Maria José Rocha Lima*
Na véspera do dia do trabalho, não por acaso, o Canal Curta exibiu uma entrevista de Noam Chomsky (1928), num dos episódios da série “Incertezas Críticas”. Ele é um dos maiores linguistas vivos, filósofo, ativista político e professor emérito do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O professor Noam Chomsky refletiu sobre a crise financeira internacional de 2008, que se espalhou por diversos países e trouxe consequências drásticas e duradouras para as sociedades atuais, especialmente para o trabalhador. Segundo Chomsky, a concentração de renda aumentou espantosamente desde então, e cada vez menos pessoas detêm a maior parte das riquezas disponíveis no mundo. Consequentemente, concentram também maior poder político.
Na entrevista, o estudioso falou das incertezas para o mundo do trabalho, para os trabalhadores e a população mundial. Na sua compreensão, registrada na obra Os dez princípios de concentração de renda e poder, o grande problema humano é o desemprego e não o déficit público. Chomsky apontou um quadro de grandes incertezas, no panorama mundial, e a entrevista foi realizada antes da pandemia. Podemos imaginar o agravamento da situação daqui para a frente
No Brasil, mais de 600 mil pequenas empresas fecharam com a pandemia e mais de nove milhões de trabalhadores foram demitidos, diz o SEBRAE. O IBGE, no quarto trimestre de 2019, registrava 11,6 milhões de desempregados, que, adicionados aos nove milhões de agora, resultarão em 20, 6 milhões de desempregados no Brasil.
Sabemos o quão devastador é o fenômeno do desemprego. As consequências são assustadoras para as pessoas desempregadas e suas famílias. Além disso, houve também um aumento vertiginoso do papel do setor financeiro na economia. Com isso, a desregulamentação começou de forma realmente impetuosa.
O desemprego também tem um terrível efeito econômico, cujas razões são bastante óbvias, para Chomsky: “Quando as pessoas estão sem trabalho, há recursos que poderiam servir para desenvolver a economia que não são usados — simplesmente são desperdiçados”.
As instituições financeiras acham que isso não é problema deles, cabe a eles tão somente se concentrar no problema do déficit. Acontece que, para o povo, a falta de emprego é questão muito mais importante. Apesar disso, os debates públicos continuam concentrados no problema do déficit governamental.
Instituições financeiras não gostam da ideia de déficit e também não querem muito governo. De forma quase absoluta, as discussões sobre o assunto são moldadas pelos donos do mundo: “Preocupem-se com o déficit e esqueçam tudo o mais”.
Chomsky critica ainda as medidas de austeridade implementadas pelos países para contornar os efeitos das crises econômicas, afirmando que “o que aconteceu é que uma parcela da sociedade, uma fração mínima, tornou-se incrivelmente rica, e para a maioria da população resta a estagnação ou até o declínio”.
Nas últimas décadas houve um crescimento econômico gigantesco, mas os benefícios foram para pouquíssimos bolsos. O relatório do PNUD, publicado em 2019, a partir de pesquisas domiciliares no Brasil, mostrou que os 10% mais ricos receberam mais de 40% da renda total do país em 2015. Quando consideradas todas as formas de renda, não apenas as reportadas nas pesquisas domiciliares, as estimativas sugerem que os 10% mais ricos de fato concentram 55% do total da renda do país. Segundo o relatório, além do Brasil, altos índices de desigualdade também estão presentes na África Subsaariana e no Oriente Médio.
Um estudo do Fundo Monetário Internacional sobre os seis maiores bancos dos Estados Unidos demonstrou que quase a totalidade do lucro destes vinha dos que pagam impostos. Claro que isto se dava de uma forma indireta, como uma apólice, seguro do governo, sendo informal, mas tácito.
No Brasil, como na maioria dos países, quando estudamos a história da regulamentação legal das atividades empresariais — como a dos ferroviários, a do mercado financeiro, empresas de construção e de outros mais —, descobriremos que é bem comum ter sido uma iniciativa tomada por quem está sendo regulado, ou é apoiada por eles. Isto, entre nós, é muito familiar, acabamos de identificar a desenfreada corrupção e pagamentos de altos valores em subornos, na Petrobrás, Banco de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES etc.
Enfim, são as instituições financeiras que mandam nos países e não ajudam nas suas economias. As políticas em âmbito mundial são decididas m Bruxelas, resultando numa deterioração grave da democracia. O poder econômico é que decide as eleições, sendo irrelevante a opinião da maioria da população.
Toda vez que acontece uma crise, as autoridades lançam mão dos vultosos recursos do contribuinte para socorrer financeiramente os que a provocaram, que são, em número cada vez maior, as grandes instituições financeiras.
Na Europa, a Democracia declinou gravemente. A Democracia se deteriorou chegando ao ponto de qualquer que seja o político que chegue poder, seja comunista , extrema direita ou nacionalista, seja o que for, segue as mesmas políticas.
Uma das consequências dessa política econômica é o esfacelamento da infraestrutura, desmonte do serviço público de saúde, desmantelamento do sistema de ensino e enfraquecimento do sistema de previdência e segurança social, apesar dos incríveis recursos disponíveis. Os poderosos que controlam o estado querem a sua redução. Para estes, as pessoas idosas pesam demasiadamente no orçamento da previdência; concluem que a assistência médica para idosos é impraticável; é impossível para o estado manter uma viúva inválida, com uma pensão suficiente para uma vida digna.
Para fazer com que as pessoas permaneçam impassíveis, simplesmente observando essa realidade, é necessário lançar mão de uma propaganda política muito eficiente. Desvia-se a discussão para questões ideológicas; racismo; orientação sexual; aborto; misoginia; fim das hierarquias; liberdade plena para os jovens; a discussão sobre a adoção, ou não, da linguagem politicamente correta etc.
O professor considera que as crises são projetadas para se repetirem, sendo uma pior que a outra. Para mim, essa pandemia serviu como um álibi para os que exerceram má- governança, praticaram toda a sorte de corrupção, faliram os estados, geraram “déficits na previdência e meteram a mão nos fundos de pensão”. Chomsky diz que “as crises recaem apenas sobre a população em geral, não para os super-ricos, que estão sempre muito bem”.
Os donos do poder têm o controle total de tudo, sem a interferência do povo. Contentam-se em ver o governo encolhido — com duas condições: uma é a garantia de que poderão contar com um Estado poderoso, capaz de mobilizar os contribuintes para socorrê-los e também para enriquecê-los ainda mais. Este é o verdadeiro significado de democracia. A segunda é uma grande força militar para garantir que tudo (o mundo) está sob controle.
Enquanto isto, uma grande força de trabalho, especialmente de jovens, está ávida por trabalhar. Há jovem com nível universitário, que não sabem se algum dia vai ocupar uma vaga no mercado de trabalho. É o que vem acontecendo ao longo da história e, como eu disse, uma tendência comum que verificamos quando examinamos a estrutura e a distribuição do poder.
E o pobre trabalhador, ao invés de lutar por melhores condições de trabalho, precisa garantir o que lhe resta: qualquer trabalho para ficar vivo.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista filiada à Associação de Estudos e Pesquisas em Psicanálise-ABEPP.