GDF e os outros 50%, para a reforma de escolas. A reunião havia sido de manhã e os e-mails, trocados à tarde.
O percentual mudou novamente no plenário, antes da votação. Testemunhas disseram que Valério Neves mandou destinar R$ 30 milhões para as UTIs e R$ 1 milhão para as escolas.
Todos os deputados investigados negam irregularidades para a aprovação da emenda. Funcionário da “mesinha”, Rusemberg Almeida, pediu demissão da Câmara Legislativa. Ele traba
lhava na segunda secretaria, na cota do deputado Julio Cesar.
‘Deputado interessado’
O chefe de gabinete da deputada distrital Liliane Roriz (PTB), José Adenauer Lima, disse ao Ministério Público e à Polícia Civil do Distrito Federal que o deputado Cristiano Araújo (PSD) foi o deputado que mais se mostrou interessado na emenda parlamentar que destinou R$ 30 milhões para pagamento de dívidas em atraso do governo do DF com seis empresas que prestam serviço de UTI.
A reportagem da TV Globo teve acesso ao inquérito da “Operação Drácon”, que apura se parlamentares do DF receberam propina em troca da liberação de verbas dessas emendas. De acordo com o depoimento de Lima, Araújo “veio imediatamente lhe cobrar” o recurso. “Cadê a emenda?” questionou o distrital, segundo o chefe de gabinete de Liliane.
Em outro trecho do inquérito, o ex-secretário-geral da Câmara Legislativa do DF Valério Neves disse em conversa com Liliane que eles tentaram conversar com Afonso, “que não garantiu nada”. As investigações apontam que ele seria o presidente da Associação Brasiliense de Construtores (Abrasco), Afonso Assad.
O dirigente da entidade disse ter sido sondado por dois deputados para agilizar liberação de verbas para obras, em troca de propina. O tema foi debatido em três reuniões com Bispo Renato Andrade (PR) e Julio Cesar (PRB), que teriam colocado as emendas parlamentares “à disposição” para investimentos. O empresário diz ter sugerido a aplicação das verbas em obras de manutenção predial – reforma de escolas e unidades de saúde, por exemplo.
Os áudios com conversas de Valério Neves mostram que ele citou Araújo como parte do suposto esquema. “Enquanto o Cristiano tem um negócio que pode render no mínimo 5[%] e no máximo 10[%], fica em torno de 7[%]”. O negócio envolveria as UTIs. A conversa prossegue. Neves diz “’peraí’, não teve jeito, vamos botar tudo num lugar que tem jeito”.
A assessoria de Araújo diz que a pressa para aprovar a emenda era natural, pois se tratava de um projeto importante para a sociedade. Os deputados investigados negam participação em qualquer irregularidade.
Encaminhamento
A parte das investigações que se refere ao suposto esquema de propina paga para firmar contratos com as secretarias de Saúde e da Fazenda saiu do Ministério Público do DF e foi enviada para a Procuradoria Geral da República (PGR). Isso porque o nome do governador Rodrigo Rollemberg é citado e é a PGR que tem competência pra decidir se há indícios pra investigá-lo.
Por nota, o GDF disse que o envio do inquérito à PGR é procedimento normal pois as gravações mencionam autoridades com foro privilegiado. O governo do DF disse que apoia as investigações.
Áudios
A polícia apura denúncias da deputada Liliane Roriz (PTB) de que a presidente da Câmara, Celina Leão (PPS), articulou um esquema de pagamento de propina e desvio de recursos de emendas parlamentares que seriam usados para pagar contratos de gestão de UTIs.
No último dia 22, o Tribunal de Justiça do DF determinou o afastamento de toda a Mesa Diretora da Casa. A medida cautelar (ou seja, antes do julgamento do mérito) foi pedida pelo MP, para apurar suspeitas de pagamento de propina que teriam beneficiado os deputados.
A decisão do desembargador Humberto Adjuto Ulhoa vale até o fim das investigações. Foram afastados a presidente Celina Leão e os secretários Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR). A vice-presidente, Liliane Roriz (PTB), havia renunciado ao cargo.
Com o afastamento, o recém-eleito vice-presidente Juarezão (PSB) deve coordenar os trabalhos até o fim do ano. Suplentes dos secretários, os distritais Lira (PHS), Agaciel Maia (PR) e Rodrigo Delmasso (PTN) assumem as vagas pelo mesmo período.
A saída dos membros da Mesa Diretora aconteceu no mesmo dia em que a Polícia Civil deflagrou a “Operação Drácon”. No primeiro dia de ação, foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão, 8 mandados de condução coercitiva e 4 de afastamento cautelar. As buscas foram feitas nos gabinetes parlamentares, na Presidência da Câmara e na residência das pessoas citadas. Segundo o MP, todos se apresentaram espontaneamente, dispensando o cumprimento da condução coercitiva.
“As investigações são sigilosas. Elas vieram a conhecimento público antes do momento que julgávamos oportuno. Essa palavra é muito cara, porque o princípio mais importante da investigação é a oportunidade. Isso exigiu do MP e do Judiciário a tomada de medidas na manhã de hoje”, afirmou o promotor de Justiça do Grupo de Apoio ao Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Clayton Germano, no dia 22 de agosto.
A ação policial ocorre quase uma semana depois de a corporação apreender documentos e computadores no Palácio do Buriti, em uma investigação para apurar suspeitas de extorsão contra a presidente do sindicato dos servidores na Saúde (SindSaúde), Marli Rodrigues.
Na última sexta-feira (2), a Polícia Civil apreendeu novos documentos na Câmara, em gabinetes de membros afastados da Mesa Diretora. A corporação também tentou acesso a filmagens e gravações de sessões plenárias da Casa de 2015, mas, segundo a assessoria da Câmara Legislativa, não havia material disponível.