Maria José Rocha Lima*
O pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott(1896-1971) entendia que a saúde psíquica do ser humano dependia em grande medida dos cuidados ao nascer, da maternagem. O bebê humano nasce inacabado, desintegrado, e para a sua integração depende absolutamente de uma “mãe ambiente”, que crie as condições para o bebê começar a ser, a existir, continuar existindo e se constituir como unidade. Alguém que junte os seus pedaços do bebê, dando-lhe contorno ao corpo, e lhe permita continuar sendo, desenvolvendo-se, seguindo a sua linha de vida, sem descontinuidades.
O bebê precisa de uma “mãe suficientemente boa”. Esta “mãe suficientemente boa” – termo por ele cunhado – é aquela mãe que, arrebatada por um estado de Preocupação Materna Primária, atende, adequadamente, às necessidades do bebê, funcionando como “ambiente facilitador” para a sua integração, neste momento de desenvolvimento; o protege, o socorre nas suas agonias. É, sobretudo, a mãe que oferece à criança a possibilidade de criação.
Para Winnicott, a criança tem de ter a possibilidade de experimentar aquilo que a caracteriza como ser humano: a criação. “A criança precisa ter a possibilidade de experimentar a criação do seio; a criação da sua mãe e a criação do mundo (Winnicott, 1975, p.26)”. Como pediatra, ele observava que muitas das crianças que atendia tinham o adoecimento muito mais resultante das turbulências do meio ambiente do que de doenças orgânicas.
A pessoa inicia o seu processo de desenvolvimento emocional no colo da mãe, “na mãe ambiente”, na mãe que depois será “mãe objeto”, que a fará descobrir o dentro e o fora, o interior e o exterior, uma vez que na fase de integração absoluta ele se encontra amalgamado à sua mãe, como se fossem inseparáveis.
A “mãe ambiente suficientemente boa” oferece as condições para o amadurecimento, para a confiança no ambiente, no outro, no mundo, e até para ter fé na vida. Na maturidade, o ambiente é algo para o qual o indivíduo contribui e pelo qual o homem ou mulher individual se sentem responsáveis.
Nas comunidades em que há uma proporção suficientemente elevada de indivíduos maduros, existe um estado de coisas que proporciona a base para o que chamamos democracia. Se a proporção de indivíduos maduros se encontra abaixo de certo número, a democracia não poderá se tornar um fato político, na medida em que os assuntos da comunidade receberão a influência de seus membros menos maduros, aqueles que, por identificação com a comunidade, perdem a sua individualidade, ou aqueles que jamais alcançaram mais do que a atitude do indivíduo dependente da sociedade.
Numa situação de conflito social, uma “pessoa matura”, saudável, vai se colocar de um lado ou do outro, sem que isso signifique a exclusão do outro lado, a satanização, o aniquilamento do outro ou do grupo social. Portanto, para os teóricos winnicottianos, “a democracia começa no colo da mãe”.
MARIA JOSÉ ROCHA LIMA é mestre em educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira e idealizadora do Projeto Curta Maria. Psicanalista e diretora da ABEPP. É membro da Soroptimist International SI Brasilia Sudoeste.