Maria José Rocha Lima*
Na semana passada, foi aprovada parte da Reforma do Ensino Médio, ao apagar das luzes do atual governo. Circulava, nos bastidores do Conselho Nacional de Educação -CNE-, que tudo se deu às pressas, a pedido de uma entidade estudantil, sob a alegação de temor do futuro governo do Presidente Jair Bolsonaro.
Chama a atenção a elevação das questões políticas e filosóficas, na hierarquia dos problemas educacionais, enquanto as questões que afetam verdadeiramente as crianças e jovens das classes populares parecem não importar. No CNE, a formação profissional, os itinerários formativos ficaram para depois, sem problema, mesmo que todos saibam que é urgente reformar esse aspecto do ensino médio, uma vez que mais de 1,7 milhão de jovens não se interessa por ele e 791 dos que nele ingressam já no primeiro ano são reprovados ou o abandonam. No Brasil, apenas 8% dos estudantes do ensino médio recebem formação profissional, enquanto países ricos, como a Alemanha, a ofertam para quase 50% dos seus jovens.
Em maio, em audiência pública, na Comissão de Educação do Senado Federal, o atual ministro Rossieli Soares declarou que o ensino médio estava no “fundo do poço.” Ele apresentou também dados do censo escolar preocupantes para os outros níveis de ensino. Na última década, as taxas de insucesso se mantiveram elevadíssimas, resultando na reprovação ou abandono de 370 mil crianças no 3º ano do ensino fundamental; no 6º ano, são 570 mil jovens reprovados ou que abandonam a escola. Para o ministro, a escola também fracassou na alfabetização: 50% das crianças não sabem ler e escrever no final do 3º ano, e no Norte e Nordeste esse percentual chega a 70%. Ele destacou também que 30% a 40% dos professores têm formação inadequada para o nível no qual atuam e que 80% deles são formados em instituições privadas.
Estes dados corroboram o aparecimento do Brasil como o pior país em relação ao menosprezo aos professores, num ranking de 35 países, publicado pela Varkey Foudation. Os professores brasileiros são mal pagos, mal formados, infelizes, desrespeitados e espancados.
Desse modo, vemos que toda essa discussão filosófica que travam os políticos, tentando atrair a atenção de estudantes, professores, religiosos etc., mais parece uma densa cortina de fumaça para encobrir a questão mais crucial que é o absoluto fracasso da escola pública no Brasil feita para o filho dos outros, pois quem a defende não a usa, não matricula os seus filhos nela.
Em que pesem esses resultados aterradores, o Brasil é um dos países que menos gastam com o ensino fundamental e médio, mas as despesas com estudantes universitários se assemelham a países europeus, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –OCDE/2017. O investimento médio anual no aluno da educação básica pública é de R$ 3.100, enquanto o do ensino superior custa cerca de R$ 28 mil, o que representa uma enorme disparidade.
Por isso, é fundamental que o novo governo se desvencilhe dessa discussão filosófica que é de menor potencial ofensivo frente aos crimes gravíssimos praticados contra as crianças e adolescentes das classes populares, a quem são destinadas escolas públicas que não ensinam e os mantém na condição de analfabetos, uma proeza inimaginável numa sociedade letrada. E que o novo governo ponha o dedo na ferida, colocando a educação básica como prioridade prioríssima, garantindo aos pobres ingresso nas universidades públicas, por mérito, o que não vem ocorrendo.
Para isto, serão necessárias medidas drásticas: revisão da política de financiamento do ensino superior; injeção de mais recursos no novo FUNDEB; valorização real do magistério, equiparando o piso dos professores a outros profissionais, com formação de nível superior; criação de um exame nacional para o magistério para garantir que os melhores profissionais sejam selecionados; criação de um sistema de mérito, no qual os melhores professores e gestores escolares sejam recompensados pelos resultados auferidos no ensino, especialmente nas classes de alfabetização; realização de revisão dos currículos dos cursos de Pedagogia, tornando obrigatórias as disciplinas teóricas e práticas em alfabetização; sejam acionados e criados novos mecanismos de fiscalização, avaliação e monitoramento, que responsabilizem gestores pelos resultados educacionais, especialmente na alfabetização, e assegurem e visibilizem os resultados efetivos de aprendizagem por escola. Sem uma educação básica de qualidade para todos não haverá paz nem prosperidade.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em Educação. Ex-deputada baiana, é presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira em Brasília.