Em 2020, Brasília registrou 200 novas solicitações de pessoas que buscam esta forma de maternidade e paternidade. Anteriormente, eram entre 120 e 130 pedidos anuais, diz Vara da Infância e Juventude.
A Vara da Infância e da Juventude (VIJ) do Distrito Federal registrou 200 novos processos de inscrição para adoção em 2020. Um aumento de 66% em relação aos anos anteriores, que tinham entre 120 e 130 pedidos.
Este número pode ser celebrado nesta terça-feira (25), Dia Nacional da Adoção. Servidores do Judiciário, que atuam na área, analisam se a alta pode ter relação com o cenário de isolamento social e intensidade do tempo dedicado às relações familiares durante a pandemia da Covid-19 (saiba mais abaixo).
Brasília tem 586 famílias habilitadas para a adoção. Antes de serem cadastradas, elas passam pela avaliação de uma equipe interdisciplinar, para certificar que possuem condições de acolher a criança ou adolescente. Por causa do novo coronavírus, essa análise está sendo feita de forma remota, por meio de videochamadas.
É também a distância que as crianças e adolescentes são monitorados durante o estágio de convivência – quando a família tem o primeiro período com o novo membro em casa explica o supervisor da área de adoção da VIJ, Walter Gomes.
“As famílias que se predispõem a conhecer essa criança cadastrada para adoção são devidamente orientadas a respeito das regras sanitárias. Já houve casos de suspeita em que esperamos um período de quarentena para a apresentação”, diz Gomes.
Isolamento e adoção
Para Walter Gomes, o aumento da procura pode ter relação com o contexto de pandemia. “Tem a ver com a importância, a realização que as famílias, de uma forma geral, experimentam nesse contexto do isolamento social, em relação aos laços de parentalidade, aos laços de filiação”, aponta.
“É uma forma dessas famílias responderem a essa ameaça externa do vírus, com tantos óbitos. Então, as famílias enxergam no afeto, no amor, uma forma de enfrentamento desses riscos de ambiente pandêmico”, diz o supervisor da área de adoção.
Em meio ao cenário, Gomes destaca a importância da etapa do curso de preparação das famílias, que conta com o acompanhamento de psicólogos. “Esse curso vai apresentar para o candidato aquilo que não pode ser confundido com adoção. A adoção não pode ser fruto de um exercício solidário social, não pode ser transformada em uma alavanca emocional para quem vivencia solidão, não é apadrinhamento afetivo”, destaca.
Já para Carlos Böhm, psicólogo da equipe que acompanha a preparação das famílias, “a procura oscila ao longo dos anos” e “ainda não é possível confirmar se pandemia ocasionou o aumento sozinha”.
“Na maioria das vezes, essas famílias estão com a decisão ou processo de adoção há dois, três anos. É preciso analisar o andamento do processo”, diz Böhm. O psicólogo ressalta que uma das principais atividades na preparação dos candidatos é “trazer a família para a realidade”.
“Às vezes a pessoa tem uma idealização do que é ser pai ou mãe que não corresponde à adoção. É preciso que a pessoa entenda que a prioridade é atender o que a criança precisa e não o que os pais querem”, diz.
Queda nas adoções
Apesar do aumento da procura, houve menos adoções no ano passado, no Distrito federal, em relação ao ano anterior. Foram 65 adoções em 2020 e 71 em 2019. O supervisor da Vara da Infância, Walter Gomes, conta que um dos fatores é “a maior taxa de reintegração de crianças e adolescentes institucionalizados às suas respectivas famílias naturais”.
Outra causa é o perfil esperado pelas famílias. “A maioria das pessoas quer adotar uma criança de até dois anos, mas a maior parte da disponibilidade, em nível nacional, é de faixas etárias mais avançadas, com muitos irmãos e com problemas de saúde”, explica.
Atualmente, segundo dados da VIJ, apenas 15% dos candidatos têm interesse em adotar uma criança com mais de 7 anos. Já do outro lado desta fila, nas instituições de acolhimento, essa faixa etária é minoria.
Veja o idade das 119 crianças e adolescentes aptos para a adoção neste 25 de maio, no Distrito Federal:
- 0 a 3 anos: 17
- 4 a 11 anos: 51
- Maior de 12 anos: 51
‘Eu tinha medo de continuar lá até os 18 anos’
Há 15 anos, Ana Beatriz Ferreira de Souza Moraes, era uma das crianças com idade considerada avançada, aguardando pela adoção. Quando tinha sete anos, foi encaminhada para um abrigo junto a dois irmãos mais novos.
“Eu tinha muita medo de ficar lá até os 18 anos por conta de ser ‘velha’ pra adoção, mas meu objetivo maior nunca foi ser adotada em si, eu tinha o sonho de estudar e ser alguém melhor do que minha mãe [biológica] foi”, diz Ana Beatriz, hoje com 23 anos.
A mãe biológica de Bia, como é chamada, era alcoólatra. Em casa, era ela, que ainda criança, cuidava dos irmãos com idades entre 4 e 6 anos. “Na minha casa tinha bebidas, drogas, brigas e eu não era criança, porque eu tinha que cuidar dos meus irmãos mais novos. Então, quando eu fui para o abrigo voltei a ser criança”, conta.
Após dois anos, Bia foi adotada pela coordenadora da casa de acolhimento onde vivia. “Ao mesmo tempo que foi o melhor dia da minha vida, também foi o pior porque eu não consegui me despedir dos meus irmãos que iam ficar ali. Mas eles também foram adotados depois, e moram na Itália. Hoje, nós somos adultos e mantemos contato”, diz a jovem.
Bia, que hoje é empreendedora, e tem um filho de sete meses, conta que demorou quase dez anos para se adaptar. “Eu tinha conflitos internos por estar longe dos meus irmãos”, conta.
No entanto, hoje, ela revela que se sente orgulhosa. “Eu tenho orgulho da minha história e da pessoa que me tornei porque a dor me ensinou a levantar a cabeça todas as vezes que as coisas ficaram difíceis”, diz ela.
“Sou muito feliz com todas as escolhas que eu fiz”, finaliza.
Com G1/DF*