A bióloga Pamela J. Hines evoca a cena de uma pessoa correndo atrás de um ônibus com os tênis desamarrados: “As pernas desejam ir rápido, mas os pés estão tropeçando. Talvez um sapato voe longe, ela pise em uma pedra e, de repente, toda a ideia de pegar a condução evapore”. Assim é com a leitura, conclui a cientista, editora-sênior da revista Science. “Quando diferentes partes do processo não são coerentemente sintonizadas, esse ato se torna impreciso, ineficaz e, no fim, ingrato.” Que o digam os portadores de dislexia, distúrbio neurológico hereditário, caracterizado por dificuldades severas e persistentes em ler e soletrar. Estima-se que de 5% a 10% das crianças e dos adultos de todo o mundo sofram com o problema, que atrapalha o desenvolvimento, o desempenho escolar e as atividades laborais para o resto da vida.
As tentativas de tratar os indivíduos afetados esbarram no fato de que as raízes da dislexia são desconhecidas. Até agora, acreditava-se que uma falha na representação mental das palavras estivesse por trás do problema. Dessa forma, ao ver um b, o cérebro o interpretaria como d, por exemplo. Contudo, os esforços para lidar com a deficiência levando em conta essa teoria têm se revelado pouco producentes. Uma nova linha de tratamento, porém, poderá surgir a partir de uma descoberta publicada na edição desta semana da revista Science. Usando tecnologia de imagem, cientistas belgas e ingleses descobriram que a representação fonética, em disléxicos, é perfeitamente normal. O problema é que seus cérebros têm dificuldade para acessar essa informação.
Quando se aprende uma língua, seja a materna, seja um segundo idioma, é preciso juntar pequenas unidades de som, os fonemas — o famoso “b + a = bá”. Além disso, é necessário saber agrupar os fonemas de diferentes formas (tons mais altos ou mais baixos, com ou sem acento, por exemplo) e distinguir sons semelhantes, como o de vá e o de fá. Segundo Bart Boets, principal autor do estudo e psicólogo do desenvolvimento da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, pessoas com dislexia têm dificuldades para executar todas essas tarefas. “Ler e soletrar se tornam extremamente difíceis”, disse, em uma coletiva de imprensa. Contrariando a ideia tradicional de que o cérebro do disléxico tem problemas em converter símbolos escritos em sons, Boets decidiu testar a hipótese de que, em vez disso, a deficiência estaria nas conexões neurais necessárias para se alcançar as áreas do cérebro em que a linguagem é processada.