Distrital enviou ofício a escola de Ceilândia questionando atividade em sala. Secretaria cita Plano Nacional; projeto contra o ensino tramita na Câmara.
A Secretaria de Educação do Distrito Federal afirmou nesta terça-feira (5), em nota enviada, que o debate sobre questões de gênero e sexualidade em sala de aula está previsto no Plano Distrital de Educação (PDE) e no Plano Nacional de Educação (PNE). A declaração foi dada depois que a deputada Sandra Faraj (SD) enviou ofício a uma escola pública de Ceilândia questionando uma atividade sobre o tema aplicada por um professor da unidade.
O documento foi encaminhado diretamente ao Centro Educacional 6 em 21 de junho. Sandra pum trabalhoediu explicações sobre um trabalho em sala de aula abordando temas como homofobia, integração entre gêneros e pansexualidade. O ofício dizia que as “alusões e termos da redação às expressões ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual'” tinham sido vetadas na versão final dos planos de educação.
Segundo a secretaria, as questões de gênero estão contempladas também na Resolução nº 4 do Conselho Nacional de Educação. A pasta informou que o ofício entregue à escola “não é considerado uma via adequada para se questionar a legalidade e legitimidade” do plano distrital.
“Trabalhos de cunho pedagógico desenvolvidos por professores em sala de aula, que contemplem temáticas sociais, estão em conformidade com o Plano Nacional de Educação (PNE), previstos, inclusive, na discussão sobre cidadania e para os Direitos Humanos”, diz a nota (veja íntegra ao fim da reportagem).
Ofício ‘sem motivo’
A atividade foi aplicada a alunos do 2º ano do ensino médio, com idades entre 15 e 16 anos. O professor responsável, Deneir de Jesus Meirelles, disse que não entendeu o motivo do ofício da parlamentar. Segundo ele, a atividade é prevista pela Lei de Diretrizes e Bases – documento que norteia o conteúdo a ser ensinado em sala de aula.
“Cumpri com a função que tenho. Abordamos a temática como deveria ser, passei uma bibliografia, para que eles não caíssem em sites mais pesados. Passei alguns vídeos apropriados, nenhum deles pesado, para que os alunos trabalhassem esses conceitos.” Meirelles afirma que não esperava “causar tanto” a partir de uma conversa com 35 alunos, mas acabou gostando que a discussão gerou um debate.
O professor se reuniu com o sindicato da categoria nesta terça. Ele disse que vai enviar à entidade documentos que comprovem que a atividade foi regular. “O sindicato também vai fazer uma resposta, tudo será anexado e entregue ao gabinete do secretário de Educação.”
A diretora do Sindicato dos Professores do DF Rosilene Correia afirma que o conteúdo está previsto na proposta curricular e que não cabe à deputada se dirigir diretamente à escola.
“O questionamento deve ser dirigido à Secretaria de Educação e não ao professor. Ele não tem que dar nenhuma satisfação a deputado. Não houve nenhuma irregularidade. O que estamos assistindo é um movimento conservador, a deputada é autora de um projeto de lei que é uma tentativa de impor o conservadorismo.”
‘Escola sem Partido’
O projeto de lei citado por Rosilene é conhecido como “Programa Escola sem Partido”. No DF, ele foi o primeiro texto apresentado em 2015, no início da atual legislatura. O texto, que foi replicado em vários estados e no Congresso Nacional, foi apresentado no DF pela própria Sandra Faraj.
O texto recebeu o nome de “Lei da Mordaça” pelos opositores. O projeto prevê, entre outros pontos, que haja “neutralidade política” nas escolas e que os alunos “não recebam educação moral conflitante com suas convicções”.
Sandra disse ter recebido a informação sobre a atividade em Ceilândia após denúncia da mãe de um aluno. A distrital é presidente da Frente Parlamentar pelo Direito da Família, na Câmara Legislativa. Segundo ela, o aluno se sentiu constrangido com o trabalho em classe.
“A questão de gênero foi banida do Plano Nacional de Educação, do Plano Distrital de Educação também. O projeto é para dez anos, na área educacional, até 2024. O professor está descumprindo uma lei”, diz.
Segundo Sandra, o conteúdo do trabalho em classe conflitava com os valores da família do estudante. Ela disse que enviou o ofício diretamente à escola porque “o Plano Distrital de Educação coloca que é dever da Câmara monitorar e fiscalizar o cumprimento do plano”.
Veja nota da Secretaria de Educação sobre ofício de Sandra Faraj:
“A Secretaria de Estado de Educação informa que recebeu o ofício n° 009/2016, na última sexta-feira, 1° de julho. A pasta esclarece que o instrumento administrativo do ofício não é considerado uma via adequada para se questionar a legalidade e legitimidade da lei n° 5.499/2015, que aprovou o Plano Distrital de Educação.
O PDE é um instrumento de planejamento, gestão e integração do sistema de ensino, construído com a participação da sociedade, para ser executado por gestores educacionais. No anexo 2 (Apresentação, Dados e Diagnóstico), inciso C, contempla o respeito às diversidades ética, cultural, sexual e de gênero.
Desta forma, trabalhos de cunho pedagógico desenvolvidos por professores em sala de aula, que contemplem temáticas sociais, estão em conformidade com o Plano Nacional de Educação (PNE), previstos, inclusive, na discussão sobre Cidadania em e para os Direitos Humanos, conforme o artigo 2°, que dispõe sobre as diretrizes do PNE, no inciso X: promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.
É importante frisar que as questões de gênero estão contempladas também na Resolução número 4, do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 13 de julho de 2010, que define as Diretrizes Nacionais Curriculares Para Educação Básica, no parágrafo 3°, artigo 43, capítulo 1:
§ 3º A missão da unidade escolar, o papel socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, as questões de gênero, etnia e diversidade cultural que compõem as ações educativas, a organização e a gestão curricular são componentes integrantes do projeto político-pedagógico, devendo ser previstas as prioridades institucionais que a identificam, definindo o conjunto das ações educativas próprias das etapas da Educação Básica assumidas, de acordo com as especificidades que lhes correspondam, preservando a sua articulação sistêmica.
A Secretaria esclarece que as escolas da rede pública de ensino devem comunicar à Secretaria de Educação caso recebam ofícios questionando as atividades desenvolvidas em sala de aula. É preciso ressaltar que as escolas possuem espaços constantes de diálogos com a comunidade escolar (coordenações pedagógicas, reuniões, conselho, entre outros). A pasta recebe questionamentos, reclamações e sugestões da população em geral também por meio de sua ouvidoria, no 162.
A Secretaria de Educação trabalha por uma educação para a diversidade, que busca implementar ações pedagógicas voltadas para o diálogo, o reconhecimento e a valorização de diferentes grupos sociais.”
*colaborou Mateus Rodrigues, do G1 DF