Em 2019, Comissão de Direitos Humanos da CLDF recebeu 6 relatos de violência nos presídios de Brasília; em 2021 foram 222. Secretaria de Administração Penitenciária diz que apura todos os casos.
Complexo Penitenciário da Papuda, no DF — Foto: TV Globo / Reprodução
Em três anos, as denúncias de tortura e maus tratos no sistema prisional do Distrito Federal cresceram 3.600%, segundo um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF). O levantamento mostra que, em 2019, houve seis registros desse tipo, já em 2021, foram 222 denúncias.
O relatório foi entregue a representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta quarta-feira (2), durante uma reunião da comissão com o Subcomitê de Combate à Tortura da Organização das Nações Unidas, no Congresso Nacional.
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape-DF) afirma que “todas as denúncias são averiguadas e, caso confirmado, qualquer desvio de conduta por parte de policial penal, o mesmo é responsabilizado” (veja íntegra abaixo).
Além de tortura e maus tratos, estão na lista a falta de acesso à saúde, a dificuldade para receber visitas e a falta de comunicação com as famílias, a má qualidade da alimentação, a falta de condições de higiene, a superlotação e a infraestrutura precária, entre outros. Ao todo, a Comissão de Direitos Humanos da CLDF recebeu 983 denúncias de violações no sistema prisional do DF, distribuídas da seguinte maneira:
- 2019: 22 denúncias
- 2020: 505 denúncias
- 2021: 456 denúncias
Parentes de presos se aglomeram em frente à Papuda para entrega de dinheiro e produtos de higiene, em imagem de arquivo — Foto: TV Globo/ Reprodução
O documento aponta como principais causas das violações de direitos, “a superlotação do sistema prisional e a existência de baixo efetivo de agentes penitenciários para a quantidade de demandas existentes”.
Para o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da CLDF, deputado Fábio Felix (Psol), chama a atenção o aumento das violações durante a pandemia da Covid-19, período que, segundo ele, “familiares ficaram meses sem sequer ter notícias sobre os presos”.
“É estarrecedor que o Estado ainda utilize a tortura como uma falsa ‘correção’ de condutas. Além de crime, tortura não ressocializa. Essas pessoas estão sob a tutela do Estado e é dever do poder público resguardar a dignidade delas”, diz Felix.
Segundo o deputado distrital, o relatório foi entregue aos representantes da ONU “para pressionar o GDF e a Justiça a resolverem problemas que se arrastam há décadas, como a superlotação e a violência nos presídios”. Veja abaixo as denúncias, ano a ano:
Tortura e maus tratos
- 2019: 6
- 2020: 46
- 2021: 222
Falta de acesso à saúde
- 2019: 7
- 2020: 197
- 2021: 15
Dificuldade nas visitas e incomunicabilidade dos internos com a família
- 2019: 5
- 2020: 191
- 2021: 123
Má qualidade da alimentação e falta de condições de higiene
- 2019: 1
- 2020: 53
- 2021: 62
Superlotação e infraestrutura
- 2019: 1
- 2020: –
- 2021: 9
Recomendações
Além dos quase mil relatos sobre violações no sistema prisional do DF, o documento traz uma série de recomendações para o poder público, como:
- Aprovação de um projeto de lei que cria o mecanismo distrital de prevenção e combate a tortura
- Instalação de câmeras em todos os corredores, pátios e veículos de transporte de detentos
- Adoção de medidas para diminuir a superlotação de celas
- Distribuição de máscaras do tipo PFF2 a policiais penais, internos e visitantes
- Atendimento psicológico às vítimas de agressões
- Aplicação de cursos de capacitação aos policiais penais, tratando de comunicação não violenta, mediação de conflitos e promoção da cultura de paz, entre outros
O que diz a Seape-DF
Confira a íntegra da nota da Seape-DF sobre o relatório:
“A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) informa que todas as demandas enviadas pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar são apuradas e respondidas dentro dos prazos estipulados.
Preliminarmente, em relação à alimentação fornecida nas unidades prisionais, é válido frisar que os contratos de alimentação são objeto de extrema diligência por parte dos gestores desta Pasta. Vale ressaltar que o fornecimento de uma alimentação de boa qualidade tem correlação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana e outras normas de matriz constitucional. Esta SEAPE tem fortalecido a fiscalização da alimentação que é fornecida aos custodiados e estudos técnicos apontam as refeições diárias ofertadas pelo Estado contêm todos os nutrientes necessários no que se refere ao aporte calórico diário indispensável à manutenção da saúde nutricional e atendem as recomendações do Ministério da Saúde.
No que tange as reclamações referentes à suspensão de visitas, é importante esclarecer que a Vara de Execuções Penais – VEP/DF é o órgão competente para decidir sobre o tema, sendo que pauta suas decisões nas orientações técnicas dos setores de saúde visando conter o avanço do COVID-19 dentro do Sistema Penitenciário.
Nesse contexto, com vistas a minimizar os impactos da suspensão das visitas presenciais, desde o início da pandemia, esta Pasta foi pioneira na implementação da visita virtual, tendo sido realizadas mais de 35 mil videoconferências entre custodiados e seus familiares.
No que diz respeito à saúde, é válido informar que todas as unidades prisionais do DF possuem uma Unidade Básica de Saúde – UBS em seu interior, que conta com médico, odontólogo, enfermeiro, técnico em saúde bucal, auxiliar de enfermagem, psicólogo, assistente social, farmacêutico, terapeuta ocupacional, psiquiatra, fisioterapeuta, ginecologista (no caso do presídio feminino) e um infectologista que atende todo o sistema prisional.
Só no ano de 2021 foram realizados mais de 157 mil atendimentos médicos. Todos os custodiados ao serem reclusos passam por triagem médica, recebem vacinas e é feita anamnese para identificar pacientes crônicos ou que fazem uso de medicação de uso contínuo.
Acerca dos relatos de violência, todas as denúncias são averiguadas e, caso confirmado, qualquer desvio de conduta por parte de policial penal, o mesmo é responsabilizado.
Tecendo essas considerações, esta SEAPE reafirma o compromisso com a dignidade da pessoa privada de liberdade e reforça que não coaduna com qualquer conduta que viole os direitos e garantias individuais firmadas na Constituição Federal de 1988.”
Visitas presenciais
A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP) autorizou, na última segunda-feira (31), a retomada das visitas a presos no Complexo Penitenciário da Papuda. A medida havia sido suspensa em 10 de janeiro, devido ao aumento de casos de Covid-19 e de gripe em Brasília.
Na decisão, a juíza titular da VEP, Leila Cury, diz que “o quadro da pandemia será reavaliado em 30 dias”. De março de 2020 a janeiro de 2022, oito detentos morreram de Covid-19 no sistema prisional do DF.