À imprensa estrangeira, ela disse que não há base legal para sua saída. Senador Valdir Raupp diz que Congresso age de acordo com rito legal.
A presidente Dilma Rousseff disse nesta sexta-feira (22), em entrevista a jornalistas estrangeiros em Nova York, que poderá acionar a chamada “cláusula democrática” do Mercosul, a mesma adotada contra o Paraguai depois do impeachment do presidente Fernando Lugo em 2012.
“Eu alegarei a cláusula inexoravelmente… de fato [se houver], a partir de agora, uma ruptura do que eu considero processo democrático”, disse a presidente na entrevista concedida exclusivamente à imprensa internacional na casa do embaixador do Brasil na ONU, Antonio Patriota.
Na sequência, em entrevista à imprensa brasileira, ela ressaltou ainda que gostaria que a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) também olhasse para o processo de afastamento que, atualmente, está em tramitação no Senado.
A chamada “cláusula democrática”, aprovada em 2011 pelos países que integram o Mercosul, prevê vários tipos de punição em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, de uma violação da ordem constitucional ou de qualquer situação que ponha em risco o legítimo exercício do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos.
Dependendo da gravidade do caso, as punições podem incluir a suspensão do país no bloco econômico, com fechamento total ou parcial das fronteiras terrestres para limitar o comércio, o tráfego aéreo e marítimo, as comunicações e o fornecimento de energia, serviços e abastecimento.
Golpe
Nas entrevistas concedidas no final da tarde e início da noite, Dilma voltou a classificar de “golpe” o processo de impeachment de que é alvo no Congresso Nacional.
Pela manhã, a presidente discursou na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e, embora houvesse a expectativa de que ela fosse utilizar a tribuna para denunciar sofrer um “golpe parlamentar” no Brasil, ela se limitou a dizer que o Brasil vive atualmente um “grave momento”, com uma sociedade que construiu uma “pujante democracia” e que o povo saberá “impedir quaisquer retrocessos”.
Nos últimos dias, houve reação depois que assessores do Palácio do Planalto disseram que Dilma deveria usar o discurso na ONU para falar em golpe. Os ministros do Supremo Tribunal Federal Celso de Melo, Dias Toffoli e Gilmar Mendes refutaram a tese da presidente, atestando que há base legal para o processo de afastamento que tramita no Legislativo.
Em entrevista publicada nesta quinta (21) ao jornal “The New York Times”, o vice-presidente Michel Temer afirmou que está “muito preocupado” com a tese de Dilma de que há um “golpe” no Brasil em razão do processo de impeachment que ela enfrenta na Câmara dos Deputados.
“Eu estou muito preocupado com a intenção da presidente de dizer que o Brasil é uma república menor onde golpes estão em curso”, afirmou Temer ao “NYT”.
À TV Globo, o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Valdir Raupp (PMDB-RO), afirmou que, embora Dilma esteja em seu direito de apelar a todas as instâncias possíveis, ele não vê “quebra ou ruptura” democrática no processo de impeachment.
O senador do PMDB ressaltou que a Câmara agiu de acordo com o rito de impeachment definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o Senado, segundo ele, fará o mesmo.
‘Vítima’ e ‘injustiçada’
Na entrevista à imprensa brasileira, Dilma disse se sentir “vítima” e “injustiçada”, ao rebater as acusações contra ela no processo de impeachment.
“Eu me julgo uma vítima, uma injustiçada. Eu estou sendo injustiçada e sou presidente da República. Isso é muito grave, porque se há injustiça contra o presidente da República, se eu me sinto vítima de processo ilegal, golpista e conspirador, o que dizer da população do Brasil quando seus direitos forem afetados?”, afirmou.
Em boa parte das respostas, a presidente alegou que as decretos que abriram créditos suplementares em 2015 e chamadas “pedaladas fiscais” e– as duas principais acusações do processo de impeachment – não configuram crimes de responsabilidade.
Afirmou que os créditos não implicaram em aumento de despesas, mas em remanejamento das verbas públicas, que não ultrapassaram o limite financeiro necessário para cumprir meta fiscal, economia que o governo faz anualmente para pagar a dívida pública.
Quanto às “pedaladas fiscais”, negou que se trataram de empréstimos de bancos públicos ao Tesouro para pagar programas sociais. “Nós consideramos que não é operação de crédito. Nós pagávamos com uma certa metodologia, eles mudaram o entendimento e falaram que a gente devia R$ 55 bilhões, fomos lá e pagamos”, disse.
Nova eleição ‘não é golpe’
Ainda durante a entrevista a imprensa brasileira, a presidente disse não considerar como golpe a proposta de novas eleições diretas, antes do fim de seu mandato. “Não acuso ninguém que propor eleição direta de golpista. Isso não é golpe, isso é outra discussão. Eles estão propondo, você pode aceitar ou não”, disse Dilma.
Ela disse não ser uma pessoa “apegada ao cargo” e reiterou o direito de defender seu mandato. “Eu quero defender meu mandato, eu devo isso aos meus 54 milhões de eleitores”, afirmou. “O que não é admitido é um processo de impeachment que na verdade é uma eleição indireta, travestida de processo de impeachment”, completou depois.
“Ninguém pode olhar para um presidente e falar ‘olha, infelizmente não gostei, então agora encerramos tudo e vou assumir o poder de forma indireta, sem eleição, sem nada’ Entendeu? Isso não é correto, é uma injustiça”, disse.