Arquivo pessoal
Maria José Rocha Lima
Hoje, fiquei muito emocionada ao receber na minha casa as proprietárias do Salão Ponto da Beleza: a cabelereira Conceição Maria dos Santos e a manicure e esteticista Ione Cardoso, que cuidam de mim há mais de 20 anos. Vieram me presentear com um Dia de Beleza pelo meu aniversário, que será amanhã. Foi um encontro formidável, me deixaram novinha em folha e bonitona, como concluiria Narciso! O presente foi mais do que uma série de procedimentos de higiene corporal e estéticos, me possibilitaram uma reflexão filosófica sobre a beleza.
Santo Agostinho fazia uma distinção entre beleza sensível e beleza inteligível, além de ressaltar a beleza do mundo. Ademais, a beleza era, sobretudo, medida, proporção, unidade, conveniência, moderação e ordem, tudo condensado no clássico trinômio agostiniano que a posteridade abraçou: modus, species et ordo (moderação, forma e ordem). “A beleza é um bem divino”, nas palavras de Santo Agostinho.
O filósofo Ramon Llull (1232-1316) nos fala da estética da transição: do mundo medieval ao moderno: “A beleza das coisas, do mundo, nasce a partir das belezas das pessoas divinas que, ao engendrar suas dignidades – infinitude, eternidade etc. – criam a beleza do mundo. Para o filósofo, isso era ainda mais maravilhoso, pois se chocava frontalmente com a maldade e a feiúra existentes no mundo. Hoje mesmo soube de atos de nudismo numa universidade, durante uma manifestação de aprovação. Que feiúra, e o fedor, a falta de higiene, hein!?
Há alguns anos venho discutindo a necessidade dos professores se apresentarem na sala de aula sempre bem trajados, bem penteados. Estou certa de que, ao se trajarem de forma adequada, apreciável, inspirarão os seus alunos. A forma de apresentação do mestre na sala de aula e sua compenetração revelam uma atitude de respeito pelos alunos, passam confiança, transmitem admiração, atraem mais atenção e inspiram.
As minhas amigas Conceição e Ione não faziam ideia do quanto venho discutindo a necessidade do belo, da beleza no universo escolar e quantos artigos já escrevi, desde o tempo de parlamentar, falando sempre da importância do professor se vestir, adequadamente, para ir dar aulas. Certa vez, um ministro da Educação se surpreendeu com o traje de uma professora primária, que se vestia nos trinques. O ministro comentou:
- A senhora está muito elegante, poderia vir do jeito que vai à escola.
E a professora respondeu-lhe: - Senhor ministro, é desse modo que me apresento para os meus alunos, do mesmo jeito que visito autoridades, porque os meus alunos merecem uma professora que os dignifiquem, que os honrem, que sirvam de modelo de identificação.
Os colegas a acusavam de afrontar os “alunos pobrezinhos”. A professora não cedeu e chegou à aposentadoria vestindo – se à altura da missão de mestra. A professora não confundia miséria material com miséria intelectual, tratava seus alunos com muito respeito, se apresentava para eles como devemos nos apresentar para cumprir missões importantes.
A aula é um rito, que deve conter uma ordem e uma determinada cerimônia. Quando estamos para participar em corpo e alma de cultos religiosos, para demonstrar a nossa fé, o nosso amor, o nosso respeito, cuidamos de cada gesto, das palavras, das vestes, da postura do corpo. Tanto o vestir como o gesto solene dão força ao ato, à palavra. E para os nossos alunos convém servirmos de modelos, muitos deles não têm na família modelos de identificação. Devemos oferecer-lhes oportunidades de acesso ao belo, ao estético, à beleza, para melhor usufruírem dos bens sociais.
Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicanálise. Deputada baiana de 1991 a 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Soroptimist International – Coordenadora de Expansão para a Região Brasil e coordenadora de programas do SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança