
Miguel Lucena
Há frases que se anunciam como elogio, mas chegam carregadas de ferrugem histórica. “É preto, mas é bom aluno” não escapa por descuido: denuncia convicção. O “mas” funciona como cancela simbólica, insinuando que competência seria exceção quando a pele preta entra em cena. Não é lapso individual; é vício social travestido de surpresa.
O episódio ocorreu na Universidade de Brasília, onde uma professora, no exercício da função, proferiu a frase e acabou punida pela Justiça. O caso expôs um racismo que raramente grita: ele sussurra em ambientes polidos, veste jaleco, ostenta títulos e pergunta, com falsa delicadeza, se alguém “se sente confortável” diante da cor de quem atende ou aprende.
Confrontado, o preconceito corre para o abrigo das desculpas: mal-entendidos, diagnósticos, intenções supostamente boas. Falta o essencial — assumir o dano causado. A condenação judicial não muda consciências, mas deixa um recado pedagógico.
O estudante não precisava ser “bom”. Precisava apenas ser aluno. O problema nunca foi a pele preta. Foi o “mas” de quem ainda mede inteligência pela cor.


