Governo retoma debate sobre o fim da escala 6×1, combinando discursos, coletivas e estratégia nas redes sociais

O governo Lula voltou a dar força à pauta do fim da escala 6×1, que avança a passos lentos no Congresso. Nos últimos dias, o Planalto reforçou publicamente sua posição contra o atual regime de folgas, com declarações do presidente, coletiva da ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e do ministro Guilherme Boulos (Secretaria-Geral da Presidência), e uma retomada do assunto nas redes sociais para mobilizar apoio popular e pressionar parlamentares.
A pauta, encampada principalmente pela deputada federal Érika Hilton (PSol-SP), tramita desde o início deste ano na Câmara e vem sendo discutida por parlamentares na Comissão de Trabalho. Mesmo sem apresentar avanços significativos, agora recebe um esforço concentrado do governo para ganhar visibilidade e engajamento.
Na semana passada, Gleisi e Boulos concederam uma coletiva no Palácio do Planalto dedicada exclusivamente ao tema. Ambos reforçaram a posição do governo federal pelo fim da escala 6×1, e Boulos afirmou que o Executivo foi surpreendido pelo relatório do deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que reduz a jornada semanal, mas mantém a escala de apenas um dia de folga por semana.
“É imprescindível que o Congresso avance nesse processo acabando com a escala 6×1, ou seja, o máximo de 5×2 de escala, e reduzindo a jornada ao máximo de 40h semanais, que é uma luta histórica dos trabalhadores em todo o Brasil”, declarou Boulos.
Gastão é relator da Subcomissão Especial da Escala de Trabalho 6×1, criada para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, da deputada Érika Hilton, que propõe uma jornada máxima de 36 horas semanais, com quatro dias de trabalho e três de descanso.
O relatório foi apresentado no início da semana passada, mas não foi votado por falta de consenso entre os membros. Deputados pediram vista e ainda não há previsão para nova reunião.
Gastão afirmou ao Metrópoles que está disposto a conversar sobre o assunto a fim de encontrar um consenso entre sua sugestão e as demandas do governo, embora defenda que seu relatório, do jeito que está, na prática já colocaria um fim à escala 6×1 por diminuir a jornada para 40 horas semanais.
Para ele, ao não proibir efetivamente esse regime, foi dado a possibilidade de alternativa aos trabalhadores sobre seus momentos de folga e destacou progressos que seu relatório traz. “A nossa proposta inclui o máximo de 6 horas de trabalho no sábado e no domingo, classificamos que hora extra deve ser computada com adicional de 100%, e não podendo repetir o mesmo trabalhador dois finais de semana seguidos”, afirmou.
Gleisi, no entanto, criticou diretamente o texto, argumentando que apenas reduzir horas não resolve o problema central: “Não adianta reduzir jornada”, disse, destacando que o objetivo do governo é alterar o regime de folgas, e não apenas ajustar a carga horária.
A postura do Planalto sinaliza que a pauta voltou a ser tratada com prioridade dentro do governo, mesmo em meio a uma agenda legislativa carregada.
Ainda em maio, o presidente Lula já havia tratado do assunto em pronunciamento para o Dia do Trabalhador. Na época, o petista, além de defender a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil -medida sancionada recentemente- também afirmou que o governo iria “aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso”.
“Está na hora do Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou em transmissão nacional de rádio e TV.
Mais recentemente, o presidente voltou a abordar o tema, desta vez durante reunião do Conselhão, em Brasília, na quinta-feira (4/12). Ao comentar o avanço tecnológico em fábricas, destacou que a automação aumentou a produção, mas não trouxe melhorias concretas para as condições de trabalho.
“Qual é o prejuízo que tem para o mundo? Nenhum”, afirmou, defendendo o fim da escala 6×1 como medida de justiça social e de adaptação às novas realidades da produção. Ele também pediu ajuda aos conselheiros — grupo composto inclusive por grandes empresários brasileiros — que o ajudassem a pensar em alternativas viáveis.
“E queria que esse Conselho estudasse com muito carinho, sabe, essa proposta da jornada de trabalho. Para acabar com essa coisa de 6×1 […] Se vocês me derem um conselho, eu faço, tá? Como vocês são conselheiros, então, me dêem um conselho, porque a gente pode apressar esse fim da jornada 6×1 e dar uma jornada melhor para o povo.”, declarou.
Reação do setor produtivo
- A retomada do debate também reacendeu preocupações no setor produtivo. A Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), por exemplo, divulgou nota alertando que medidas de redução da jornada sem aumento real de produtividade podem comprometer a competitividade das empresas e o nível de emprego, além de impactar o poder de compra das famílias.
- A entidade lembra que o Brasil enfrenta “há mais de 15 anos de estagnação econômica” e que outros países emergentes, como China e Índia, ampliaram significativamente seus PIBs em dólar.
- Segundo a Fiep, reduzir horas trabalhadas sem contrapartidas produtivas aumenta custos, reduz margens, encarece produtos e desestimula investimentos, afetando toda a sociedade com preços mais altos e menor oferta de empregos formais.
- A federação defende que o país avance em inovação, qualificação profissional e ambiente de negócios favorável, sem comprometer “justamente aquilo que se pretende proteger”.
Apoio popular à pauta
O governo também aposta no apoio popular para consolidar a pauta. Uma pesquisa da Nexus, divulgada em abril deste ano, indicou que 65% dos brasileiros são favoráveis à redução da jornada e ao fim da escala 6×1.
O levantamento mostrou que o apoio não se limita a regiões ou faixas etárias específicas e que muitos entrevistados associam a medida a uma melhora da qualidade de vida, com mais tempo para família, lazer e estudos. Para o Planalto, dados como esses reforçam a percepção de que a pauta tem potencial eleitoral, especialmente com a aproximação de 2026.
Essa visibilidade é reforçada por estratégia nas redes sociais. Nos últimos dias, em uma série de publicações, o governo voltou a destacar a pauta no “feed”. Um dos vídeos destaca jornada digna e descanso, com imagens de trabalhadores, transporte público, lazer e vida familiar. “O governo do Brasil está do lado do povo brasileiro por vida além do trabalho”, diz a publicação.
Outro post, publicado na sexta-feira (5/12), inspirado na retrospectiva anual do aplicativo de músicas Spotify, usa memes e narrativa visual para engajar o público e tornar o tema mais compreensível e viral.
“Você passou 2.288 horas do seu ano trabalhando na escala 6×1, quando podia trabalhar 2.080 na escala 5×2”, diz um dos cards compartilhados no perfil do governo federal.
E na legenda, o Executivo ainda diz que, depois da redução do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, medida sancionada recentemente por Lula, 2025 “vem com mais faixa boa: o fim da escala 6×1, um clássico moderno que já virou trend de justiça e dignidade pra milhões de trabalhadores brasileiros”.
Apesar da mobilização, a expectativa é de que qualquer votação só deve ocorrer em 2026, já que o ano legislativo está quase no fim, com o recesso começando em 23 de dezembro e com o foco imediato do Congresso estar em dar andamento a outras matérias prioritárias.
Fonte: Metrópoles


