
Miguel Lucena
Era feio de doer, desses que fazem espelho pedir transferência. Mesmo assim, o cabra andava mais enfeitado que boneco de vitrine. Paletó justinho, perfume de grife, voz aveludada treinada na frente do ventilador.
Raspou a conta da viúva com promessas de amor eterno e planos de lua de mel em Paris. Levou o saldo e sumiu, deixando só o extrato zerado e um coração parcelado em 48 vezes.
A vizinhança comentava: “Se esse feioso fez isso, imagina se fosse bonito!”. Mas talvez a feiura fosse o disfarce perfeito, porque ninguém desconfia de um cacto quando espera uma flor.
Em Brasília, onde o sol queima a cara e a ilusão arde mais ainda, até Don Juan sem espelho tem vez — desde que saiba falar bonito e aplicar com jeito.