*Nelson Valente
Em uma decisão fantástica do Supremo Tribunal Federal, em um caso esdrúxulo onde um juiz exigia ser chamado de “doutor” pelo porteiro de seu prédio, sendo que o magistrado teve sua causa indeferida com a mesma alegação do STF – Doutor é titulação, não pronome.
Etimologicamente, o vocábulo “doctor” procede do verbo latino “docere” (“ensinar”). Significa, pois, “mestre”, “preceptor”, “o que ensina”. Da mesma família é a palavra “douto” que significa “instruído”, “sábio”. Sábio. Então, quem é mesmo Doutor? Sim, Doutor é quem tem doutorado!
Segundo o Manual de Redação da Presidência da República, somente deverá ser chamado de doutor quem concluiu satisfatoriamente o curso acadêmico de doutorado. Ou seja, doutor é um título acadêmico e não um pronome de tratamento.
O Parecer CES/CFE 977 de 1965, cujo relator foi Newton Sucupira, fornece a base conceitual que define a pós-graduação stricto sensu – mestrados acadêmicos e doutorados.
As seguintes características fundamentais devem estar presentes nestes níveis de curso: ser de natureza acadêmica e de pesquisa e, mesmo quando voltado para setores profissionais, ter objetivo essencialmente científico. Os cursos de mestrado e doutorado são parte integrante do complexo universitário, necessários à plena realização dos fins essenciais da universidade.
Para garantir a qualidade dos Mestrados e Doutorados, critérios operacionais e normas são necessários para dirigir e controlar sua implantação e desenvolvimento.
A autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos de mestrado acadêmico e doutorado são obtidos a partir dos resultados da avaliação e do acompanhamento conduzidos pela CAPES de acordo com as exigências previstas na legislação – Resolução CNE/CES nº 1/2001, alterada pela Resolução CNE/CES nº 24/2002.
A pós-graduação stricto sensu , composta por mestrado e doutorado são os últimos graus na escala do Ensino. Doutor é equivalente a PhD (Philosophiæ Doctor, atribuído nas universidades anglo-saxónicas.)
No Brasil, em geral isso significa, entre o mestrado e o doutorado, cerca de seis anos de estudo além da graduação. Para se doutorar, é preciso escrever uma tese inédita e defendê-la diante de uma banca examinadora.
O “doutor” médico e o “doutor” advogado, juiz, promotor, delegado têm cada um suas causas e particularidades na história das mentalidades e dos costumes. Em comum, o doutor médico e o doutor advogado, juiz, promotor, delegado têm algo significativo: a autoridade sobre os corpos. Um pela lei, o outro pela medicina, eles normatizam a vida de todos os outros. Não apenas como representantes de um poder que pertence à instituição e não a eles, mas que a transcende para encarnar na própria pessoa que usa o título.
Sem esses doutores do dia-a-dia, que doutrinam a cada petição subscrita, que irritam autoridades, acadêmicos, partes contrárias e mesmo clientes convictos de suas razões, não haveria democracia, só a mais ordinária ditadura da burocracia.
O principal argumento apresentado para defender essa tese estaria num alvará régio no qual D. Maria, de Portugal, mais conhecida como “a louca”, teria outorgado o título de “doutor” aos advogados. Mais tarde, em 1827, o título de “doutor” teria sido assegurado aos bacharéis de Direito por um decreto de Dom Pedro I, ao criar os primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil. Como o decreto imperial jamais teria sido revogado, ser “doutor” seria parte do “direito” dos advogados. E o título teria sido “naturalmente” estendido para os médicos em décadas posteriores.
O decreto mencionado é a “Lei de 11 de Agosto de 1827”, o qual D. Pedro I institui os cursos jurídicos no Brasil, tendo em vista a ampla necessidade de obter operadores do direito no então recente independente Brasil, deixando de “importar” profissionais portugueses.
Quanto ao “doutor” do enfermeiro, do fisioterapeuta, do cirurgião-dentista, do engenheiro, do formado em curso superior …. dizem os dicionários que “doutor” é um título que, por cortesia, se costuma dar àqueles diplomados em curso superior. Se se costuma, de fato, não há por que discutir.
Em Portugal, o emprego desse título é generalizado a professores primários, formados em Medicina, diplomados em faculdades e os que defendem tese de doutoramento. Aliás, lá todo mundo é “excelência”. Costume. Tradição.
Ninguém é obrigado a usar o doutor, usa quem quiser. Afinal, não há algo ou lei que proíba também o seu uso.
*Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.